terça-feira, 8 de agosto de 2006

Reclamação Rock City

Reclamação Rock City

Imagina o diálogo:

- Vai ter segurança na porta do Martim? – pergunta um pagante cliente de festivais.
- Opa! Vai ter demais. – responde um organizador de festivais.
- Humpf! Aposto que vai ficar vigiando o público e dando flagra em maconheiro. – argumenta o citado cliente.
- Não. Eles não têm autoridade para flagrar ninguém. Não são polícia. – explica o legalista organizador.
- Pode ser. Porque vigiar carro que é bom, não faz. Sempre tem carro roubado lá na porta. – insiste o preocupado cliente proprietário de um veículo financiado em suadas prestações.
- Eles vão ser orientados para vigiar os carros. É para isso que eles vão estar lá. – presta esclarecimento o organizador marketeiro que quer agradar seu público pagante.
- Quero ver. Vai ter um cara na porta, e os carros que vão estar mais longe ficam nas mãos de Deus. – argumenta o frustrado e já roubado algumas vezes cliente.
- Vamos ter duas equipes táticas, três agrupamentos K9 com pitbulls assassinos, dois helicópteros e um Urutu em cada saída da praça. Todos os carros do Setor Sul estarão protegidos. – informa orgulhoso o exagerado produtor de eventos.
- Esse povo é preconceituoso. Vão vigiar só os carros de mulher, porque pra eles homem cabeludo é tudo maricas. – desafia o cliente que possui cabelos longos e já foi maltratado pelos oficiais da lei.
- De jeito nenhum, teremos policiais homens, mulheres e transexuais. De forma que todos os gêneros e orientações sexuais poderão ser abordados de forma polida, civilizada e digna. – acrescenta o já cansado produtor do festival.
- Mas vão priorizar os carros novos, bonitos e deixar de lado os carros populares e mal lavados. – se defende o cliente proprietário de um Uno financiado (como já foi dito) e sujo.
- De forma nenhuma. Todos os seguranças foram treinados com as mais refinadas técnicas de neurolinguística e princípios de cidadania e igualdade entre os homens, visando oferecer o mesmo tratamento aos Audis e aos Fuscas. – orienta o produtor de eventos, também proprietário de um Uno financiado e com a pintura arranhada na porta esquerda.
- Nhé. Esse tanto de seguranças vai acabar dando briga. Ainda bem que eu não vou mesmo nesse festival, porque eu vou viajar pra fazenda da minha vó em Doverlândia.

E nessa hora o organizador do festival volta a se perguntar porque diabos ele se meteu a produzir eventos, pagando impostos e buscando qualidade para seu público ao invés de ser bancário como seu primo que bebe durante o expediente, bate na mulher e sonega o imposto de renda; mas que não precisa agüentar metade disso porque quando termina o expediente bancário na sexta feira ele bate a gaveta, não atende mais ninguém e vai procurar a diferença do caixa. E tem FGTS, 13º salário, férias remuneradas e sindicato forte.


E tem outro diálogo:

- Quem vai vir tocar no festival? – indaga o cliente ávido por informações.
- Esse ano estamos realizando uma votação pela inFernet, com participação do público para escolher as atrações principais do festival. – informa o produtor de eventos atualizado com as novidades tecnológicas.
- Então tem banda que vai ficar o dia inteiro votando nela mesma para tocar no festival. – já se acautela o dileto cliente, preocupado com a lisura do pleito.
- De jeito nenhum. A votação virtual será monitora pelos sistemas cibernéticos da Cyberdine (nota do culpado pelo texto: Quem se lembra da Cyberdine?) com registro mecatrônico do IP do computador acessado. – esclarece o produtor de eventos com MBA Executivo em Gestão de redes e sistemas de telemetria para Fórmula 1.
- Então tá. Quem vai ganhar é a banda formada por vagabundos, que não estudam nem trabalham e que vão ficar rodando todas as Lans houses da cidade votando. – diz o prevenido e desconfiado cliente, antenado com as diversas situações de emprego e dedicação aos estudos da sociedade.
- De forma nenhuma, porque esse sistema telemilático cibernético possui um sistema de identificação de impressões digitais, bem como de rastreamento de formas de digitação, detectando pressão nas teclas, teclas mais utilizadas e posição das mãos. Tudo isso permite a segurança de que cada pessoa poderá votar somente uma vez em toda a história do evento. – adianta-se temporalmente o produtor de eventos.
- Essa história de digitais pode ser fraudada por esses maloqueiros que tem banda de rock. – o um-tanto-quanto-preconceituoso cliente contra-ataca.
- Com certeza não, porque a identificação das digitais é realizada com mapeamento de DNA e comparação de referências e contra-referências além das referências cruzadas com contagem viral e cromossômica. – diverte-se ao usar palavras tão grandes na sua resposta, o tecnológico produtor de eventos.
- Mas aí só bandas que tem acesso a computador que vão conseguir votos. – preocupa-se o cliente, lembrando das bandas em bairros periféricos e que ainda não contam com sistema de energia elétrica, bem como outras benfeitorias públicas.
- A curadoria do festival vai disponibilizar quiosques com computadores de última geração em diversos locais do estado, bem como unidades móveis com laptops conectados em sistema wireless por todas as zonas rurais (até mesmo em Doverlândia), e instrutores de informática treinados pelo Senac e pelo Sebrae e pela DataControl para orientar o público votante que não tiver familiaridade com informática. – orienta o já entediado produtor do maldito festival.
- Esses computadores serão viciados, direcionando o voto para quem a curadoria desejar. Pensa que eu não sei como funcionam as urnas eletrônicas?? A treta é a mesma. – desabafa o eleitor-cliente, já frustrado por anos de falcatruas eleitorais.
- Nunca! Todos os computadores utilizados serão auditados pela Price-whiterhouse-Coopers, bem como pela Fundação Jimmy Carter (que vai ajudar o Anthony “anti-cristo” Garotinho a fiscalizar as eleições no país), pelo Conselho de Segurança da ONU e por um emissário do Papa.
- Vai acabar sendo as mesmas bandas de sempre então. Já vi tudo. – expressa com um muxoxo o cliente enfastiado.
- Impossível! O festival vai prezar pela inovação e por apresentar atrações que nunca vieram no país, algumas delas nunca vieram nesse mundo, sendo compostas por almas-penadas e extra-terrestres. – urra o produtor da desgraça do festival de merda.
- Então não vai ter nada que já conheça. Ainda bem que eu não vou nesse festival, porque vou lá pra...
- PRA PÔRRA DA FAZENDA DA DESGRAÇADA DA SUA VÓ!!!! APROVEITA E MORRE POR LÁ!!!

Isso poderia ser um diálogo entre um interessado cliente, público pagante de festivais e um esforçado produtor de eventos, seja ele independente-mainstream, independente-independente ou independente-tosco.
Poderia? Tirando todos os caricatos exageros do texto, isso é o que vemos sempre que se aproxima algum festival, em qualquer comunidade de rockeiros independentes do país. O público é exigente, e isso é bom, mas sempre surgem aqueles que exigem, cobram, reclamam, pressionam, sem ter nenhuma base de coerência. Reclamam por querer reclamar.
Parece cínico da minha parte pintar o público-cliente-pagante dessa forma que apresentei acima, porque sempre reclamo de melhores condições e melhores qualidades nos eventos para o esse público-cliente-pagante, principalmente por ver os eventos pelo meu prisma profissional. Mas mesmo eu sendo o “marketeiro demoníaco neoliberal”, eu sempre vi a afirmativa “O Cliente tem sempre razão” com muitas ressalvas.
O cliente tem sempre AS SUAS razões, isso é uma verdade, mas nem todas essas razões existem para ser atendidas e saciadas. Eu costumo dizer para meus clientes de consultoria que se a empresa fizer TUDO o que o cliente deseja, pode se preparar para falir, porque o cliente quer preço baixo, prazo gigante, entrega à domicílio, atendimento 24 horas, massagem nos pés e beijo na boca. E não está errado em querer, porque o desejo não precisa ter limites, principalmente quando o seu dinheiro – prezado cliente-público-pagante que me lê agora – está envolvido.
Mas os organizadores, produtores de eventos precisam lidar com limitações práticas e pragmáticas que muitas vezes inviabilizam atender os desejos de quem paga, e isso é uma limitação que precisa ser explicitada na relação.

“Cliente-público-pagante, a organização do festival não tem condição de bancar groupies de topless se banhando em leite condensado, porque leite condensado é muito caro e iria sujar o teatro. Desculpe a nossa falha!” e a fila anda, como dizem os malditos Downers.

Sabe onde reside o milagre? Na relação que se constrói entre o produtor de eventos e o público. Porque o público está no seu direito quando cobra melhorias, e os organizadores também estão no seu direito quando não atendem a algumas dessas cobranças, mas se a relação é construída com base no melhor que cada um pode oferecer, aí essa relação se sustenta verdadeiramente.
E o que cada um pode oferecer de melhor? Os produtores podem realizar eventos com cuidado e profissionalismo sempre, bandas com shows fuderozzos, bem ensaiados e inovadores, realizados em locais com facilidades de atendimento ao público como bares com poucas filas, instalações em quantidade e qualidade suficiente como banheiros limpos, por exemplo, e divulgação adequada e bem feita.
O público em contrapartida oferece em retorno fidelidade aos eventos realizados, pois tem certeza da qualidade e da diversão oferecida, isso garante rentabilidade nos eventos e longevidade às produtoras e aos selos. O público pode oferecer ainda a tranqüilidade de eventos sem confusão e sem depredação dos locais de shows.
Uma relação construída nessas bases tem muito mais facilidade de prosperar e de fazer uma cena poderosa. Claro que sempre vão existir os que reclamam por reclamar, como os dos exemplos apresentados no texto, mas com o tempo até mesmo isso tende a diminuir, pelo receio de pagar mico, pela vergonha de falar besteira ou por coerência mesmo, porque até mesmo cliente pode ser treinado. E entenda-se que o cliente que precisa ser treinado é aquele que reclama por reclamar, posa de rebeldezinho, agride por agredir, vive no colo da mamma, exige o que não tem lógica e só tumultua a relação produtor-público. Guerrilheirozinhos virtuais.
Para esse cliente reclamão, esse cuervo inconveniente, cabe a sugestão do meu amigo Túlio: procure um tratamento.



P.S. - Antes que alguém reclame da forma como eu apresentei a profissão de bancário, eu esclareço que não acho que seja um mar de rosas e nem a melhor das profissões do mundo. Eu fui bancário por muito tempo e sei que é uma categoria que rala pra caralho, que trabalha como um burro de carga, ganha como um burro de carga (mal demais) e é tratado como um burro de carga. Não é fácil ser bancário. O exemplo só tem o caráter ilustrativo, ok? Melhor explicar logo, porque vai que o neto da velha de Doverlândia resolve falar alguma coisa!


Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Só faltou dizer que os guerrilheirozinhos virtuais se reproduzem como os Gremlins.

E como se diz aqui no interiorrrrr:
"Quer ser do contra ? Planta bananeira e sai andando com os braços".

Abraço fiote.