quinta-feira, 10 de maio de 2007

Os RUMOS em uma boa terça-feira!


Dia 08 de maio, uma terça-feira, foi um dia legal. Depois de enfrentar uma pequena emergência inesperada, saí do trabalho e foi para o SEBRAE, o templo do neoliberalismo e de termos como pró-atividade, resultados, empregabilidade, desenvolvimento e profissionalização; ou seja, eu estava indo pra casa. Já tive oportunidade de desenvolver alguns trabalhos com o Sebrae, tenho excelentes amigos que trabalham lá e foi com muita satisfação que vi o auditório até bem ocupada pelo pessoal das artes em geral.
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Isso porque nesse dia estava acontecendo o RUMOS MÚSICA do Itaú Cultural, encontro promovido pelo SEBRAE de GOIÁS, UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS e ITAÚ CULTURAL para um debate sobre produção musical.
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Como o horário do evento era ingrato – começava às 14 horas de uma terça-feira, pombas! Ninguém trabalha nesse país não? – eu perdi bastante coisa, o que sinceramente lamentei. Mas o pouco que pude participar foi bastante bom.
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Cheguei na sala e logo encontrei meu amigo Pablo Capilé, e levei um susto: que diabo de bigodinho de cafetão era aquilo?? Sugeri enfaticamente que ele fosse ao banheiro raspar, ou que tentasse arrancar com as unhas (eu até ajudaria) porque realmente um bigode já não é algo muito bonito, num cara como Capilé ficou ainda pior. Boas risadas logo de saída! Entrei no auditório no final da fala do Alemberg, que é pesquisador musical e diretor da Fundação Casa Grande, em Nova Olinda (CE). Uma figuraça! Com um sotaque cantado e mágico do sertão cearense, esse “cabra” estava relatando suas aventuras e desventuras na condução de um projeto que – por tudo que ouvi de terceiros – é fantástico. Essa Fundação Casa Grande é uma revolução na cidade de Nova Olinda, e ao ver os olhares embevecidos do público e o sorriso franco e generoso do sujeito, eu vi que tinha perdido coisa da boa. Fazer o que, não? E la nave va...
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Alemberg falou uma coisa que me chamou a atenção por demais. Esse papo de “Todo artista precisa ir aonde o povo está” já era. Isso foi parte de uma resposta a uma pergunta da cantora Cláudia Vieira, belíssima psicóloga que tenho o prazer de ter como amiga. Catita comentou que essas idéias de levar orquestra para favela, para morro, para periferia, essas idéias eram meio sectaristas, e antes de serem propostas inclusivas, elas alijavam ainda mais o povão da arte. Porque na hora que você leva uma orquestra para tocar na Associação de Bairro da Vila Papel Dezesseis, esse povão ávido por arte e cultura não vai ver a orquestra como ela é na realidade. Vai ver em condições precárias, na base do “jeito que dá”, com improviso e boa vontade. Alemberg citou ainda sua opinião de que a música é também arquitetura, luz, ambiente e tudo isso se perde em palanques eleitoreiros ou em Associações de Bairro, por melhor que seja a intenção do presidente da tal associação.
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Não temos que levar orquestra pro morro, tem que levar o povo pra dentro do teatro! O povão tem que descer do morro, sair da favela (lá da minha saudosa maloca, o Quebra-Caixote, por exemplo) e avançar pelos carpetes e sentar nas poltronas e se refrescar no ar-condicionado.
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O Teatro Exercício, grupo de teatro que tenho orgulho de participar a 20 anos, inventou lá no começo dos anos 70 uma coisa chamada “Terça Popular”. Eram espetáculos teatrais a preços módicos e irrisórios para o povão, e a divulgação era feita na periferia. Era um sucesso! O teatro lotava, o povo começava a gostar de ir ao teatro, os grupos sempre tinham um bom público, até que um político da época surtou e acabou com o projeto, porque “aquele povo suja o teatro, aquele povo não sabe se comportar, aquele povo não pode ir ao Teatro Goiânia (que era o máximo na época)” e coisa e tals. E provavelmente “aquele povo” não sabia mesmo se comportar naquele ambiente, nunca tinha ido lá! E nunca ia aprender então, porque não ia ter mais a chance de freqüentar e se ambientar com os palácios das artes que o poder público constrói para o povo (nos discursos), mas não permite seu uso pelo povo (na vida real). Levar o espetáculo para a periferia pode ser chamado de “Controle de danos” mas é também um fator de acomodação da platéia, uma forma de manter “aquele povo” lá longe, sem sujar o asfalto bonitinho e os carpetes do centro da cidade.
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Lembro que por muito tempo sofri uma crítica sofrida. Meu grupo de teatro – na época a Oficina DeMedo – foi convidado para se apresentar num evento no Centro de Convenções num evento nacional. Não iríamos receber lhufas, mas na minha inocência e empolgação achei que usaríamos o palco gigantesco e aparelhado do melhor teatro da cidade na época, o Rio Vermelho. Quando chegamos lá, ensaiados, empolgados, pontuais, vimos que íamos apresentar em um palanque (desses de comício em interior, para 30 correligionários assistirem) no extremo do Centro de Convenções, quase na rua. Nos recusamos. Nossa performance (termo muito usado pelo povo do teatro dos anos 90) precisava de recursos, de luz, de música, da intimidade de uma sala fechada, e aquele vão de 100 metros de altura com um palanquito perdido no meio não ia nos dar essa condição. Fui chamado de arrogante (uma das milhões de vezes que me chamaram disso) porque estavam me cedendo o espaço e eu estava com “luxos” e exigências. Realmente fiquei muito tempo incomodado com isso, mas sempre com a convicção de que nossa criação não caberia naquele palanque de merda. As falas do Alemberg e da Catita purgaram de vez minha angústia. Grato aos dois.
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Alemberg levava a platéia pela mão, e foi chamado mais de uma vez de “headliner” do evento, que vem percorrendo várias cidades do país.
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Depois um breve intervalo e tivemos a fala de Arthur de Faria, que é músico, jornalista e produtor no Rio Grande do Sul. Falou bastante sobre a situação de “isolamento” dos músicos do sul, que fazem carreiras vitoriosas nos estados do sul e na Argentina e no Uruguai, e muitas vezes são pouquíssimos ou nada conhecidos o Brasil. Além disso, o perfil do público Argentino que faz cursos para conhecer a música brasileira, jornalistas argentinos que fazem cursos para se preparar melhor nas análises sobre MPB e outras situações tão distantes da nossa realidade.
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Arthur ainda comentou sobre o excesso inacreditável de bandas e de músicas que existem atualmente. E por isso aconselhou que alguém só deveria se meter a ter uma banda e fazer música se não “conseguisse fazer mais nada na vida”. Mas não no sentido de ser um total inútil para outras atividades, mas sim na situação de realmente só querer fazer música e ter consciência de que mais nada na existência poderia fazer o sujeito feliz. De outra forma, desistam de música. Já existem muitas. Achei muito interessante isso, porque realmente passamos pela situação de tentar ouvir inúmeras coisas novas, e nos angustiamos pelo tanto de outras coisas que não conseguimos....er... bem, eu não sofro tanto assim, na verdade. Realmente depois de 89 eu fiquei com preguiça de ouvir coisa nova, e conheço quase nada do que foi feito no rock nos anos 90, assumo e admito. Talvez isso tenha me prevenido de um enfarte, mas talvez também eu tenha perdido muita coisa interessante. Quem saberá dizer?
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Nesse instante Pedro Reator comentou uma coisa que eu havia notado quando entrei no auditório: de um lado da sala as pessoas com camisetas pretas, do outro lado da sala as pessoas com roupas “normais”, cores claras, camisas de botão. Foi muito engraçado perceber essa divisão tão nítida entre os participantes do evento, mesmo sendo um ambiente totalmente cooperativo e cheio de boas intenções. Natural, penso eu, porque buscamos ficar perto de quem conhecemos, e o povo das camisetas pretas foi chegando e se aninhando juntos, daí a divisão. Não era nenhuma rixa ou competição ou coisa babaca parecida, eram somente bandos que conviviam praticamente pela primeira vez.
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Enfim chegou a hora de Pablo Capilé falar. O homem é eloqüente, isso é inegável, e adora falar, isso é mais inegável ainda. Além disso, ele tem o discurso muito articulado e claro, porque viveu tudo aquilo que está falando, com uma paixão e uma intensidade que é muito presente no movimento estudantil, origem do Capilé. Como não ficar magnetizado ouvindo a história do Cubo Mágico, que deu origem ao Espaço Cubo e todos os Cubos conseqüentes? Fica parecendo que tudo foi fácil e que a seqüência se deu de maneira natural e tranqüila, o que obviamente não deve corresponder à realidade.
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Montar uma estrutura como a que eles têm hoje deve (suposição minha) ter custado muito sangue, muito suor, muita briga, muita teimosia e todas essas coisas que são necessárias quando você quer e precisa fazer algo grande. Mas escutar a história nos dá a sensação errônea dos passos sendo dados na hora exata, em conseqüente encadeamento e o natural sucesso de tudo isso.
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Capilé falou do Cubo Carrrrrrd (assim com um monte de “R” mesmo. Sotaque, né? rs), o que talvez seja a melhor sacada e ainda complementou falando de um “Fora do Eixo Card” que ouriçou parte grande da platéia. Para quem não conhece o Cubo Card é um sistema de crédito gerado em Cuiabá pelo Espaço Cubo para fomentar a produção e a distribuição. Como não era uma realidade a proposta de se pagar para as bandas, já que o dinheiro é curto pra todo mundo, então criaram uma moeda própria que regulamentasse o escambo. Então a banda que tocasse num evento do Espaço Cubo recebia como pagamento uma quantidade de Cubo Cards. Como o Espaço Cubo tinha o estúdio, tantos Cubo Cards davam crédito de tantas horas no estúdio. Daí a pouco surgiu uma locadora de vídeo apoiando a idéia, e a banda podia trocar seus Cubo Cards em locações de Dvd´s. Um lavajato, uma pizzaria, um artista gráfico, e dentro de pouco tempo uma cadeia produtiva tornou-se mais azeitada e enriquecida. Claro, alguns tropeços e uma quase falência, mas a idéia se sustenta quando tem estrutura boa, e isso aconteceu.
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Quando o SANGUE SECO tocou em Cuiabá, no Calango de 2006, recebemos nossos Cubo Cards, e trocamos por Cd´s, livros, camisetas, comida (o pastel assassino de céu-da-boca) e muita cerveja. Parece que foi muito Cubo Card? Foi mesmo! Aqui em Goiânia o povo do Bicicleta Sem Freio vem agindo com iniciativa semelhante também, trocando arte, suor e talento por necessidades satisfeitas. Agora imagine uma ferramenta dessas sendo válida em todo o país, com todos os envolvidos no Circuito Fora do Eixo? É algo que pode transformar relações comerciais, visto o alcance que pode ter.
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Foi interessante conhecer alguns detalhes que eu não conhecia, como o início de tudo nas universidades de Cuiabá, como a união surgida entre grupos de instituições diferentes, como o carro que foi trocado por um estúdio de ensaio e a longevidade da Volume. A Volume (Voluntários da Música) é um dos braços de atuação do povo do rock de Cuiabá, e vem organizando uma série de eventos e shows a preços bem baixos com estrutura boa e – o melhor de tudo – o envolvimento de muitas bandas na produção desses eventos. Então eles têm músicos – gente de banda – que faz a arte da divulgação dos eventos, gente que cuida da bilheteria e portaria dos eventos, gente que cuida do palco, equipamentos e instrumentos do evento, gente que se envolve e participa ativamente. Isso é uma das grandes idéias vindas de Hell City, e eu achava que fosse recente, mas já tem um punhado de tempo.
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Até comentei com o Heitor “Funbox” sobre a possibilidade de um movimento desses em GoiâniaTown, porque temos muitas bandas novas, muita gente disposta e muita reclamação sobre espaços e condições para tocar. Então porque não cooperativar e fazer acontecer? Numa ironia, reunindo várias bandas para organizar um evento, no mínimo já temos um bom público presente.
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Mas falando sério novamente, imagine Burns Records, Distorção, Anti, juntando com o povo que faz o Capuava Rock Fest, o Xaparock e tantos outros eventos e selos que vem iniciando sua atividade, e se juntando sem a preocupação de ser um outro selo, de competir com ninguém ou de querer dominar o mundo. Mas simplesmente com o prazer etílico de fazer show de rock em que todo mundo trabalhe do mesmo tanto, e consequentemente todo mundo se divirta mais.
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Olha, você pode até não gostar da tara que o povo de Cuiabá tem por comissões (toda reunião surge a sugestão de “dividir em comissões”, meudeusdocéu!), mas não pode negar que na experiência deles isso deu – e dá – certo. Então como eles não vão propor isso toda vez, se tem a vivência de que o troço funciona? Eu ainda vejo muito dogmatismo no discurso cuiabano, o que às vezes me dá algum incômodo; mas é o mesmo tanto que vejo de discurso corporativo em uma parte goiana e discurso adolescente e tapado em outra parte pequizenta.
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São cenas diferentes, não há dúvida, mas podem ser ainda mais complementares, e aí o poder de fogo disso é inigualável. Entenda melhor, Cuiabá e os Cubos possuem uma visão mais cooperativista em que o processo é valorizado e existe uma preocupação de consolidação de uma realidade para o futuro. Se pensarmos aqui em Goiânia nos Monstros a visão é outra, porque a Monstro não é uma associação, entidade ou instituição, é uma empresa, um CNPJ clássico, e que precisa pagar seus impostos, pagar salários, sanear seu fluxo de caixa e dar lucro no final do balanço. Uma visão corporativa – e que não pareça que critico, porque todos sabem do meu apreço pela visão corporativa também – que visa outras coisas diferentes do Cubo. Então ao invés do processo (que pode ser terceirizado), existe uma maior atenção com o produto; então antes de se preocupar em fazer um trabalho voltado para a “cena”, existe uma preocupação com suas próprias finanças e a construção e colaboração com a cena são conseqüência. E conseqüências reais, porque mesmo tendo a visão corporativa – empresarial é fato que ninguém fez tanto pela consolidação da cena de Goiânia como a Monstro.
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Então mesmo partindo de pontos distintos, a conseqüência dos dois trabalhos é bastante próxima, o que justifica o contato existente e a parceira vivida. Não chegam a ser arestas essas diferenças, porque uma forma não inviabiliza a outra, mas muito antes o contrário. A riqueza existe justamente na diversidade!
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Poderíamos falar de outros pontos de vista ideológicos da cidade, mas prefiro não perder tempo com castelos em nuvens, já que estamos falando de idéias que dão resultados práticos. E essa é uma grande diferença que precisa ser ressaltada, seja em Hell City ou GoiâniaRockCity, as duas visões são pragmáticas, focadas em metas e resultados e não se baseiam em ideologizar ou tentar catequizar quem quer que seja. Até por isso os dois grupos – Cubos e Monstros – possuem seus detratores, gente que reclama e fala mal, gente que tem inveja, em suma gente que não tem a competência necessária e se ressente do sucesso de quem trabalha. E que ninguém entenda também – putz, tem que explicar tudo! – que esses dois grupos são imunes à críticas porque conseguiram alcançar algumas das suas metas. A crítica é sempre muito bem vinda e qualquer pessoa com postura profissional sabe disso, o problema reside na forma como a crítica é posta, mas já falei disso em outros textos, agora não é o momento disso.
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Então imagine o poder de destruição que essas duas cidades podem ter no momento em que se unirem de forma mais organizada. Temos hoje a Fósforo surgindo como uma terceira-via autêntica, com práticas ousadas e com trabalho sério e organizado, que pode ser uma ponte entre essas duas formas de trabalhar e pensar sua importância. Esse é o momento – e talvez o próximo Vaca Amarela seja extremamente simbólico por isso –da Fósforo encorpar, ganhar músculos e se tornar a interface entre o cooperativismo cubista e o corporativismo monstruoso, fazendo com que o melhor dos dois mundos possa gerar frutos e as divergências possam ser minoradas e bem vividas. Os “Fósquis” já mostram essa capacidade quando conseguem interagir com os dois grupos de forma harmônica e inteligente, sendo apoio para ambos e sendo linha de frente em outras inúmeras iniciativas; e grande parte da força da Fósforo reside nessa interdisciplinaridade que possuem dentro da própria equipe, que favorece o contato com os diferentes e os assemelhados. E que inclusive acaba regendo a dinâmica entre os três grupos, que alternam o protagonismo a cada necessidade surgida. Adaptação e sobrevivência, essa é uma regra da natureza.
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Enfim, a fala do Capilé deixou clara a necessidade de planejamento, organização e conseqüente controle dos resultados alcançados, e fez isso com generosidade ao embarcar na sua fala todos os outros representantes musicais presentes. A tarde corria prazerosa e Capilé já tinha estourado o tempo (como normalmente acontece) e ninguém dava mostras de querer parar de ouvir, mas a organização tinha horários a cumprir e encaminhou as conclusões e os sorteios generosos de brindes. Logo depois teríamos o lançamento do Projeto Brasil Central Music com a presença de políticos e representantes das instituições governamentais, e para isso a sala precisaria ser reorganizada.
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Estávamos ali, durante o intervalo, numa prosa agradável, gente de banda, gente de música, gente de arte, ainda digerindo tanta informação recebida (em altíssima qualidade) e eu via as oportunidades que surgiam. A cada sujeito de terno que entrava, entrava junto a possibilidade de um contato, da busca por apoio, porque em vários momentos das falas foi mostrada a importância de se valer do poder público para turbinar a iniciativa rocker.
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Não se trata em momento nenhum, como foi ingenuamente dito num orkut da vida (onde mais se lêem asneiras assim hoje em dia? Talvez em blogs como esse aqui! hahahahahaha), de buscar “favor” de políticos. Eu não peço favor nenhum a um prefeito ou governador ou vereador, eu pago impostos elevados sobre minha produção profissional, sobre minha renda, sobre meu apartamento, sobre meu carro, e por esses impostos não tenho direito a favores, tenho direito a contra-partida. Eu pago imposto, o poder público me deve, simples assim. E quem fica na ideologia de querer ser cidadão de terceira, achando que isso é charmoso, realmente perdeu o trem da história em 66, como diria o Belchior. Principalmente quem produz, e que para produzir precisa de investimento, especialmente esses precisam se organizar e ir cobrar do poder público tudo que geram de renda, de trabalho, de entretenimento sadio, de lazer para a população, porque essa contra-partida é o direito de cada um desses. Não se valer desses recursos não vai fazer os tais recursos desaparecerem, alguém vai usar. Então é melhor que seja a nossa tribo a se valer disso.
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Fingir que não se depende de políticas públicas é muita hipocrisia, é fingir que não é parte da estrutura, é querer alimentar um sonho idílico de alheamento que não tem mais lugar atualmente. Cada evento feito, cada lançamento realizado, cada idéia que voa, tudo isso é parte de uma estrutura muito maior que não me permite nem aceita o distanciamento.
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A não ser quando eu finalmente realizar meu sonho e ir para Arembepe viver na praia, mas talvez nem lá. As iniciativas mostradas no Rumos apontam para uma coisa que sempre acreditei (e não sou o dono da idéia – nem da verdade – sou apenas um entusiasta dela), que para podermos alterar e gerar alguma mudança nesse sistema, podemos e até precisamos usar as armas e ferramentas do sistema. Quando um cara porreta feito o Alemberg me fala do que foi criado no Ceará buscando o apoio da iniciativa privada, quando um loki como o Capilé me mostra o aumento gigantesco e brutal do investimento do governo na cultura graças aos esforços dos Cubos e outras entidades, quando eu vejo o frito Richard se organizando para um evento único na cidade (A Semana do Rock Independente), quando fico sabendo da besta-fera Márcio Jr. convidando Íris Rezende (prefeito de GoiâniaTown, evangélico e caretíssimo) a ir ao Bananada de camiseta preta, eu me convenço ainda mais que realmente existe muita gente que sabe trabalhar, levar a sério o que faz e valorizar cada centavo que o público deposita nas iniciativas. E isso sem perder a paixão pelo que faz e acredita; e sem deixar de se divertir. Como disse o Alemberg, “fazer esse projeto foi viver minha infância pela segunda vez”. Isso não tem preço.
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Terça-feira foi um dia legal, porque me alimentou novamente da esperança de estar junto de gente séria, dedicada e ainda assim divertida no que faz e no que vive. Foi hilária a constatação do Pedro Reator sobre o bigodinho do Capilé: “Dadinho é o caralho, meu nome é Capilé!”, porque ele tava a cara do Zé Pequeno de “Cidade de Deus”. E esse personagem cinematográfico apontou uma coisa que discutíamos – Pablo Kossa e eu – uma vez no hotel, lá em Cuiabá mesmo durante o Calango; rock é coisa de classe média, de playboy mesmo. Gente como o Fred 04 ou o Canibal do Alto José do Pinho que construíam suas próprias guitarras por não ter grana pra comprar nem uma Tonante são as exceções; a grande maioria é de condição, que come seu sucrilho com Toddynho enriquecido de vitaminas; que vai para bons colégios (eu ia dizer “estuda”, mas isso não posso garantir), e que justamente por tudo isso possuem acesso a muita informação, muita leitura, muita net (muitos não saem do orkut, nem durante expediente). Esses “playboys”, mesmo não aceitando sua condição, deveriam se valer dessa situação para gerar mudanças reais, favorecer melhores condições de acesso à arte, participar de políticas públicas de incentivo à cultura, ser enfim um sujeito que participa efetivamente, e não somente que fica distribuindo panfletos através de discursos ocos.
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E Capilé ainda mencionou meu texto na sexta edição da Decibélica, e novamente num momento de sincronicidade impressionante, porque Pedro e eu falamos isso antes: E agora? Ou seja, somos GoiâniaRockCity, temos milhões de bandas, temos selos, temos festivais, mas e qual é o próximo passo? Por problemas de personalidade eu sou extremamente paranóico, do tipo “quanto tudo está indo bem, uma facada nas costas” mesmo; e sempre fico pensando no que precisa ser feito além. Então chegamos até aqui, mas e agora para onde vamos? Essa é uma discussão que Capilé se poupou de levantar devido ao tempo limitado, mas que precisa ser pensada, porque se sentarmos nos louros da vitória, teremos a bunda espetada. Louros são folhas muito duras.
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Trabalho, esforço, diversão, risadas, apoio, ajuda, tudo isso reunido num fim de tarde de terça-feira. Fui embora antes do coquetel porque tinha ensaio (SANGUE SECO toca no Bananada na sexta-feira, dia 18, às 21:30, só para lembrar ao público leitor. rs), e também porque já estava satisfeito demais, não seria um copo de cerveja ou uma coxinha que faria minha noite ficar melhor.
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Só lamentei não encontrar Nobre e Capilé depois, como tínhamos combinado. Na hora que saí do ensaio e passei no Bar do Kuka não os vi por lá, o que foi chato porque ainda queria conversar muito com esse cuiabano doido. Ao fim e ao cabo fica para mim uma frase dita no fim da fala do Pablo: “Hoje em dia tem muita gente falando sem ter o que dizer!”.
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Puxa, como tem, irmão cuiabano, como tem. Mas o futuro é vórtex, e ainda temos muita gente com conteúdo pra expor e pra construir uma nova história. Aquela terça-feira me provou isso, novamente.
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Parabéns às organizações envolvidas pela belíssima iniciativa. Abaixo segue um trecho de divulgação do projeto Rumos, que pode servir de ajuda e caminho para muita gente que quer divulgar seu trabalho e ainda não conseguiu um canal. Os meios existem, isso é um fato.
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No Sebrae, quando prestei serviços lá, se falava muito uma frase clássica em treinamentos neoliberais: “Tem gente que vê abelha e fala: lá vai a abelha que ferroa. Tem gente que vê abelha e diz: Lá vai a abelha que produz mel. Ambos estão certos, mas um está errado.”
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Pessoal, os meios existem...
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Sobre o RUMOS ITAÚ CULTURAL MÚSICA, edição 2007- 2009
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O programa Rumos Música - que completa 10 anos de atividades - tem o objetivo de mapear novos talentos, contribuir para articulações nacionais de agentes culturais, premiar e dar visibilidade nacional aos trabalhos musicais de artistas novos ou que já tenham trabalhos consolidados e que ainda não tiveram reconhecimento nacional da sua produção.
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Os artistas e grupos contemplados pelo edital Rumos Música também farão espetáculos produzidos pelo Itaú Cultural, e as apresentações serão gravadas em áudio e vídeo digital para serem distribuídas em DVD a emissoras de televisão no Brasil e exterior, além de seus currículos e contatos serem disponibilizados em inglês, francês e espanhol no site da instituição.
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Todas as informações do edital do programa Rumos Música: inscrições, abrangência, formas de envios de trabalhos e prazo de inscrição podem ser obtidas no site www.itaucultural.org.br/rumos2007
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Há braços!
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
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2 comentários:

Anônimo disse...

Eduardo, é discutível pra carai que a frase "o artista tem de ir onde o povo está" ficou gasta e velha. Como é discutível que uma orquestra na periferia quer dizer improviso e amadorismo. Depende de quem produz. O Goiânia em Cena 2004, me parece, levou o povo pro teatro, e foi uma lástima.
No meio de um estupro, momento mais dramático da peça, acho que do Hugo Rodas, os participantes da "inclusão teatral" começaram a rir, vaiar, gritar, como se estivessem vendo uma cena de sexo de fime pornô.
Antes de "levar o povo onde o teatro está", é preciso que se explique ao "povo", essa figura cada dia mais abstrata, o que é teatro, pra que serve, o que é peça, pra que serve, etc, etc, etc.
Tenho 300 exemplos pra te dar, discordando desse cara que palestrou no Rumos.
Mas o espaço aqui é pequeno e eu num vou falar. Depois, tete a tete, nóis se fala.
Carlos Brandão

Anônimo disse...

Bacaníssimo, Eduardo! Só uma questão aponto aqui... As propostas de formação de comissões só revelam um pragmatismo de produção... foi um método que encontramos para fazer as coisas de fato funcionarem coletivamente. Aliás, não só nós, mas partidos políticos, e outras instâncias públicas. Até mesmos nos ambiente corporativos, os departamentos são a tradução dessa fórmula. Enfim, algum método de trabalho tem que ser adotado quando há muitos em torno de um projeto. Há braços sempre.