terça-feira, 17 de outubro de 2006

Tudo é vaidade!


- Tudo é vaidade!

Assim uma pessoa muito bacana me ensinou um axioma bíblico que eu nunca pensei que pudesse relacionar com o rock independente. Mas é triste e decepcionante perceber que o primeiro pecado capital apresentado por Tomás de Aquino – também chamado “arrogância” em algumas obras – é quase uma redundância no ambiente tido como liberal, igualitário e engajado do rock independente.

Digo isso porque já vivi muito, e nos tempos antigos o mundo era diferente. Não tínhamos celular para sermos localizados nas madrugadas pelos cantos da cidade, não tínhamos também orkut para ficar trocando obviedades e expondo nossa burrice, não tínhamos TramaVirtual ou Loaded ou MySpace para conhecer bandas de todos os lados do mundo, e não tínhamos a aceitação do rock. Isso porque nessa época o rock ainda era uma transgressão, e ser chamado de “rockeiro” no colégio não te dava moral com as meninas, mas suspensões repetidas e asco generalizado da comunidade acadêmica. O Willian “El Louco” fala no blog dele, no http://louco.my1blog.com/ sobre meninas que gostam de caras de banda, pois nos tempos antigos – quando virgem não era somente um signo zodiacal – as meninas tinham medo dos rockeiros, e talvez por essa repulsa generalizada, os rockeiros eram unidos.

Quer motivo maior para se unir do que sobrevivência? Assim funciona na natureza, e assim funcionava com quem se envolvia com rock. Isso porque se não se unissem, desapareciam, e logo estariam usando “calça tergal e cabelo lau-lau”, engajados em alguma carreira bancária para alegria da mamãe e desespero dos velhos comparsas.

O que se via nas bandas e nos envolvidos do movimento (porque na época não se dizia “cena”. Cena era de teatro) era uma proximidade e coleguismo muito maior. E vejam que não falei “amizade” porque isso seria esperar muito da raça humana, esse erro natural; mas falei coleguismo. Amizade é confiar a vida a uma pessoa, amar essa pessoa independente das situações, mas coleguismo tem interesse ou conveniência envolvido, gosta-se porque se quer algo ou porque é mais fácil. E mesmo parecendo que isso é canalha, é muito melhor que a selva canibal que virou o meio rock independente, alternativo ou underground, escolha o rótulo quem lê.

Rótulos são, talvez, um dos motivos de tanta separação e fogueira de vaidades desse ambiente. Punks, heavies, indies, HCs e tantas outras derivações que o rock gerou, terminaram por atender à necessidade primeira do “Sistema”: separar e enfraquecer a única tribo “que muda”, como diz o Fall. Ao invés de procurarem cada vez fazer melhor em suas opções políticas, ideológicas e estilísticas, a preocupação é fazer melhor “que o outro”, como se a competição fosse a única regra para convivência. E então além dos rótulos vemos que a pequenez de muitos que se envolvem no movimento é outro ingrediente poderoso dessa equação; gentinha fazendo coisa de gentalha.

Já fui chamado de “marketeiro demoníaco” e “neoliberal” por querer pensar o rock e as bandas como produtos de consumo, visão que em algumas situações eu ainda mantenho, mas trago minhas cicatrizes e sei que o rock é muito mais que um produto de consumo, é muito mais que algo a se vender; é algo a se acreditar. Mas como acreditar em algo tão fragmentado, tão dividido, tão fraco?

Esse é o sintoma final do mal da vaidade no rock, a fraqueza de algo que poderia realmente destruir as amarras, mudar as cores, fazer algo acontecer de bom e positivo. Mas o que vemos são pessoas que se preocupam mais em estar com a razão do que em estar discutindo. Que são grossas e estúpidas nos argumentos, mas acham desculpa para isso. Pessoas que são donas da verdade, absolutas, escondendo seus esqueletos e canalhices e tramóias e burrices em pose e arrogância, arrotando sabedoria de fundo de copo como se fossem os últimos evangelistas da causa perdida do rock.

“Ó príncipes meus irmãos” eu volto a dizer! Tão certos do que fazem que esquecem dos próprios pés de barro. A cada vez que eu escuto (ou leio) algum apóstolo com essa prosa de “eu sei, é assim que funciona” tenho vontade de arrancar os olhos das órbitas, mas me contenho graças ao equilíbrio emocional que a idade proporciona.

Não vêem que alimentando essa disputa babaca, vazia e sem sentido só fortalecem quem queríamos destruir? Não percebem o tanto que já se tornaram ridículos em seus planos de dominação com seus discursos monótonos e repetitivos? Sempre a mesma lenga-lenga chata, que todo mundo já sabe de cor, e que de forma caricatural acaba reforçando todos os comportamentos que criticamos em outras turmas que não sejam a nossa.

Vaidosos em suas máscaras, detentores da verdade universal, certos do caminho em suas naus vazadas, acabam por criar discípulos e seguidores aos montes, tão covardes quanto eles próprios; porque é muito mais fácil seguir um mito do que uma criatura que se questiona e se duvida e se arrepende a todo instante. É muito mais fácil acompanhar os passos de quem nunca erra, de quem sabe a verdade, de quem não quer ser Deus, porque já sabe que é. Porque seguir quem aprende tentando e quebrando a cara implica em quebrar a cara também, e então dói menos simplesmente se apegar às velhas teses que a história já derrubou, mas que contam com defensores que se dizem “de respeito” e que se valem de tempo de casa achando que isso prova competência.
Tudo é vaidade. A cena rock apodrece por dentro por causa das guerras santas entre as igrejinhas toscas de pregadores venenosos e canalhas que se alimentam da comodidade e da bundice dos seus fiéis.

Foi isso que nos trouxe a modernidade? Não é a toa, portanto, que a saudade é tão doce.
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com
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2 comentários:

Anônimo disse...

esse texto me fez refletir.. vlw

Anônimo disse...

oq será que ele quis dizer?