quinta-feira, 15 de março de 2007

Goiânia, cidade partida?

Recebi um e-mail no começo do mês, do Mauro Alves. Depois de mais um bate-boca promovido por mim e pelo Segundo (proprietário do selo Two Beers or Not Two Beers, daqui de GoiâniaTown) no orkut, ele se incomodou e me mandou a mensagem abaixo.
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Foi um tabefe bem dado, elegantemente aplicado e com algumas razões, o que motivou meu pedido ao Mauro para publicar o texto aqui no blog Inimigo. Toda a minha conversa com o Mauro, negociando a permissão para colocar o texto aqui, foi enviada para o Segundo por e-mail, e a idéia por trás de colocar esse texto aqui é abrir os canais de comunicação e estimular o debate sobre a nossa cena rock independente.
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Abaixo da mensagem do Mauro eu já coloquei as minhas considerações, respondendo os questionamentos e as provocações da mensagem. O espaço está aberto para quem quiser participar e soltar sua voz nos comentários, ou se quiser enviar um texto maior para alimentar a discussão, manda para eduardoinimigo@gmail.com e eu coloco como um post aqui. Inclusive foi essa a proposta feita para o Segundo, que envie seus comentários para que eu os coloque como um post. O propósito não é alimentar rixa nem estimular dissidências, pelo contrário, a proposta é aproximar.
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Para quem não é de GoiâniaTown um esclarecimento se faz necessário. O selo do Segundo é um dos mais antigos da cidade e tem preferência - não exclusividade - por sons pesados como hc, metal e assemelhados. Segundo defende uma ideologia underground de contra-cultura, embasado em suas leituras de filosofia e em sua vivência, e por acreditar nisso e ser de uma família de posses ele é muito atacado por fakes de orkut que alegam que ele é playboy e filhinho de papai, o que imagino que o irrita bastante. O fato é que nos diferenciamos nas crenças de parcerias, qualidades nos eventos, formas de trabalho e um monte de outras coisas. Antes que pareça que somos adversários que se odeiam, deixo claro que nossos contatos no mundo real são sempre tranquilos, conversamos, damos risada e eu falo com sinceridade que não tenho nada contra a pessoa dele. Imagino que a recíproca é verdadeira.
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Mas somos dois teimosos e falamos muito. Daí nossos pegas virtuais quase constantes. No fim de tudo eu me divirto bastante com nossos pegas, acho que ele também deve rir bastante. Enfim, leiam a mensagem do Mauro, depois as minhas considerações e vamos ver quem mais entra na prosa.
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Goiânia, cidade partida.
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E quem se importa? Não eu.
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Estou me referindo à última contenda entre Segundo e Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei. Ao ler as dezenas de posts no tópico do aniversário da DECIBÉLICA, fiquei pensando: o que esses dois querem? Os textos do Segundo são como prédicas, algo como ler “O Evangelho segundo Segundo”. O tom é messiânico e, como bem expôs o Eduardo, fica parecendo que o dono da verdade é ele. Confesso que estou mais próximo de concordar com o Segundo do que com o Inimigo. Mas, apesar de, a meu ver, tangenciar a verdade, Segundo põe sua argumentação a perder ao usar um tom inegavelmente emocional. O Eduardo é psicólogo, tem o jeitão condescendente dessa raça, o que me deixa com um pé atrás, apesar de concordar com coisa e outra que diz, e de admirar seu domínio da escrita e articulação.
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Segundo, o que você quer? Que a galera do Rockefellers vá fazer um som parecido com o do Corja? Ou do Murder? Que vá tocar no Cantoria e beber catuaba no meio-fio na frente do DCE? Você sabe que isso não vai acontecer. E sabendo disso, ao criticá-los, fica parecendo que você quer que os caras parem com a banda, com a revista e seus shows, só porque não se enquadram com o que você definiu como certo. Eles têm um background social e cultural diferente, não podem, nem querem, fazer algo pro público do DCE, Capim Pub, etc. Existem trajetórias diferentes, sempre houve. Existem escolhas diferentes, também. Sex Pistols eram working class, e eram foda. Já o Clash tinha o Strummer que era middle class, e eram foda também. Velvet Underground era formado por caras sensíveis, novaiorquinos oriundos de escola de arte. Stooges era ralé. Qual deles foi o melhor, você arriscaria dizer? Por acaso bandas como Velvet Underground, Talking Heads, Residents, Can, e outras que não rezavam pela cartilha da chinelagem, não deveriam ter existido? Não estou falando aqui que Rockefellers faz parte desse tipo de rock intelectualizado, pelo amor de Deus. Estou só defendendo a biodiversidade no rock. E não me fale de atitude rock, por favor. Só dou valor a esse tipo de coisa hoje se tiver muito senso de humor por trás. Muita sacanagem e capacidade de rir de si mesmo. Não parece ser o seu caso. Você tem uma ideologia (quase uma religião como todas as ideologias) e, sobre isso só tenho uma coisa para te dizer: cuidado com ideologias.
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Eduardo, o que você quer? Sei que não quer calar o Segundo, mas sim que ele faça suas críticas de forma mais amena, mas acho que cada um tem seu jeito, e esse é o dele. E acredito que o Segundo tem um papel aqui, o de jogar merda no ventilador. Querer que ele não diga pra galera baixar a bola é babaquice. O argumento de que tem mais é que falar bem, apesar de o artista não ser bom, para que, no fim, se torne bom, é falacioso. E pode redundar em algo perigoso, a auto-indulgência. Se ficarmos nessa de the scene that celebrates itself, aí é que Goiânia não vai dar nada mesmo em termos de rock. O Segundo diz, e eu acredito, que existem outros que pensam como ele, mas não têm coragem de falar o que ele fala. Ele é o porta-voz do baixo-clero do rock goiano (não é uma ofensa, Segundo), uma galera que, apesar de não repercutir nacionalmente como as bandas que circulam a Monstro, representam, bem ou mal, a verdadeira face do rock goiano, a meu ver: orgulhosa e caricaturalmente ignorante, bêbado de catuaba, desleixado e fedorento e, infelizmente, que se leva muito a sério. E, mesmo morando no Bueno, tendo o pai rico, e, principalmente, não sendo nem um pouco ignorante, apesar do desapego pelas vírgulas, o Segundo é um dos ícones dessa rapaziada e o modo com que se expressa é típico desse pessoal. Sim, seu discurso fica prejudicado pela forma com que o apresenta, admito. É o problema de se levar por demais a sério. Ele mesmo diz carregar uma bandeira. Fica difícil rir quando se está abraçado a um mastro, me disseram. Mas a fala enfezada é o texto e a entonação da turma dele e você pode não gostar do som que fazem, nem do modo com que falam, mas eles existem e são maioria, pelo menos na cena rock. E querer que mudem o discurso, falando de outro modo, de forma mais conciliadora, é o mesmo que o Segundo pedir pra o Rockfellers tomar cerveja no bar da rua 03 e tocar no Cantoria. Cada um, cada um, e está todo mundo errado.
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Mauro Peixoto Alves
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Resposta de Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
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Cara, isso que eu acho fantástico, a diversidade de opiniões, a multiplicidade de formas de ver um mesmo fato. Eu confesso que algumas coisas que o Mauro diz na mensagem dele não me fazem nenhum sentido e não concordo mesmo, mas muitas outras são extremamente coerentes e precisavam ser ditas em voz alta realmente. Tomei os meus tapões no pé da orelha com o que ele disse, claro, mas o mais importante é abrir a discussão e estimular essa conversa. Vou me dedicar agora a comentar e responder e dar seqüência a essa mesa redonda do rock independente goiano. Vamos lavar a roupa, molecada!
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Para começo de conversa, quando o Mauro fala do post sobre o aniversário da DECIBÉLICA, ele está falando sobre o post que comenta o evento que vai rolar no dia 31 de março, comemorando um ano de existência da revista, que vai acontecer no Martim Cererê e vai ter shows de um monte de banda legais entre elas MQN e Forgotten Boys. Serviço dado!
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Agradeço pelo comentário generoso sobre minha articulação e domínio de escrita, eu me esforço para atingir um patamar satisfatório. E sobre o “jeitão condescendente”, Mauro, não sei se é do psicólogo ou do trintão. Acho que seja mais da idade, de olhar as coisas e pensar “vocês ainda vão passar por isso” sem querer soar pregador ou piegas. Deixa os meninos quebrarem a cara, tentarem, errarem, é assim que se cresce e eu tenho certeza de que – apesar de tudo que possa parecer – não sou o dono da verdade. Minhas verdades nem sempre servem sequer pra mim, quem dirá para outros que não vivem o que eu vivo?
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Sim, você está certo ao dizer que não quero calar o Segundo, até porque duvido que alguém consiga. Concordo também que “cada um tem seu jeito”, mas aprendi em minhas aulas de Moral e Cívica (essa matéria é do tempo da ditadura militar, hoje não existe mais) que a minha liberdade termina onde começa a do outro, o que foi confirmado nas minhas aulas de psicologia que me mostraram que o ser humano só se confirma na relação, e a relação é uma coisa construída. Tá, esse é o jeito do Segundo, mas isso não obriga o mundo a aceitar calado as coisas da forma que ele quer. Acho que muitas vezes o tema da conversa se perde por causa do formato que se conduz a prosa, e quando o Segundo entra numas de pregação e determinismo da verdade, eu realmente me irrito e não “arresisto” em silêncio. Sei da inteligência do Segundo e sei que – quando quer – ele consegue se adaptar, mas quando vejo que ele está atacando por atacar, isso me chateia. Então o que tento é facilitar o diálogo, talvez buscando facilitar para meu lado? Pode ser, admito a canalhice do argumento, mas ainda assim eu não vejo críticas que me mostrem se eu posso melhorar minha forma também. Por isso assumo então que estou no rumo certo.
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Não concordo com esse papel de “jogador de merda oficial do reino”, porque ninguém deveria se prender a um personagem dessa forma, fica bobo, fica vazio, e quando ele faz isso acaba gerando acomodação para todos os outros que não concordam com as coisas, mas ficam calados, porque “Ah, o Segundo vai falar!”. Quanto mais gente falando, mais sério se torna o tema, porque quando só uma pessoa fala acaba criando o que existe hoje, um personagem que muitos preferem não levar à sério.
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Nunca quis que ele não dissesse pro povo “baixar a bola”, e se você puder ler o meu texto na sexta DECIBÉLICA, que vai ser lançada no dia 31 de março lá no Cererê (acho que já comentei sobre isso), vai ver que eu até concordo com alguns pontos desse argumento. Quando você diz sobre “falar bem porque uma hora melhora” eu vejo que a culpa é minha, por um post mal escrito que acabou sendo mal interpretado realmente. O que é ruim tem que ouvir que é ruim. Ponto final. Não acredito que devemos elogiar todo mundo só porque já está fazendo algum barulho porque uma hora vai aprender, acho até que vai aprender muito mais rápido quando alguém aponta aonde pode melhorar, o que não funciona e o que não presta. Mas apontar falhas não é jogar pedra, pelo menos não é sempre. Isso pode ser feito de forma positiva, e aí pode soar como papo de psicólogo realmente, porque eu acredito que mais importante do que O QUE se fala é o COMO se fala.
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Posso falar um monte de coisas ruins sobre você, mas se eu escolher o momento certo, a forma adequada, eu posso fazer você me ouvir e me entender de forma muito mais produtiva. E é por isso que esse “ícone” deveria – na minha opinião – cuidar melhor de como se expressa, porque muitos moleques encostam na sombra do Segundo se sentindo representados. Se continuar sempre assim, jamais haverá diálogo nessa terra, como já foi dito por gente muito melhor que nós todos aqui “olho por olho e todos acabaremos cegos”.
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E é aí que discordo frontalmente de sua argumentação, quando você diz que não posso querer que eles mudem a forma de se expressar. Quero e não vou desistir, como aposto que muitos também gostariam muito que eu mudasse a forma de me expressar e não vão desistir disso. É justamente nessa interface que todos nós vamos crescer e melhorar, e diferente do que possam pensar muitos, evoluir, crescer, melhorar, não são ruins por si só. Sei que não é fácil e não tenho certeza se sei o caminho, mas sei que vou continuar tentando.
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Você me pergunta o que eu quero? Eu quero morangos, Mauro, quero muitos morangos.
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Muito agradecido pela provocação e pela coerência de argumentos.
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Como eu disse, o espaço está aberto...
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Há braços!
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
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6 comentários:

Unknown disse...

A primeira pergunta que surgiu na minha cabeça ao começar a ler foi : pq as pessoas ficam irritadas com as suas (vc + segundo) conversas?
Existe a parte obvia que é pq que as pessoas tb tem suas opniões que podem ou não estarem de acordo.

Mas eu pensei numa segunda coisa depois que eu terminei de ler tudo, pode ser necessidade de fechamento.

Acho que não é comum para muitas pessoas discutir opniões só por discutir, o que se vê em geral é que ou as pessoas que estão conversando concordam ou elas se odeiam pq não concordam e param de ter uma relação no mínimo civilizada.

Ai fica a questão, vcs ficam ai discutindo o dia todo mas se dão bem?
Como?
O que a galera faz com isso?

Anônimo disse...

Uma vez escutei uma história antiga em que um homem, exímio anfitrião, recebiam seus hospedes com muita pompa e esmero. Havia, porém, uma condição: ao apresentar os aposentos de dormir para o hóspede, esse deveria experimentar a cama que lhe era oferecida. O anfitrião pedia que o hospede se deitasse na cama para ver se ela estava adequada a ele. Se a cama ficasse pequena, para aquele hospede e, portanto, seus pés ficassem fora da cama, o cruel anfitrião mandava cortar-lhe os pés. Há pessoas que seguem esse modelo nos seus relacionamentos.

Ai de quem não se enquadrar no tamanho de suas idéias e de suas convicções. Através da crítica cortam do outro a auto-estima e a alegria que são pés no caminho da felicidade. Não estou dizendo que esse é o caso. Mas tem muita gente que usa desse procedimento em seu relacionamentos. É feio, pedante, repugnante. É isso.

Temos uma tendência a criticar constantemente as pessoas que nos rodeiam, damos sempre o direito de ficar apontando os pontos negativos e positivos dos outros, mas ainda assim vejo de forma positiva quando é feita no momento certo e forma adequada (como o próprio Inimigo diz) e respeito.

Acredito que a característica fundamental do humano é a sua imperfeição e, portanto, a sua transitoriedade. Esses limites é que permitem o crescimento, a mudança, a procura de níveis cada vez maiores e mais significativos em nossas vidas.

Qualquer mudança de comportamento é pessoal, intransferível é inalienável. Precisa querer para acontecer e, seguidos, de alguns pressupostos: a Consciência dos aspectos que nos atrapalham na direção do alvo de "felicidade". Depois o desejo verdadeiro de mudar e, finalmente, as ações necessárias para a transformação.
Hoje discuto por discutir, sabendo que tudo que é feito debaixo do sol, é vaidade!

Anônimo disse...

depois de muitoas anos falando que devia e o que não devia, vi que isso nao funcionava pra mim. nao na totalidade. eu estava longe das pessoas que queria estar perto. mas como o Eduardo disse, tem coisas que só o tempo, a idade ... e talvez nem a idade "conserte", ajuste isso ...

hj só comento do que gosto ... do que não gosto, não há porque falar ... perco energia com isso ...

Há pernas !!! tb ...

Suco de Cérebro disse...

Vcs levam tudo isso a sério demais
segundo,inimigo,e sei lá mais quem.
Que tem de tão complicado em um bando de moleques tocando?
Se for uma merda,foda-se:não vai ter público.
Pode até parecer ignorância mas antes de eu abandonar essa "cena" e existir orkut,se alguém tinha algum problema com outra pessoa resolvia na mão...pelo menos era mais divertido.

Anônimo disse...

ae Suco, fica na sua entao, pq esse papinho seu eh de quem so apanhava qd era da cena.

se esse segundo fossse dos anos 80, tadinho, ia apanhar todo dia ate seu pai rico mandar ele pra europa. sorte dele que tem orkut hj, e o mundo eh menos violento.

Unknown disse...

1) Fazedor de suco, mundo menos violento??? Onde? quando? pq?, mas tudo bem, deixa para lá
2) Adoro discutir por discutir, filosifia de boteco, discutir o sexo dos anjos... Ai que delicia, estímulo aos neurônios. espero que essa conversa, segundo/inimigo/mauro/e quem mais vier, vá muito longe ainda... :-) até alguém cair de cansaço e ir dormir, para voltar no dia seguinte ainda mais cheio de energia :-)