quarta-feira, 4 de abril de 2007

Se até Chapeuzinho Vermelho mudou...





Qual das duas "Chapeuzinhos Vermelhos" você prefere? A modernex ou a clássica? Na verdade isso não importa, porque gostando ou não elas vão mudar, vão se tornar diferentes e vão refletir o tempo em que existirem. Digo isso por causa da teimosia muar de muita gente de achar que os conceitos são eternos e imutáveis, e o que ontem foi "Chapeuzinho" tem que continuar a vida inteira sendo, simplesmente por causa do desejo de um ou de um grupo.

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Essa é a forma de teimosia mais lamentável que existe, porque nega a realidade inconteste, nega o que o mundo esfrega na nossa cara a todo instante. Mas antes que pareça que eu estou apedrejando todos aqueles que incorrem nesse besteira, deixe-me assumir que eu também faço isso, portanto não posso condenar de forma atabalhoada e impensada.

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E escolhi Chapeuzinho Vermelho por um motivo vivido por mim. Eu cresci ouvindo a história de Chapeuzinho Vermelho que Perrault popularizou, depois Hans Christian Andersen tornou pop e finalmente os Irmãos Grimm tornaram eterna. Nessa história que eu conhecia, a menina vai "pela estrada afora" levar doces para a vovozinha que mora do outro lado da floresta, no caminho encontra um lobo que pergunta aonde ela ia com tanta alegria e tantos doces. A menina - dando trela pra desconhecido, ainda mais um lobo! - explica que é pra velha vó e segue seu rumo. O lobo vai até lá, engole a vovó (sem mastigar) e deita na cama. Aí vem a cena clássica dos olhos grandes, das orelhas grandes e da boca grande que termina com uma bagunça homérica dentro da casa, até a chegada de um lenhador (de onde veio esse sujeito, ninguém sabe) que mata o lobo, abre o bucho dele e tira a vovó limpa e leve de lá de dentro. Todo mundo feliz pra sempre. Não é essa a história que você conhece também?

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Então, eu vinha do trabalho pra minha casa quando passei por uma locadora e vi um banner do desenho de animação "Deu a louca na Chapeuzinho" (http://www.deualoucanachapeuzinho.com.br/). Nesse desenho a chapeuzinho é suspeita de roubar receitas da sua vó, a vó é assídua telespectadora de lutas em jaulas e o lenhador é burro feito um tronco. Fiquei indignado! Como as crianças de hoje em dia aprenderiam a verdadeira história da Chapeuzinho com uma pôrra de uma história dessas pervertendo tudo que os grandes clássicos dos contos de fadas contavam? Daqui a pouco ninguém mais ia lembrar da história edificante de uma menininha valente e um lenhador generoso que enfrentavam um lobo ardiloso para salvar a doce e indefesa vovozinha.

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E aí eu me lembrei de uma coisa. Aquela história que eu conhecia não era a verdadeira e original história da Chapeuzinho Vermelho. Sim, é isso mesmo! A verdadeira história, a original história da Chapeuzinho é parte das tradições orais da Baviera (contam alguns historiadores) que era contada de geração para geração e não era doce como a que eu conhecia. Na história original o lobo ao chegar na casa da vovó não a engole de uma vez, ele a corta em pedaços sangrentos. A Chapeuzinho não salva a vovó, porque assim que ela entra na casa o lobo a devora também, sem conversinha de orelha grande ou bocona. E não existe lenhador, o lobo chacina a família Vermelho e volta pra floresta para digerir as duas gerações de doceiras. Simples e direto e realista assim.

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Imagine-se contando uma história como essas para seus filhos ou sobrinhos? Pior que as canções de ninar que o Mika comentou num post aí abaixo. Muito pior. Era uma cena de "Aqui-Agora" ou "Notícias Populares". Mas com o passar do tempo foram suavizando a história, alterando alguns dados, acrescentando alguns personagens, mudando o enredo, adaptando à realidade vivida e à necessidade do termo e do conceito. Não era marketing, não era neoliberalismo ou qualquer outro rótulo direitista que algum imbecil possa querer usar, era simplesmente uma alteração natural pela mudança dos tempos. Inevitável.

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Como querer que os conceitos se mantenham puros e inalterados como quando foram criados? Aquele conceito permanece PARA VOCÊ, em seu coração e na sua saudade, porque para o resto do mundo ele avança. Sim, vão existir muitos saudosistas como você querendo manter a integridade do conceitos, mas esses - assim como você - serão dinossauros laranjados. Ridículos. Porque ser um dino é ser antigo, mas ser antigo quando ainda se é novo, porque não se quer largar o que um dia nos fez bem, isso é voltar para idade da pedra usando lantejoulas.

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O que eu acreditei aos vinte anos permanece e vai permanecer eternamente cristalizado em tudo que eu vivi, mas nem sequer nas minhas lembranças vai permanecer o mesmo. Já aconteceu com você de visitar a escola em que você começou seus estudos, ainda aos três ou quatro anos de idade, depois de muitos anos sem visitar o tal colégio? É fantástico, porque a escola vai parecer muito menor para você do que era nas suas lembranças. Você tem lembranças de uma criança, o que você não é mais - não importa o quanto você resista - e para uma criança um muro de um metro e meio é uma muralha. Não é mais para você. Mudou.

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Não acho que ninguém esteja errado em se apegar às suas crenças, mesmo que fanaticamente. É uma opção de cada um, e eu respeito opções com muita sinceridade, mas algumas opções além de respeitar eu lamento. Porque além de se apegar existem aqueles que querem que TODO MUNDO pense igual, como se fosse uma polícia nazista do pensamento, determinando o que as pessoas podem ou devem acreditar. E qualquer um que não siga os ditames de um fascista desses é rotulado, carimbado, estigmatizado e deve ser banido da comunidade, como um pária, já que não está entre iguais. Isso é o que acho ruim.

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Eu preferiria que Chapeuzinho Vermelho permanecesse sendo a minha Chapeuzinho, que está representada aí acima na foto preto e branco, mas não posso negar que a outra Chapeuzinho também me agrada. E muito. Então não se trata de abandonar o que se acredita, mas de aceitar que outros acreditam em outras coisas. A história provou que o fascismo era burro, querer seguir esse rumo hoje pode ser uma estupidez ainda maior.

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Mas é como eu disse, uma opção de cada um.

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Há braços!

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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei

eduardoinimigo@gmail.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu penso que cada um tem a sua forma individual de pensar e acredita no que quiser. E TODOS realmente devemos nos respeitar uns aos outros. Não é utópico tratar o outro, as idéias do outro, como gostaríamos que nos tratassem e que tratassem as nossas.
Sou meio careta porque ainda gosto de muita coisa do passado. Principalmente no que refere a filmes e músicas. Mas, não "fecho" a porta para as novidades do cinema e nem da música.
Gosto de experimentar o "novo", até mesmo para poder expressar com mais propriedade a minha negativa (caso ocorra).
A quebra de conceitos antigos nos faz aprimorar ainda mais, o ser humano (lindo) que somos. Porque nos faz ter o senso crítico perante a todos fatos e acontecimentos que se nos apresentam, no dia-a-dia.
Crescer, aprimorar, amadurecer é da natureza. Perceba o quanto isso é legal...

Anônimo disse...

Sobre crença: a verdade "absoluta" pregada causa desconforto quando é apresentada como fanatismo, seja ela qual for. O respeito é fundamental.