quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Sobre inFernet, cuervos & janelas sujas


MySpaces, Tramas, Orkuts, MSNs e www’s são hoje algumas das mais poderosas ferramentas de divulgação para bandas de rock independente do mundo inteiro, que se valem desses recursos para agendar shows, mostrar suas músicas, estreitar contatos e mostrar a cara para um público sempre ávido por novidades e qualidades.

Mas como tudo na vida, existe um lado ruim disso, e até já abordei uma vez uma das facetas desse problema. Vivemos épocas em que a privacidade tornou-se um conceito melífluo, épocas em que as pessoas julgam-se próximas, amigas, conhecidas e outros relacionamentos falsamente criados e alimentados por bits, por anonimato e por distância. Uma vez que o sujeito entra na lista de “amigos” orkutianos, já se sente no direito de dar palpite, conselho, avisar de perigos gigantescos (“O orkut vai ser pago se você não mandar essa mensagem pra sete virgens” ou “Vai ficar verde e amarelo quando você pular num pé só gritando meu nome” e outras asnices) pedir dinheiro emprestado ou mandar piada sem graça (como aquela de que se conheceram no presídio e que o cara foi violentado... putz!). E aí aquele sujeito que você trocou algumas frases num tópico qualquer te encontra num show ou na rua e já te cumprimenta como se fosse um primo seu que foi separado da família pelo terremoto. Cheio de saudade e carinho! Loki, não?

Quem tem banda já deve ter passado por isso: você está assistindo um show, tranqüilo, bebericando sua cervejota, e aí surgido das trevas aparece alguém para conversar com você, com extrema intimidade, usando apelidos íntimos (“E aí, cabeção!”) e tapas nas costas; e tudo que você consegue pensar é “Quem é esse maluco, meudeusdocéu?”. O cara viu um show da tua banda, achou legal e por isso se sente próximo, amigo ou coisa parecida. Imagina então se você fosse o Flausino, o Camelo ou o Chorão? Ser famoso não deve ser assim tão divertido, porque você se torna público, de domínio público, de usufruto público, e se você se limita a não ser assim tão “consumível”, então você é metido, arrogante, estrela e outros palavrões generosos.

E isso é reforçado porque, como disse o grande Nobre (“grande” pode ter duplo sentido nesse caso. rs) nós “abrimos nossos corações” nas instâncias virtuais que participamos, quando nos posicionamos nas discussões, quando explicamos nossos pontos de vista, e nessa abertura criamos corvos.

“Cría cuervos y te sacarán los ojos”, diz o ditado espanhol, que se traduzirmos livremente seria algo perto de “crie corvos e eles te arrancarão os olhos”, para mostrar que muitas vezes nós mesmos criamos os nossos algozes e carrascos. Quando em uma discussão virtual, dirigimos a palavra a alguém, podemos estar abrindo a guarda a algum maluco qualquer, fake ou anônimo (o que é pior ainda) que se esconde por trás da tela para proferir seus vaticínios. Quando batalhamos para expor nossas bandas ou nossos selos ou nossos escritos ou nossos zines virtuais ou o que quer que seja, quando mostramos a cara enfim, estamos nos destacando na multidão silente, e isso tem seu preço.

Porque aí os “cuervos” mostram saber de nossas vidas muito mais que nós mesmos. Detectam nossas canalhices, nossos vícios, nossos hábitos, nossas estratégias de marketing (as boas e as – quase sempre – ruins), nossos preconceitos e com isso fazem o nosso diagnóstico e o divulgam. Sem ter nunca conversado diretamente com o “diagnosticado” ou sem sequer querer saber o que realmente aconteceu em fatos e eventos os mais diversos. Em tempos de jornalismo gonzo tínhamos mais dignidade nos comentários, pois a criatura comentadora tinha que viver, experimentar, saber realmente para poder falar. Mas vivemos épocas de jornalismo Google, em que juntando pedaços de informação já se tem a verdade absoluta. E Ai de quem quiser contestar essa verdade googólica.

Exemplos existem aos montes dessa sandice generalizada. Eu já levei pedrada de gente que nunca conversou comigo ou sequer mandou um e-mail para perguntar ou confirmar meus pontos de vista. Segundo (da TwoBeersOrNotToBeers, selo daqui de GoiâniaTown) encontrou uma nêmesis brasiliense que o acusa dos mais diversos pecados sem – até onde eu sei – nunca ter discutido nenhuma idéia com ele por cinco minutos que fosse. As bandas Rockefellers e Violins atravessaram suas crises recentemente – com desfechos distintos – e descobriram atônitos que muitos entendem mais de suas vidas que eles próprios. Los cuervos, irmanitos, los cuervos!

Nesse último exemplo – das duas bandas – foi interessante perceber o tanto de explicações que surgiram para os problemas INTERNOS (em maiúscula, negrito, sublinhado e itálico, para devido destaque desse detalhe) que as bandas atravessaram, desde o argumento batido e babaca de que eram óbvias táticas marqueteiras para chamar público aos futuros shows (como se essas bandas precisassem disso) até mesmo interpretações sobre ex-membros enciumados que poderiam ter feito voodoo para despencar urucubacas nas cabeças das bandas como se fossem a própria mão de Deus.

Lembro de uma historinha que ouvi uma vez. Um casal que um dia em sua cozinha tomando café da manhã, viu sua nova vizinha colocando os lençóis no varal para secar. A mulher olha para os lençóis sendo esticados e decreta:

- Essa nova vizinha é muito porcalhona. Olha lá que lençóis mais imundos! Estão sujos demais. Nem parece que foram lavados.

O sujeito ouve sua mulher, toma seu café, calado, e logo após segue para o trabalho.

Dias depois a cena se repete. A vizinha estende seus lençóis recém lavados em seu varal, e a mulher irritada com o desleixo da vizinha, urra a verdade absoluta espumando os cantos da boca:

- Essa mulher não sabe lavar roupa. Definitivamente. Olha a sujeira daqueles lençóis. Porca!!

O sujeito engole um último gole de café com adoçante e vai embora para sua rotina.

Dias depois, durante outro café da manhã, a mulher ao ver a vizinha colocar os lençóis no varal, se surpreende:

- Veja só. Os lençóis estão limpos hoje. E eu nem fui lá ensinar a lambona a lavar roupa. O que será que ela fez de diferente?

O sujeito-marido responde com calma e prazer:

- Ela não fez nada de diferente. Eu que acordei mais cedo e lavei as nossas janelas.

Por causa da aparente proximidade proporcionada pela inFernet existe muita gente de janela suja criticando roupa lavada do outro. Olhando, diagnosticando e criticando problemas de outros, sem realizar uma devida análise dos seus próprios problemas. Fácil falar do quintal do vizinho, não é verdade?

Como estou na inFernet, também vou me arvorar o direito abusado de dar conselho. “Cuervos” famintos, querem saber o que fazer? Olhem antes para os próprios umbigos inflamados, antes de apontar os problemas dos outros.

Ou melhor ainda: Arrumem uma vida!



Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com

3 comentários:

Anônimo disse...

Então! Gostei bastante!
O texto muito bom, as expresões, a arrumação também tá legal! Com o tempo vcvai colocando mais uma coisinha aqi, outra coisinha ali, e assim vai!
Minha prai na verdade é flog, pq eu sou apaixonada por fotografia!

Beijos
ChaCal

Anônimo disse...

Mais uma vez fiquei surpresa com sua habilidade com as palavras.
Parabéns! O texto é ótimo!

Anônimo disse...

Caracas meu caro, vô visitar isso aki sempre... hehe
muito divertido...