segunda-feira, 27 de novembro de 2006

O tsunami passou. Agora é construir um horizonte novo!



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Hoje em dia todo mundo sabe o que é um tsunami, assim fica mais fácil fazer uma alegoria. O negócio é uma onda grande demais e que faz um monte de estragos quando invade a terra, arrastando tudo que passa e derrubando tudo que encosta. A primeira reação (imagino) de quem enfrenta uma tromba d’água dessas é o desespero de ver aquele monturo de água chegando desembestado. Depois que passa e detona tudo, a sensação que vem é de alívio: “Ufa! Já passou!”. Mas isso é uma latada, porque nem toda a água que invade os territórios planos fica por lá, um monte de água retorna para o oceano, e guardadas as proporções é como se fosse uma ressaca do tsunami. Água que foi, água que volta. Simples assim.
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Pois hoje podemos olhar pra trás e ver que o tsunami passou. Começou com a antecipação da porrada, e aí foram tempos e tempos de preparação, negociações, verificações, agendas, horários, planos, credenciais, favores pedidos, favores atendidos, favores negados, tudo pra chegar na sexta feira e descer lenha. Aí então foram três dias de rock intenso, muita gente de fora, correria, muita gente trabalhando feito doido, expectativa nas alturas, stress, tensão, cansaço (ô rampa maldita!!), cachaça, sono e a expectativa de sobreviver a tudo isso.
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Sobrevivemos. Olhamos pra trás e vemos que a terra devastada nem estragou tanto assim, as pessoas começam a mostrar a cabeça pra fora das tocas, o sol brilha tímido e surge aquele jeitão de que tudo vai voltar ao normal. E aí reside a impossibilidade. Nunca mais vai voltar a ser o que um dia foi, o que era.
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O 12º Goiânia Noise Festival cindiu os tempos do rock independente, goiano ou não. Sim, foi um divisor de águas, pela ousadia, pelo atrevimento, pela concepção e pela competência. Agora que passou o turbilhão, as coisas precisam ser realinhadas, e tendo esse referencial de ação feita, tendo esse referencial de festival grande.
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Essa é a primeira coisa que não pode voltar a ser como era: o Noise assumiu-se grande. Como bem analisou meu amigo André Alemão, o Noise rompeu de vez com o underground, e antes que pareça que eu digo isso com mágoa ou revolta, ou até mesmo alguma ponta de crítica ou cinismo, não faço julgamento de valores aqui, mas apenas uma constatação. O Noise vai continuar vinculado ao rock independente, claro, isso não se questiona. Mas que ninguém imagine novamente ver o Noise associado ao termo underground, porque ele não é. Acredito eu que já a algum tempo não queria mais essa associação, mas não conseguia decolar por motivos os mais variados e diversos possíveis, que nem me cabe apontar.
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Dessa vez ele decolou, em grande estilo e elegância, e o que é melhor; com sustentabilidade. Não acredito no Noise menor no ano que vem. No 13º festival, com seu número místico, o festival vai, no mínimo, se manter nessa estatura. Isso porque as parcerias feitas foram muito valorizadas em todos os momentos, mesmo incomodando puristas, idealistas ou clientes de outras lojas de eletros, o nome da empresa patrocinadora foi valorizadíssimo por todo o evento, fosse nas projeções em todas as paredes possíveis (dentro e fora do teatro), fosse nas apresentações das bandas antes dos shows, fosse em todo o material de mídia do evento.
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A proximidade com o poder público foi feita com cuidado e sutileza, revelando uma cara do rock que o poder público não conhecia. As bandas e produtores de fora exaltavam a todo instante a qualidade técnica do evento e o cuidado humanizado com que todos foram tratados. Tudo prova de que agora só se anda pra frente, no contínuo que foi feito nesses doze anos de eventos, o Noise agora deu outro salto e não consegue voltar mais. E alguém acha que isso tudo é alguma surpresa?
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Os Monstros já mostraram tino comercial e vontade de fazer esse negócio render, e por isso já tomaram pedradas aos montes, algumas até muito coerentes é preciso que se registre. Mas o 12º (esse número ainda vai virar símbolo!) mostrou o tamanho do profissionalismo de quatro caras, conduzindo um evento dessa magnitude com perfeição. Falhas houveram, claro, e algumas falhas bem bobinhas e que não precisavam acontecer, mas no geral o festival foi um sucesso.
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Esse foi o tsunami que passou. Respiramos aliviados porque novamente sentimos o pé no chão, voltamos à Matrix normal dos nossos cotidianos burocráticos e agora a pergunta já surgiu no orkut: o que acontece agora depois do Noise?
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De imediato, nada vai se perceber de diferente. O impacto ainda é recente. Mas no médio prazo as mudanças vão surgir. Isso porque o Noise criou uma categoria em GoiâniaTown que não existia, a do Festival Grande. Bananada, Marmelada, Vaca Amarela, para não falar em outros mais novos, agora todos foram colocados na categoria de Festivais Médios. Festivais que acontecem no Martim Cererê, por exemplo, e que são importantes demais para a cena rock, que são fundamentais para a cidade continuar parindo bandas e formando público.
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E além disso, essa segmentação finalmente realizada dá nova força aos Festivais pequenos ou shows regulares e constantes que existem na cidade. Não são todos os festivais que conseguem ser grandes como o Noise, e o melhor disso tudo, não são todos os festivais que querem ser grandes como o Noise. Muitos festivais querem continuar menores, toscos ou não, seja por ideologia, seja por querer se diferenciar dos Monstros, seja para manter a autonomia independente de não precisar de um patrocinador ou o poder público.
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Eu já bati muito na tecla da profissionalização dos eventos, mas agora com essa segmentação definida, tudo fica claro. Os festivais que se quiserem grandes tem um parâmetro de comparação agora, e que persigam esse nível de excelência, se possível para superá-lo. Os festivais médios já possuem seu know-how estabelecido, e tendem a seguir suas vocações, com alguns preferindo optar pela espontaneidade e liberdade criativa naturalmente associadas à falta de parceiros grandes. E outros festivais médios vão buscar se organizar melhor, ser uma vitrine mais iluminada para aquelas bandas que procuram essa visualização. Então teremos a diferenciação entre um Vaca Amarela e um festival no DCE. Tranqüilo, porque possuem públicos os dois e porque podem seguir seus caminhos sem preocupações de comparações indevidas.
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E que maravilha que existam, e sempre vão existir, os eventos menores (em tamanho, não menores em importância!) como o Capim Pub, a Ambiente, a Horda, o Porão, os shows no República porque também para estes eventos o público existe aos montes na cidade, quiçá na região. E novamente cada um vai poder seguir sua vocação.
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O 12º Goiânia Noise mostrou que os festivais e eventos podem ser distintos, sem ser separados. Podem ter orientações e opções estéticas e políticas antagônicas, mas ressaltando que antagônicos são os projetos e não quem os projeta. Nunca tivemos tão próximos da real união da cena, agora que sabemos que os diferentes poderão ser tratados com suas diferenças, de forma diferente.
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Posso estar soando idealista e sonhador novamente, e isso pode até ser efeito do fim de semana imerso em rock e gente legal, mas acredito firmemente que agora temos o parâmetro necessário para cada um trabalhar em paz. Do jeito que quiser, porque todo mundo agora sabe o que é o tamanho grande, o médio e o pequeno, e todo mundo sabe que eles são alternadamente base/sustentação e também adereço/cobertura de uma cena que se constrói de forma esquizofrênica, mas forte.
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Agora finalmente chegou a hora de sonhar com outra categoria de evento que se faz necessária. Agora Goiânia pode sonhar com um verdadeiro festival de rock, numa fazenda afastada, em que as pessoas possam acampar e passar o fim de semana inteiro em união com outros lokis semelhantes e o rock. Um festival que traga saudosas lembranças de tudo que ouvimos de um evento que mudou o mundo. Um festival – que torço para que alguém realize, porque eu não sou produtor – que possa mostrar para todos que a tradição rural de Goiânia pode abrigar o rock independente em seu pasto, debaixo de suas árvores, revirando bosta de vaca depois da chuva, tomando banho de chuva ou nadando no “córgo”.
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Entramos na quinta série. Agora tudo vai ser diferente, gostem ou não, “duella a quien duella”, como diria o bufão alagoano.
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O tsunami passou, e nas terras encharcadas veremos nascer muitos jardins.
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Há braços!
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com
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Um comentário:

Anônimo disse...

Divisor de águas!!!

Realmente esse 12º será histórico, o Goiânia Noise conseguiu o que até hoje ninguém e nenhum festival independente de Goiás conseguiu. Como disse o Eduardo, meu amigo inimigo, o Noise agora é grande, não cabe mais no Joquei Clube ou no Martim, o centro cultural Oscar Niemeyer é do Noise agora. O festival agora pode confirmar o que muita gente diz e ouve por aí: "Cara Goiânia é muito loco! É o melhor lugar desse país pra se tocar". Problemas aconteceram sim, mas onde é que não os encontramos.

E tomara que a partir de agora os festivais tendam a crescer.