terça-feira, 1 de maio de 2007

"A Hora do Rock" - pura arte e seus personagens.


Sou do teatro. Estou em palcos desde a oitava série, e nesse tempo já tive a honra de trabalhar com grandes diretores, atores e atrizes, e uma coisa que certamente eu aprendi é que uma boa história é feita por bons personagens e boas locações (ou bons cenários). O texto em si muitas vezes pode até ser improvisado, mas se você tem um rol de bons personagens com suas complexidades, doçuras, malícias e manias, você pode conseguir um bom resultado, ou melhor ainda, você faz arte.
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Segunda-feira, dia 30 de abril eu vi novamente isso acontecer. Saí do ensaio do teatro por volta das 21 horas e fui para “A Hora do Rock” no República, um evento bacanudo e simpático que acontece em intervalos esquizóides e reúne boas bandas, cerveja gelada e um ambiente pequeno, o que o torna aconchegante por algum tempo e cheio de gente boa a maior parte do tempo.
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Cheguei e fui recepcionado pelos acordes do Bang Bang Babies. Por ser uma banda que fez bons contatos, boa música e sua boa dose de suor, conseguiu espaço, vem crescendo e tocando em muitos lugares, e por isso vem também despertando sua dose de ciúme e inveja. Muita gente já fala mal dos meninos Bang Bang, o que em algumas aldeias do mundo é sinal de distinção. Não se joga pedra em árvore que não dá fruto, lembra-se disso?
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Pedrinho Malandrinho é o primeiro personagem da noite. Falta-lhe – como em muitos outros, eu incluído – beleza física. Pedro é feio, mas possui a dose combinada de teimosia que vira determinação e o destemor dos loucos ou dos irresponsáveis. Ou ainda dos corajosos, vai saber. Ele é o frontman do Bang Bang Babies (me recuso a chamá-los de BBB. A comparação não é justa). Entro no estúdio onde rola o show e ele canta com olhos baixos, a iluminação lhe favorece pois pega de baixo pra cima em seu rosto, e suas bochechas (não tão generosas quanto às do Google Valente) fazem sombra no olhar. Ele fica demoníaco, os olhos enegrecem e a expressão sem expressão que ele usa no palco me passa desprezo e arrogância. Seu cabelo desgrenhado compõe a produção visual necessária, e sua camiseta do Desastre é um toque de humildade. Cênico, bem cênico.
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Os Bang Bangs tocam som de festa. Boa de dançar e ainda assim bastante suja, com um baixão cavernoso, e Pintinho me lembra o Hook do New Order em alguns momentos, dedilhando as melodias de forma dançante até. Vital se tornou um econômico nas notas, e cada vez mais me lembras as melodias Tarantianas da surf music distorcida. E Hélio é um portento. Um “sapequinha” como diz outro personagem, Pedro Cambaleado. Hélio está deixando o cabelo crescer, deixou de lado aquele ar de “menino criado com vó” que tinha no início dos Walla Boys e agora carrega um jeitão cool de baterista rodado. O que efetivamente se tornou. E toca muito o desgraçado. Eu conheço muito pouco as músicas dos Bang Bang Babies, mas o show foi bastante legal, principalmente porque o espaço pequeno do estúdio, logo entupido de pessoas, apresenta a banda a centímetros do meu focinho, não há para onde correr.
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Uma menina dança no show dos Bang Bang Babies. Uma das poucas que vi dançando o show inteiro. Usa uma saia de bolinhas que logo desperta meu desespero (eu odeio roupas de bolinha. Com todas as forças da minha existência. Problemas, eu tenho problemas!), e sandálias de saltinho que fogem ao ritual rocker de fantasiar-se, isso me insinua uma persona muito própria, avessa à modas e padrões. Bom isso. Depois nos encontramos ao lado da geladeira. Após conversarmos um pouco (eu fazia minhas anotações e ela ajudava a fazer o caixa da venda de cerveja) ela se apresenta “Meu nome é Daniela”, e eu retribuo “E eu sou Eduardo”. Ela diz “Eu sei”. E eu não sei o que falar em seguida. Mulheres assim afirmativas são meio ameaçadoras para homens inseguros, especialmente quando não está acontecendo nenhuma dança de sedução e nenhum dos dois mostra interesse físico ou afetivo pelo outro. Esses momentos despretensiosos são os que mais exigem preparo, e eu não tenho nenhum. Fiquei olhando para os olhos verdes dela e acabo perguntando “Você não é a Daniela que eu briguei e bati boca dia desses, né? Porque seria muito constrangedor.”.
Não era essa Daniela. É outra. E essa é uma fêmea-alfa no bando, sempre cercada por rapazes ávidos, aos quais ela entrega o mínimo de atenção necessário. O tanto certo para ser educada, e o suficiente para não deixar ninguém esperançoso. Apesar de ser cercada por toda noite por um jovem e cabeludo vocalista. Tolo...
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Uma coisa que merece destaque é o potente ar condicionado da sala do estúdio em que o show foi feito. Durante o show dos Bangs segurou a temperatura com galhardia.
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Grandes personagens viam em duplas. Didi e Dedé, Batman e Robin, Crusoé e Sexta-feira, Tom e Jerry. Aqui não foi diferente. No bar Renatinho e Douglas vendiam cerveja aos berros, parecendo feirantes e com muita disposição. Figuraças. No lado de fora Mestre Gustavo e Mestre Luiz Maldonalle são sempre um par de simpatia e bom humor. “Não me fode!!!” é o mote da vez, e cada vez que escuto isso me arrependo de ter estado tão bêbado no dia que falei isso para o Luiz. É engraçado, e alguns dos melhores momentos da noite são ao redor dessas duas duplas.
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Fumar, o povo fuma mesmo. É uma pena. E o que poderia ser um lounge delicioso ("Não é dark-room!! Se eu achar pôrra no meu carpete eu mato alguém!!" urrava o gentil ogro), que é uma segunda sala do estúdio, com ambientação negra e som diferenciado, logo começa a se encher de fumaça cancerígena. Imagino que depois tenham parado, porque o cheiro diminuiu, mas não me atrevi a entrar inteiro na sala novamente. Sigo andando com meu cantil e minha boa cachaça mineira, que ia me distraindo em momentos de pura atenção naquela fauna rica que ali estava. Muita gente que não conheço, o que é ótimo, porque os tempos em que chegávamos em um ambiente e conhecíamos todo mundo eram tempos de um clubinho fechado no rock, agora muitas outras pessoas aparecem, mulheres com produção caprichada, homens bem barbeados, muita gente perfumada, outros sem barbear, outras sem produzir, muitos sem bem cheirar, mas o ambiente se torna cada vez melhor. Diversidade! A figuração é importante num evento.
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Biula é um monstro, uma força da natureza, você nunca sabe o que esperar dele. Quando cheguei Luiz já tinha me avisado que ele estava solto, e que isso era perigoso. Pois é verdade. Biula é forte também, muito forte, e como qualquer monstro, ele não tem noção da própria força, e qualquer brincadeira é quase uma fratura. No início do show do MQN algum gênio tem a idéia brilhante de colocar Biula na porta, e ele quase cria problema, pra variar. Queria deixar entrar só as mulheres e se recusava a abrir a porta totalmente. Mas é um monstro gentil e gente boa. Foi um puta roadie durante todo o show, ajudando em momentos críticos e sempre se antecipando aos problemas. Bom!
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No lado de fora foram colocadas telhas cobrindo o que antes era um vão generoso, e isso aumenta o calor substancialmente. Às 22 horas a casa já estava lotada, o que é bastante bom, porque as coisas acontecem mais rápido e a noite pode ser esticada para outros rumos (apesar de que na segunda-feira o Kuka estava fechado, segundo me disseram). Algumas coisas ainda precisam ser melhor pensadas, como em qualquer evento, e enquanto bato um papo com Túlio, comento que faltou algo para se mastigar. O povo bebe muito, isso é um fato, e se houvesse ali uma folha de alface que fosse, o povo certamente ia consumir fartamente. Pode ser outra alternativa de renda, quem sabe uma parceria com algum fornecedor. Quem sabe COM A TIA DO ACARAJÉ!?!?!?!??! Ia ser o céu!!
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Romildo vendia Cd´s. Era um cara conhecido num sebo grande que tem na avenida Goiás. Romildo saiu de lá e acredita que está quebrado. Pesquisadores americanos dizem que grandes empreendedores normalmente quebram até três vezes antes de encontrar sua verdadeira fonte de fortuna e satisfação. Romildo não quebrou nenhuma vez ainda, apesar de achar que sim. Antes vendia Cds, agora passa discos de vinil para Cds, e tem freguesia boa, porque conhece muito de música e tem as manhas e os equipamentos certos para fazer isso. E também é da equipe Monstro agora. Romildo é um cara bom de papo e divertido, e seus imensos olhos verdes, junto com sua altura exagerada o fazem um ser diferente, além de sempre estar com um sorrisão na cara. Romildo está num momento cheio de oportunidades, apesar de achar que está com poucas. Um personagem trágico sempre tem seu charme no palco. Ainda vamos ouvir muito sobre esse sujeito.
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MQN começa a tocar. Colocar uma banda como essa em espaço confinado é sempre um risco, qualquer um que já se meteu numa briga com muita gente sabe que você precisa de espaço aberto, e confinar uma usina como o MQN naquela sala se mostrava meio temerário. Uma porradaria enorme, como sempre. O povo pulando adoidado, como sempre. Uma festa de rock, como sempre. Putz, é até tedioso comentar algumas coisas, mas o script é seguido à risca, a banda entra, devasta, diverte e some. Fico pensando se a simplicidade dos acordes da guitarra são típicos do tal Stoner Rock, porque não entendo de rótulos nem de notas, e como tão poucas notas podem ser tão abrangentes e preencher tão bem as músicas, é algo que sempre me espanta. Mestre Gustavo é competência técnica, talento e visual, um pacote que qualquer banda gostaria de ter. O povo chama o doce vocalista de “Gordinho filhadaputa”, “Gordinho viado” e deve ser bom ser tão amado assim. Alguém pede “Toca Ramones” num ar de provocação, e o relógio da parede da sala mostra que muito tempo já se passou, apesar de parecer que começou ainda agora. Quando a gente está se divertindo o tempo “avoa” realmente. Na hora que tocam “Heart of Stone” a proximidade se torna perigosa e explosiva, as pessoas tomam os microfones e caem pelas caixas dando risada. “Buzz in my head” é minha favorita, e fica fantástica assim de perto. “Hard Times” é o limite do ar condicionado e a temperatura definitivamente se torna intensa, e todo mundo compreende o que acontece no Martim Cererê quando o teatro incendeia. Quente, cada vez mais e aí surge meu último personagem.
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Marlos é um sujeito bom. Completamente insano, totalmente desregrado, mas um sujeito bom. O alerta veio a semana inteira, “vou fazer feiúra”, e alguns fingiam não entender o que era isso. Pois o japonês doido invade o show do MQN, abraça Fabrício e derrama várias cervejas na cabeça dos dois. Uma chuva dourada de desperdício e sujeira. Sabe quando você está visitando alguém e a casa é nova, e os móveis são brancos, e você tenta ser o máximo cuidadoso o tempo inteiro para não fazer merda? Aí o dono da casa entra todo imundo porque estava jogando bola com o cachorro e senta no sofá e mete o pezão sujo de barro no couro branquinho? Isso foi Marlos dentro do estúdio. Todo mundo se comportando direitinho (na medida do possível pra alguns. hehe) e vem o dono da casa e derrama cerveja pra todo lado. Quando o cara mete o pé de toddy no sofá você fica a vontade, não precisa se policiar o tempo inteiro. Marlos derramou cerveja e virou uma chuva de cerveja dentro do estúdio, gente rodando latinha e fazendo a folia. Marlos é maluco! Fez feiúra como prometeu mesmo.
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Revistas Decibélicas sendo vendidas e entregues, entrevistas sendo gravadas, negociações de colunistas para novos portais e sites, muita coisa acontecendo nesse novo evento da noite rock de GoiâniaTown. Ao final, conversando com a doce Larissa, comentando os modos shrekianos do seu querido japonês, damos risada e comentamos sobre pessoas, sobre palavras e sobre o tanto que a noite foi muito. Muito cheia, muito divertida, muito boa. Uma boa prosa pra finalizar e eu estava pronto pra ir embora.
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Bons personagens, boa música e bom cenário. A propósito, o cenário!! No República, o estúdio simpático que fica ali na Alameda Botafogo com a Rua 3, no centro, bem perto de onde um dia foi a Transa, o puteiro mais famoso de Goiânia. Bem perto da Paranaíba, onde hoje é o puteiro a céu aberto da cidade. Pensando bem, o lugar é perfeito para a putaria mesmo, com uma vizinhança e história como essas, e além de ser um evento muito loki, é um estúdio fantástico, elogiado e reconhecido pelas duas bandas que tocaram. Então fica atento, porque “A Hora do Rock” é arte em seu estado mais natural, composto pela direção precisa de um suado e afobado Túlio, a co-direção insana e criativa de um ogro gentil como o Marlos, música tema sempre conduzida por grandes bandas e a presença de muitos personagens fantásticos. Arte, meu amigo, pura arte!!
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Há braços!
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com
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4 comentários:

nobre_abrafin disse...

FODA FOI POUCO!

FEIURA É TUDO QUE O JAPÃO SABE FAZER.

ROCK SEMPRE!

Anônimo disse...

Eduardo.

Meu velho, você tem o dom da palavra. E eu digo mais, eu digo que se eu tivesse a oportunidade de ir num centro espírita para conversar com alguns mestres da literatura eu certamente bateria nos ombros destes gênios e falaria: “meus caros, vão ler Eduardo Mesquita. E lhes entregaria o endereço do blog”.
Eu resolvi ler este conto – se é que você me permite chamar assim seu texto – porque assim como você eu também estive no Republica. Não sei se você lembra, mas eu estava brincando com você sobre o calor que estava fazendo dentro do Republica e de como eu já tinha perdido nas minhas contas uns 2 quilos só de suor. Nessa hora meu irmão chega e o assunto acaba indo parar nas previas do calango entre outros.
O que me chamou mais a atenção no seu conto foi à parte da garota de saia de bolinhas. Eu até me coloquei na duvida entre olhar a Gibson do César – um modelo firebird – e olhar ela dançar. E quando a minha duvida não era olhar a guitarra e ela, era olhar a performance do Fabrício Nobre e ela, e quando eu pensei: “Agora eu presto ambição no show”. Mais uma vez me vi na duvida de olhar para Miranda tocando bateria e ela dançando.
Mas...Eu não nasci para cortejar a “fêmea-alfa”, longe disso, meu papel na musica é ser publico, é vibrar junto com a banda. É tentar mostrar – apesar de que algumas bandas há tempo não atendem mais os pedidos dos fans – que o que eles fazem agradam muita gente.
Para terminar eu vou lembrar da frase de um cara muito esperto que no passado disse: “entre mortos e feridos, todos sobreviveram” e foi assim que termino a noite.

Unknown disse...

Eduardo, repito. Você está muito sapeca!

:D

há braços, meu rei.

marlos japão disse...

só me faltava ser um ogro !!! hehehe adoro o shrek !!!
há braços !!!