quarta-feira, 18 de abril de 2007

Discutir pra quê?



Discutir é uma arte perdida. Até a palavra "discussão" é uma vítima dos novos tempos, tempos que pessoas se habituam a falar errado, muitas vezes por pouca leitura ou por falta de atenção, e tome-lhe "discursão" no ouvido da galera. Nem a pronúncia se salva mais.
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Eu sou um dos apaixonados por essa forma libertária de se trocar argumentações, porque ao fim e ao cabo é disso que se trata uma discussão: uma troca - nem sempre sadia - de se trocar argumentos. Se esses argumentos são capazes de gerar alguma mudança ou novidade, isso são outros quinhentos passos, o que realmente importa é que quando alguém se mete a discutir algum tema tem por princípio que seu argumento é bom, e que o que defende é certo.
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Abordo esse tema aqui porque uma vez, aqui mesmo no blog, uma leitora me indagou "Então porque discutem, se não vão se convencer nem chegar a consenso?", comentando um post sobre meus pegas com o Segundo. E penso que seja importante falar disso, porque é um mito essa coisa de que a discussão tem o propósito de convencer o outro ou mudar a idéia de outra pessoa. Pôxa, discute-se por se discutir, e qual o mal nisso? Porque necessariamente a mudança ou o convencimento do outro? Talvez por contágio de uma sociedade medida por posses e conquistas, a discussão se torne uma das formas mais francas de competição, em que quem não tem a última palavra é o "perdedor".
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Tolice. E não estou dizendo que querer convencer alguém de alguma coisa seja um propósito menor ou boçal, não é isso porque isso às vezes é necessário e útil, claro. Como no cartum que ilustra o post (que está no www.webflyer.com/.../postcards/images/ff0803.gif) em que um grupo de trabalho se dedica a resolver um tema. Infelizmente a voz divergente foi silenciada com um "choque" de realidade brutal, lembrando a velha máxima atribuída à Churchill em que ele dizia (aproximadamente claro, se não tenho certeza nem do autor, quem dirá a frase em si): "Podem discutir o quanto quiserem, desde que ao final concordem comigo!".
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Parece anedota mas muita gente se comporta assim, acreditando que o simples fato de ser uma crença e opinião pessoal já torna qualquer fato uma página do Talmude ou do Alcorão. Não funciona assim. Se formos olhar qualquer assuntou ou tema ele sempre tem um outro lado, e nesse outro lado deve existir alguém que tem certeza do que pensa. Então como entrar numa discussão já acreditando que sua verdade é absoluta e os outros todos que não concordam estão errados? Um pensamento pequeno e limitado, inquestionavelmente.
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Muitas vezes me meto numa discussão pelo simples prazer da discussão em si. E acredito piamente - mas sei que posso estar errado, não acabei de falar isso? rs - que uma discussão serve basicamente para duas coisas: mudar seus pensamentos ou reforçar seus argumentos. Sim, porque vejamos, a ferramenta mais útil para um ser dito civilizado é sua capacidade de questionar, e exatamente por isso que no momento preciso em que pára de questionar e se julga detentor da revelação dos céus e única verdade absoluta, nesse momento essa criatura se torna menos que um ser civilizado. Torna-se uma ameba, um platelminto ou até mesmo uma pedra, sei lá. Mas um ser humano pensante certamente não é.
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Se eu não me questiono regularmente para verificar se minhas verdades ainda estão com o prazo de validade em dias ou se já estão vencidas, então meu risco de me tornar um cego que não quer ouvir é enorme. E o pior cego é o que não quer ouvir, certo? Pôrra, o cara já não vê mesmo!! E ainda teima em não querer ouvir!!
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Estou divagando. Então essa seria a primeira função de uma boa discussão: alertar para a validade vencida das minhas verdades. E nesse caso não existe vergonha nenhuma em mudar de opinião, até por isso que nossas cabeças são redondas, para as idéias mudarem de rumo. Se ao discutir com alguém, esse alguém consegue me mostrar que eu estou acreditando em algo obsoleto, porque não abaixar as armas, desarmar o orgulho e assumir: "Sim, fui uma besta até agora, mas não preciso continuar sendo", porque continuar uma besta teimosa depois de ser convencido de seu erro, aí sim é muita burrice.
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Mas e quando não nos mudam a opinião? Então aí surge a segunda utilidade de uma boa discussão: reforçar seus argumentos. Se numa discussão legal, de nível, sem ofensas pessoais, sem grosserias ou arrogâncias, o seu contendor se mostra um cara com bons argumentos, lido, sabido e safo; você necessariamente precisa elevar o nível dos seus próprios argumentos. Numa boa discussão você sai mais fortalecido naquilo que acredita e que sobreviveu ao confronto! Esse é um grande barato. Então quando duelamos civilizadamente com alguém que tem bons argumentos, vamos buscando referências, vamos nos valendo de lembranças, de experiências, de vivências que podem refutar o argumento adversário e dar músculos ao próprio discurso.
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Por isso digo que discutir pode ser feito apenas pelo prazer de bater boca. Civilizadamente, repito. Mantendo a conversa acima da cintura existe a real possibilidade dos dois contendores não concordarem em pôrra nenhuma, mas ainda assim poderem dividir uma cerveja e boas risadas.
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Ou alguém quer discutir isso?
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Há braços!
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
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2 comentários:

Anônimo disse...

corrija no 2º parágrafo "uma troca - nem sempre sadia - de se trocar argumentos." e no 5º, acho, tem a palavra "assuntou".

Don Martín disse...

Ainda torce para o Vila?