quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Precisamos de novas bandeiras! Agora. Parte 1


São novos tempos o que vivemos, isso é inegável e o calendário prova: agora é 2007. E se de tudo que vimos no ano passado pudemos aprender e apreender algo é que o rock independente está se fortalecendo, vai se consolidar (continuando os bons esforços de todos os brigões teimosos do país) e conseguir sustentar-se de pé. Excelente. E aí eu recebi hoje uma série de mensagens do Sidney Filho, figura das palavras lá de Belém do Pará, e vi que outras bandeiras precisam ser erguidas dentro em breve.
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Para apresentar tudo isso resolvi repostar um texto antigo, sobre bundices e desbundes e sobre minha decepção com a cabeça da maioria que frequenta e consome o rock. Ontem ainda tive o desprazer de ler uma discussão orkutiana em que um moleque acéfalo (pobrezinho, ninguém nasce estúpido daquele tanto) insinuava que a população carcerária americana é predominantemente negra exclusivamente por causa da cor da pele. Isso para depois afirmar que 83% da população brasileira é analfabeta, imagino que ele incluso, certo?
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Enfim... na sequência vai uma digressão sobre o tema, depois o texto sobre a bundice do rock e depois a matéria do Diário do Pará revelando outra pouca vergonha de políticos desse país.
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Digo sobre a digressão do tema porque já vejo a necessidade dessas novas bandeiras surgindo no ar, e aí pergunto: Quem vai ser o primeiro vereador ou deputado Fora do Eixo eleito nesse país? Quando vamos começar a nos preocupar com a representatividade política de nosso movimento rock independente? Ou vamos continuar gritando apenas em blogs e festivais? Quem vai sair de nossas linhas e envergar a armadura pra brigar o jogo do demônio, que é a política? Quem vai sair no tiroteio, correndo o risco de ser atacado por amigos e por rivais? Alguma hora isso vai ter que acontecer, não podemos mais fugir dessa necessidade.
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Se queremos ter alguma forma de poder de decisão e influência precisamos de organização, coesão, coerência ideológica, e isso não quer dizer que todo mundo tem que pensar igual, mas que ao menos todos consigam negociar de forma madura e organizada seus anseios, desejos e - porque não - interesses, em prol de algo que todos aqui amamos. O rock independente possui gente suficiente para incluir um representante em qualquer câmara ou assembléia desse país, e o apoio do poder público em várias iniciativas (como no norte, por exemplo) mostra que esse público interessa aos papa-votos. Então já lanço a provocação e indago: quem será o nosso primeiro vereador ou deputado Fora do Eixo? Quem será o vereador / deputado que vai manter um MP3 player em seu gabinete rodando Bang Bang Babies, Vanguart e Maldita? Quem vai vestir seu terno e ir ao plenário com suas tatuagens pulsando e um pin brilhante de uma stratocaster na lapela? Quem vai ser o primeiro sapo a enfrentar as serpentes?
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Estamos num bom momento para começar articulações politizadas visando a eleição de um vereador. Um trabalho bem conduzido, com visitas à escolas, eventos direcionados, mesas de debates regulares e constantes, o apoio de produtores e selos, tudo isso somado a um trabalho bem feito de divulgação "marketeira" mesmo, e chegaremos ao pleito municipal com alguém potencialmente forte para disputar. É uma briga boa e compensará pelos resultados. Foi-se o tempo em que somente por sermos "do rock" tínhamos o rótulo de doidos ou irresponsáveis, e muita gente mostra isso no cotidiano com seu trabalho sério e sua dedicação a uma idéia. A representação política é um passo necessário a um movimento que se quer articulado e forte, pois quando tivermos espalhados pelo país os nossos vereadores e deputados estaduais, aí sim teremos muito mais apoio para a realização da nossas atividades culturais, artísticas, que geram emprego e renda, que geram informação e lazer, que são importantes para a sociedade.
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Nós somos importantes para a sociedade. Seria um pensamento muito tacanho achar que somos menos que qualquer outra categoria, quando nosso único demérito é a desorganização (nesse sentido específico) e a falta de objetivos concretos e comuns. Entre os nossos temos grandes cabeças, gente criativa, brigona, gente com ideais, gente com atitude (entenda como quiser), gente com culhão para topar uma briga dessas, gente sem medo nem vergonha de enfrentar um microfone e falar em nome de um monte.
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Como disse Honestino Guimarães, presidente da UNE desaparecido político na Ditadura Militar, “nós voltaremos e seremos milhões", e muita gente usa isso nas camisetas ou capas de caderno. Vamos viver isso! Vamos ser isso! Não estou romanticamente sugerindo uma revolução armada, porque realmente não acredito nisso, e não vejo méritos em matar por uma idéia. Morrer sim, mas matar realmente não me soa bem. O que estou provocando, propondo é nos metermos no sistema que condenamos, é mergulhar na merda se for necessário para lá criar algo novo e nosso. O que estou propondo, antes de uma revolução, é uma (r)evolução, gerada de dentro pra fora, como uma imagem que sempre apreciei, do feto que no momento do parto se agarra aos lábios (grandes e pequenos) da mãe E A VIRA DO AVESSO!!! Vamos virar do avesso! Vamos dançar com o diabo pra fazer a nossa própria dança.
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Pensem nisso.
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Agora vem o texto; depois a matéria bacanuda sobre um fato vergonhoso:
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Do desbunde pra bundice, que trajetória!
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Estava revendo “Quase famosos” dia desses. E me veio aquela velha sensação que sempre tenho quando vejo filmes que retratam os “flash and crash days” que foram o final dos anos sessenta até o meio dos anos setenta: a vontade de ter vivido aqueles tempos. Isso porque tendo nascido no início dos anos 70 (em 1970, pra ser exatíssimo) eu vivi uma situação chata, porque quando cheguei “na festa”, ou seja, quando comecei a descobrir todas as tentações que podem assaltar um adolescente cheio de hormônios e desejos, a festa estava começando a abaixar o som.
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Digo isso porque quando eu achei que ia “espocar a cilibina”, como diria o Glauco, a maioria dos grandes artistas mundiais estava morta ou morrendo por causa dos excessos químicos, fosse álcool ou drogas ilícitas. Quando eu achava que ia “comer” o mundo inteiro, a AIDS estava surgindo ameaçadora e cruel, obrigando o mundo a se comportar ou usar preservativos desconfortáveis e brochantes, isso porque preservativos ainda soavam como algo anti-natural naqueles tempos. Então para quem é de uma geração ou duas depois da minha, é natural usar preservativos, porque praticamente nasceram usando; e as drogas já não assustam tanto assim mais, mas eu sou de uma geração que foi ameaçada, e ou se lançava de forma corajosa/amalucada nas experiências ou se recolhia à sua covardia pequeno-burguesa e seguia a vida sem extremos.
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E aí quando eu vejo um filme como “Quase famosos” ou leio um livro como “Mate-me, por favor” eu fico pensando como devia ser louco não ter medo de nada, lançar-se na vida com desesperada sede, experimentar tudo, viver tudo, assumir tudo que se pensasse, envolver-se em grandes causas e movimentações, perseguir o sonho kerouakiano e poder explodir em chamas sem receio. Assim eu sempre imaginei que fosse o ambiente rocker, com seus exageros vivenciais e ideológicos, mas me decepcionei quando finalmente pude provar o que é estar no meio rock´n roll.
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Não porque os exageros químicos não existam, até existem ainda em enorme quantidade. Claro que já não possuem tanto apelo para mim, pois já passei da hora de começar uma vida junkie, e me limito a ser um “bêbado trincado”, como me chama o Beto. As outras drogas não me chamam mais a atenção.
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A decepção vem da escassez ideológica do meio rocker. Escassez não define, a aridez é um termo mais preciso. Ao que parece o rock passou do desbunde sessentista para uma bundice no novo século, uma apatia, uma ausência de posicionamento e provocação, uma ida de um extremo ao outro sem freio nem pausa. Ao que parece o rock tornou-se tão somente uma opção de se afastar das questões e viver num hedonismo autista, mais que mergulhar nessas questões e buscar a dialética e a contradição, que eram combustível para grandes movimentações, discursos, posicionamentos e atitudes.
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“O rock errou”, Lobão disse uma vez. Talvez seja isso então, o erro foi tentar mostrar uma cara politizada e ativista, quando na verdade tudo era somente festa e exagero. O erro foi me fazer acreditar que o rock fosse um canal de expressão do que pensamos e queremos para o mundo e para o ser humano, quando na verdade então o rock é somente um canal de expressão individualizada e egoísta. E quem quiser buscar algo de melhor pro mundo que monte uma ONG antes de uma banda. Será isso?
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Dia desses numa discussão orkutiana um famoso participante reclamava que sempre que termos como “anarquismo, comunismo” e outros assemelhados surgiam na discussão, o povo reclamava, como se algo proibido estivesse sendo abordado, e brotam argumentos como “política é uma coisa chata” e coisas do tipo. Então fica a impressão de que os roqueiros de hoje são realmente os cabeças de vento que meus avós acreditavam. Isso me apavora, será que a visão radical, tradicionalista e conservadora, que por muito tempo foi alimentada por aqueles que sentiram o rock como um ato de guerra, será a certa? Será que eles afinal estavam com a razão?Isso seria muito decepcionante. Prefiro acreditar que estamos vivendo uma fase letárgica, em que a reação será violenta e destruidora; prefiro acreditar que essa é uma transição em que os ressentimentos e rancores se acumulam e se potencializam. Prefiro acreditar então que a qualquer momento algo vai ensurdecer a patuléia que quer circo, e o grito vai se tornar único, forte, coeso, íntegro, e aí então vergonha vai ser não escolher um lado, ser radical e ter atitude (e esse termo finalmente vai fazer sentido).
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Prefiro acreditar que meus avós estavam realmente errados, e que o rock é um lugar para cabeças pensantes, com idéias e ideologias, com posturas e que aceitam correr o risco por isso. Melhor que o rock seja o lugar em que as pessoas vão para ser sacrificadas e não para ser incensadas e louvadas. Melhor que sejamos os demônios ameaçadores em tudo que dizemos e acreditamos e não santos ocos, patéticos e inofensivos, mergulhados apenas em viagens químicas e negação.
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Melhor que sejamos quase famosos, e não unanimidades inquestionáveis. Ou então que alguém nos mate, por favor.
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Há braços!
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
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