terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Isso não é normal!

AS FICHAS DOS DELINQUENTES que participaram do roubo de carro, seguido do assassinato do menino João Hélio Fernandes, de 06 anos:

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1º - DIEGO NASCIMENTO DA SILVA, 18 anos, nascido em 23/11/1988, IFP 22551369-6, morador em Madureira, RJ/RJ. Está preso e não possuía antecedentes criminais.
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2º - EZEQUIEL TOLEDO DA SILVA, 17 anos, ("MENOR DE IDADE") nascido em 23/08/1990, IFP 22307175-4, morador em Madureira, RJ/RJ. Está preso e não possuía antecedentes criminais.
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3º - TIAGO DE ABREU MATTOS, 19 anos, nascido em 10/03/1987, IFP 20005030-0, morador em Pilares, RJ/RJ. Está preso e não possuía antecedentes criminais.
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4º - CARLOS ROBERTO DA SILVA, 21 anos, encontrado em Barros Filho, RJ/RJ. Está preso e não possuía antecedentes criminais.

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OBS: 3º e 4º não participaram diretamente do roubo do carro e assassinato do menino. Usando o Vectra (táxi) do pai do 3º, foram junto com a quadrilha até Oswaldo Cruz, onde o roubo iniciou-se. Ficaram esperando no referido táxi.
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5º - CARLOS EDUARDO TOLEDO LIMA, 23 anos, nascido em 30/06/1983, IFP 21097780-7 , morador em Madureira, RJ/RJ. Possui os seguintes antecedentes criminais: 23/09/2003 - art. 155 do CP (furto), na área da 1ª DP (Praça Mauá). 26/12/2003 - art. 155 c/c art 14 (tentativa de furto), na área da 12ª DP (Leme). 29/05/2004 - art. 157 (roubo), na área da 12ª DP (Leme).Carlos Eduardo, se entregou domingo e está sendo considerado como líder da quadrilha, é irmão do menor Ezequiel somente por parte de mãe. Pela idade (mais velho) e experiência na criminalidade, deve ter levado o irmão materno para a delinqüência.
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João Hélio Fernandes. Parece nome de desembargador ou de algum grande empresário, mas infelizmente nunca poderemos saber se ele teria talentos jurídicos ou empresariais, porque foi morto. De forma mais clara, foi trucidado. De forma covarde, arrastado por um carro por muito tempo, muitas ruas, muitos bairros e sob muitos olhares. Não vou detalhar o que houve, todo mundo sabe. Acho que eu fui o último a saber, mas o Marcelo e o Guga me informaram tudo quando conversávamos no Aniversário da Hocus Pocus nesse sábado.

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João Hélio Fernandes tinha 06 anos de idade, era criança esperta e engraçada (disseram entrevistados), muito amada (podemos supor pelas reações) e de olhos expressivos (a foto nos mostra). Nunca mais vai dizer nada engraçado, não receberá cafuné nem beijo no rosto e nunca mais vai olhar com “olhos de cachorro pidão” ou tristes.
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João Hélio Fernandes foi martirizado. E quando digo martirizado, digo no sentido de “torturado brutalmente”, porque não creio que o garoto João Hélio tenha se tornado um mártir. Por definição, um mártir é alguém que morre por defender suas crenças e opiniões, morre por uma causa. João Hélio não morreu defendendo uma opinião nem uma causa. Ele morreu de forma estúpida e sem sentido. Ele não estava defendendo nada, pois sequer conseguiu se defender, tamanha a crueldade que foi vítima.
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João não acreditava em nada que justificasse seu assassínio, isso é certo, mas todos que ouviram e ficaram sabendo, todos que foram atingidos pela brutalidade do ato, todos que sentiram mal ao saber da barbárie, esses acreditam. Todos esses acreditam em “justiça”, acreditam em “paz”, acreditam em “cidadania”, acreditam em “vontade política” e mais um monte de termos que somente servem para acreditar e escrever em camisetas, mas ninguém sabe como viver esses termos, como colocar em prática. E isso acontece porque ninguém realmente entende o que são essas palavras bonitas e vistosas.
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Um comentarista da Tv nesses dias fez um paralelo precioso e preciso. Ele falava do jogo no Maracanã entre Flamengo e Botafogo, nesse fim de semana passado (11 de fevereiro). Antes do jogo as torcidas fizeram um minuto de silêncio, depois gritaram em uníssono “JUSTIÇA! JUSTIÇA!”, mas aí o jogo começou e todo mundo ficou mais preocupado com a atuação do seu zagueiro do que com a merda da justiça. Quem sabe o que é justiça? Isso foi um fato recorrente no país inteiro, por todos os cantos as pessoas se mostravam indignadas, revoltadas, enojadas, mas até o próximo intervalo comercial, quando surgiam as oportunidades do varejo ou as chamadas para as novelas televisivas. Muitos argumentam insensatos que isso é fato normal da vida, ou que muitas crianças morrem nas favelas e bairros de periferia das grandes capitais, ou ainda que morrem muitos mais nas agruras africanas ou pelas cidades do Iraque.
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Entendo. Entendo tudo isso e aceito o pensamento covarde e pequeno de que João foi apenas mais um a morrer. Aceito porque se não aceitássemos esses fatos como cotidianos e banais poderíamos enlouquecer, ao ver tanta gente morrendo no trânsito, nos morros seja pelo vício ou pela descida das encostas, vendo tanta gente morrer em guerras calhordas ou em atos terroristas por todo o mundo. Sim, a morte é banal. Sim, a morte é parte da vida. Mas não, não acho que seja hora de me preocupar com as crianças iraquianas ou africanas ou minhas antigas vizinhas da Vila Bandeirantes ou do Morro do Macaco. Agora é hora de pensar em João Hélio. E a morte de João Hélio não foi normal.
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A busca por uma explicação racional para essa morte é a busca pela salvação da nossa impotência, da nossa incapacidade de fazer algo que possa reverter o cenário caótico que existe ao nosso redor. Banalizamos a morte do garoto alegre por necessidade de olhar no espelho pela manhã, e como poderíamos nos olhar vendo um rosto covarde, rendido, refém e frouxo? Como poderíamos olhar para essa cara de derrota e não lembrar dos olhos expressivos do menino João? Então para isso pensamos “É normal, o Rio de Janeiro está em guerra”. Ou ainda pensamos “Pessoas muito melhores morrem todos os dias e não aparecem no Fantástico”.
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Será que nos tornamos tão medíocres assim? De certa forma em poucos momentos começaremos a culpar as vítimas pelos crimes sofridos, tamanha a mesquinhez das nossas desculpas esfarrapadas. Começaremos a condenar o seqüestrado porque ele tinha bens, condenaremos a estuprada porque era bonita de corpo e sensual no andar, condenaremos o assassinado porque ele estava vivo, suprema arrogância dessa criatura!! É isso que nos tornamos? Covardes patéticos que tentam esquecer a miséria cotidiana que vivemos em busca de algum alento ou tranqüilidade para enfrentar o dia seguinte na roda-viva do trabalho ou dos estudos? Engolindo sangue para poder mostrar o sorriso que impressiona na entrevista, deixando nossa indignação guardada para o sábado depois do almoço, quando – se a sonolência causada pela feijoada com cerveja permitir – então tomaremos as ruas do nosso quarteirão com cartazes feitos às pressas e um ou dois gritos de ordem ridículos.
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Leiam isso como se fosse um grito: JOÃO HÉLIO FOI ARRASTADO NO ASFALTO ATÉ SUA CABEÇA SER SEPARADA DO CORPO. Pelamordedeus o que me interessa nessa hora se existem guerras ou milícias ou atropelamentos, estamos falando de um fato que não é corriqueiro, por mais que tentemos nos enganar. Não é normal ver um carro passando com uma criança de seis anos pendurada na porta, esparramando-se em sangue e vísceras pelas ruas. ISSO NÃO É NORMAL!
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Será que não chegou o momento de um pouco de revolta? Ou já estamos nos preparando para a próxima grande tragédia? Uma chacina espetacular, uma grande ação de grupos criminosos, algo que por alguns segundos – cada vez mais mínimos – nos mostre que a vida não é do jeito que está. Não pode ser. Ligamos a TV esperando que o leão devore o domador, nos tornando cínicos e capazes de fazer piadas sobre a desgraça, coisa que em pouco tempo – se é que já não existem – farão com João Hélio: piada. Dentro de pouco tempo, se já não acontece, teremos mensagens correndo na inFernet com fotos horripilantes de manchas de sangue ou de pedaços de massa encefálica esparramados no asfalto, e muitos não terão a decência de apagar essas mensagens sem sequer ler e reclamar a quem os enviou. Muitos vão ver essas mensagens, se detendo em detalhes escatológicos e comentando que aquilo é uma coisa horrível. Em seguida enviarão para mais outras pessoas que comentarão no horário de almoço como ficaram incomodadas de ver que faltavam os dedos no pequeno cadáver de João. Isso entre uma garfada e outra.
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Surgirão os representantes dos direitos humanos, com suas ONG´s alimentadas por dinheiro internacional arrotando que os criminosos são vítimas de um sistema perverso e de uma situação desfavorável. Meudeus, quantos vizinhos e amigos dessas criaturas vivem as mesmas situações desfavoráveis e não se tornaram monstros? Apenas um deles tinha histórico na polícia, o que mostra que até então nenhum deles havia sido acusado de nenhum crime (e repare que isso é diferente de dizer que nunca haviam cometido crimes. Eles nunca havia sido “acusados”. Pegos). E resolvem se tornar criminosos com um espetáculo dantesco de covardia, brutalidade e sangue-frio.
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A mãe de João Hélio tentou tirar o garoto do cinto de segurança e foi chamada repetidas vezes de “Vagabunda” pelos marginais. Vagabunda. Por tentar salvar a vida de seu filho da mão inconseqüente de um bando de marginais. Vagabunda. Muitos de nós somos esse tipo de vagabundos, que se esforçam de forma desumana, diariamente, para prover o melhor para os filhos, darem-lhes condições de vida, crescimento e desenvolvimento, darem-lhes conforto e segurança, e quando João Hélio surge na tela da Tv esses corações “vagabundos” se apertam de angústia, mas aí levantam-se para ir ao banheiro e o pensamento hipócrita de “É a vida” toma-lhes a consciência, nubla-lhes o discernimento. Fico ainda mais assustado com um pai ou uma mãe que ao ver a história de João consegue pensar que aquilo é normal. É tão difícil pensar que poderia ter sido com o próprio filho? A burrice é tão grande assim, que se julgam, então, invulneráveis aos males do mundo.

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Políticos nos espoliam diariamente, cuidando de seus salários nababescos e suas benesses, rindo das nossas necessidades. Empresários donos de igreja roubam a população desinformada manchando o nome de todas as religiões, boas ou ruins. Cartolas do futebol arranjam resultados ridicularizando o amor e a paixão de tantos assalariados pagantes de finais de semana. Juízes distorcem o sentido da justiça e das leis, favorecendo interesses. Representantes da lei corrompem-se à luz do dia, certos da correção de seus atos. E a tudo isso permanecemos silentes.
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“É normal, a vida é assim”. Tenho nojo de argumentos como esse. Pois para mim isso não é normal, minha covardia pode me limitar a não fazer nada além de gritar em textos pedantes, mas eu não vou achar normal. A morte é parte da vida, sim, mas a barbárie, a estupidez, isso não fazem parte da vida, essas coisas são erradas e sempre vão ser.
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Se isso fosse normal, então João não teria morrido sozinho. Eu teria morrido junto com ele, e mais todos aqueles que sabem que isso não é normal, não faz parte da vida e não é preocupante simplesmente porque apareceu na droga do “Fantástico”.
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Se isso fosse normal, então com João Hélio, eu e muitos outros, teria morrido também a esperança.
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Não haveria mais nada pela frente então.
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Mas eu repito, isso não é normal.
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hoje não abraço ninguém.

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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei


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5 comentários:

Chawca disse...

Li em outro blog que uma senhora evangélica disse que isso aconteceu porque a mãe dele o levava a um centro espirita.. São pensamentos como esse que banalizam as coisas, tudo se resume a fé, ao governo, a falta de educação e etc...
Todo mundo acha que isso não é porblema seu, até aquilo te atingir..
É assim com a AIDS, com o aquecimento GLobal e infelizmetne com a violencia, que não é mais um "luxo" das grandes cidades...
Parabéns pelo texto....

O BRADO DE UM BRAVO disse...

Cara, realmente faltam-me palavras para comentar o assassinato do menino João Hélio Fernandes, bem como o seu texto Eduardo, que conseguiu retratar toda a indignação que nós brasileiros sentimos, perante a barbárie do cotidiano que vivenciamos atualmente. Meu sentimento frente a esta, repito, barbárie, é de baixa energia, cara: sentimentos dos mais primitivos despertaram em meu ser, desde o dia dessa tragédia, de forma que ficou difícil ver, por exemplo, na televisão, parlamentares sorrindo no congresso, fazendo suas máfias, ou mesmo a gente comum, levando suas vidas como se nada pudesse os arrebatar de suas consciências tranquilas e banais, tão acostumadas com a violência espancando nossos concidadãos diariamente. A tristeza de existir nestes dias obscuros, em que temos que criar nossos filhos juntamente aos animais, numa selva ingrata que nunca acaba. Dá vontade de deixar a veia violenta explodir e acabar com tudo e todos, pois o merecimento de viver parece ter se esvaído juntamente com o pequeno João. QUE DESGRAAAAAAÇA !!!! A única expressão que pode retratar fidedignamente o que se passou neste fim de semana em que perdemos mais um de nossos filhos.

Anônimo disse...

ñ é mesmo Eduardo, normal. Ñ consigo conter as lágrimas diante desse horror. Estou realmente indignada !!!
Meu Deus!
Larissa Veríssimo.

Unknown disse...

Tão profundo como um pires...

Anônimo disse...

E hoje, dia 18 de fevereiro de 2010 a nossa INjustiça solta Ezequiel Toledo da Silva, um menor que participou do crime.

PENA DE MORTE NO BRASIL JÁ! É SÓ O QUE É PRECISO PARA MUDAR ESTE PAÍS DE IMPUNES.