sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Documentos formais não precisam ser formais

Sabes o que é um “rider”? Não é aquela sandália que dava férias pros pés, esquece isso. Um “rider” é um documento que acompanha o contrato quando você contrata um artista, seja uma banda, um músico, um ator ou alguém que saiu do BigBrother.
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O “rider” explica tudo que o contrato não deixou claro, e muitas vezes até assume o papel de documento de contratação. Nele surgem explicações sobre o transporte dos artistas, a alimentação, o palco, equipamentos e o que vai estar disposto no camarim para a criatura que vai fazer o show.
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Ou seja, é um papel e papel aceita tudo, então o artista faz as exigências e coloca seus pedidos, o produtor de eventos negocia e chegam todos a um meio termo justo e racional.
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Existem modelos e formas de se fazer isso, mas tem gente que leva isso ao estado de arte. Iggy Pop por exemplo. Vejam abaixo – em tradução livre e irresponsável – trechos retirados de um rider enviado pela produção do iguana que contempla em DEZOITO páginas todos os detalhes à respeito da produção do show. É hilário! Aparentemente escrito pelo roadie da banda, o frito Jos Grain.
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“Aparentemente estaremos na sua área, tocando em um concerto, e você vai proporcionar os equipamentos básicos. Bão demais! Está sentado confortavelmente? Então vou começar...”
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“3 Amplificadores Marshall JCM 800 100 watts – que tenham sido testados recentemente. E quando eu digo “recentemente”, eu não quero dizer “em algum momento nas três semanas que antecederam a ocasião em que caíram 5 metros do topo do galpão em que estávamos pendurando-o, depois que ele veio daquele evento da Xavasca Palhaça Inane onde eles tiveram a Competição de Mijar no Amplificador Marshall (se ele fez fumaça e faíscas saíram, e você ainda está vivo depois disso, nós te daremos uma garrafa de cerveja. E um passeio no skate da banda. E alguma maquiagem de palhaço). E o som que ele fez ao bater no concreto!! Bad-oi-oi-oi-oing!! Como nós rimos!!”
Não! Eu quero dizer recentemente. Dentro do período de uma memória. Preferencialmente a memória de um peixe dourado.”
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“1 kit de peles de bateria com pedaços de fita adesiva amarela pregados, e a palavra “FRENTE” em caneta marca-texto em um lado. Vamos chamar este de lado da frente. Ah não, eu me confundi todo.”
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“Nós precisaremos de um homem no monitor que fale bom inglês e que não tenha medo de morrer. (Só brincando... será?)”
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E aí depois de uma longa história sobre um show em Santiago de Compostela, ele explica sobre a necessidade do homem do monitor.:
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“Enfim, onde eu estava? Ah sim... nós não temos o nosso próprio homem do monitor, porque no futuro os robôs trabalharão para nós e farão do mundo um lugar melhor.”
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“Nas próximas páginas você encontrará o mapa de palco e uma lista. Não é excitante?? Eu aposto que agora você está super feliz de ter escolhido essa carreira no mercado de produção musical...”
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“Nós tínhamos um designer para a luz uma vez, mas ele enlouqueceu então atiramos nele. Foi a coisa mais linda. Agora ele é uma forma diferente de luz, um dos pequenos gobos de Deus no Dimmer do Paraíso.”
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E então ele reclama como um fanático do uso desmedido e exagerado das luzes. Sobre fumaça, eis o comentário:
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“Sobre a fumaça, se você puder guardá-la para mandar mensagens para povos das tribos indígenas norte-americanas, eu, Grande Chefe Detonador de Bateria, serei muito feliz.”
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E novamente reclamando do uso exagerado das luzes, principalmente nos olhos do cantor – Iggy:
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“Algumas vezes fazemos shows em que o designer de luz (operador pra nós) tenta sutilmente ligar os spots no meio do show. Infelizmente, se isso acontecer, será minha incumbência achar o operador depois do show e devorar a família dele toda.”
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E sobre câmera-men invadindo o palco com seus “cabo-men”, a explicação é clara:
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“Ninguém vai ganhar um Oscar para cameramen. Não é necessário e é horrível. Ah sim, e Iggy ADORA quebrar câmeras, então realmente o melhor é não chegar muito perto dele. Claro, eu estarei próximo para tentar evitar que ele destrua seu equipamento, infelizmente, só existe uma pessoa que eu possa me lembrar que gosta mais de quebrar câmeras que ele, e SOU EU.”
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No camarim:
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“Um pacote de cartas de baralho para pôquer. Para mim. No caso de eu querer fazer alguns truques com cartas. Ou no caso de alguma das namoradas dos caras da banda curtir um joguinho rápido de strip pôquer enquanto a banda toca.”
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“Um pouco de gengibre, mel, limões e uma faca afiada, para que possamos fazer chá de gengibre, mel e limões. Deus sabe porque. E um pouco de pólvora chinesa. Para que possamos explodir o camarim. Isso é uma piada, a propósito. Que bom que isso não é um aeroporto...”
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“Um jornal de língua inglesa como o New York Times, o Miami Herald. Ou o Guardian (o meu favorito). Ou uma cópia do USA Today que tenha alguma história sobre pessoas morbidamente obesas. Muito divertido!”
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“1 caixa de garrafas de boa cerveja Premium. Você decide qual. Mas lembre-se, eu posso lhe pedir para experimentar uma garrafa, então compre algo que presta!! Aqui uma dica – a marca provavelmente não vai começar com a letra “B” e terminar com “udweiser”.”
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“6 garrafas de cerveja sem álcool. O saxofonista gosta de misturar isso com o whisky dele. E com vodka. E com outra cerveja, provavelmente. Isso caracteriza um problema de bebida?”
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“Couve flor e brócolis. Corte em pedaços pequenos e jogue imediatamente no lixo!! Eu odeio aquela merda!”
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“10 pacotes de cigarro Espírito Americano. Atualmente eu sei que a não ser que você viva nos EUA você não vai encontrar desses. Mas eles são fantásticos! São feitos de puro tabaco orgânico sem nenhum aditivo. Isso é brilhante, não é mesmo? Eles devem ser muito bons para você. De fato, que se foda, eu vou voltar a fumar de novo. Pela minha saúde.”
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“E eu acho que é só isso. Aah, não, esperai. Uma moto BMW K1200 RS SE. Azul e prateada é a mais linda. Bem, não custa tentar, né?”
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E ao final do rider, do suposto documento, o maluco que assina com o nome de Jos Grain oferece uma “receita” de reality show, em que apreciadores de cachorro teriam que comer cachorros – da sua marca favorita – para poder ganhar o show. Completamente doido! E isso num documento formal – ou qualquer coisa perto disso – usado para concluir uma negociação de show. Bom viver em um mundo onde seriedade não precisa ser idêntica a falta de bom humor.
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Há braços!
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com
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