sexta-feira, 13 de outubro de 2006

A banda acabou! "DEZENOVE"

DEZENOVE
Incompreensível. Essa era a palavra mais usada quando se referiam ao fim daquela banda. Isso porque ninguém conseguia entender porque eles terminaram a banda, porque separaram e nunca mais se falaram. Mas estou adiantando um pouco a história, vamos com calma.

Você tem ou já teve banda de rock? É uma experiência única e inesquecível. Porque é divertido, é trabalhoso, é suado, é canseira, mas é inesquecível. E é único. Putz, parece que eu não consigo explicar melhor que isso, mas é isso que é a explicação.

Esses caras eram amigos, e um dia se encontraram e em meio a muita conversa fiada e cerveja gelada, tiveram a idéia de montar uma banda de rock. Para ser bem exato, uma banda de punk rock, que era o som que eles gostavam mais de ouvir, e também porque não eram grandes coisas musicalmente, e achavam que o punk rock fosse fácil. Tolos!

Na cidade em que viviam já existia um movimento de rock bastante pesado e desenvolvido, com muitas bandas legais, muita gente trabalhando sério pra fazer o rock ser mais aceito, muitas discussões frutíferas e outras várias discussões estúpidas, normalmente envolvendo gente que se achava dono da verdade e gostava de cagar regra ou criticar de forma grosseira e babaca qualquer um que pensasse diferente. Ou seja, em muitos aspectos era um ambiente propício para o surgimento de mais uma banda. E eles já eram freqüentadores assíduos dos shows e festivais, já conheciam muitas pessoas de outras bandas e foram bem aceitos.

Como seus perfis oscilavam entre paranóicos, detalhistas e meticulosos, eles se dedicaram de forma bem metódica e esforçada para fazer um som que fosse bom, digno, crível e agressivo. Escreveram letras violentas, fizeram riffs de guitarra criativos, usaram o baixo de forma brutal e a bateria reta e sem frescuras deixando claro que a proposta da banda era fazer rock, e não fazer gracinha.

O começo foi difícil, como sempre é, e eles ralaram um tanto para conseguir um show para tocar e mostrar o som deles. Depois de alguns meses de procura e batalha, conseguiram a oportunidade num show organizado por um parente de um deles. Alguns poderiam dizer que eles só foram escolhidos para tocar nesse evento porque o organizador era parente de um dos caras da banda, e isso é o mais óbvio. Claro que só foram chamados por isso! Nunca tinham tocado em lugar nenhum, ninguém conhecia o som deles (o organizador – cuidadoso – havia ido a um ensaio para se certificar que eles não eram um problema grande demais, claro) e então eles só conseguiriam o primeiro show pedindo pelamordedeus ou tendo algum contato bom. Parente de produtor é um puta bom contato, ou não?

Foram tocar nesse primeiro show e estavam em pedaços, nervosos, ansiosos e tudo mais que possa ser creditado a pessoas que enfrentam algo novo pela primeira vez e que será avaliado por outras pessoas. Estavam tensos como cordas de violino, para me valer de um clichê estiloso. As bandas que tocaram antes deles não facilitaram em nada o nervosismo, porque eram bandas muito boas, violentas e que deixaram uma sensação de “que diabos eu estou fazendo aqui” em cada um deles. Mas mesmo com todo o nervosismo da primeira vez, o show deles agradou o público presente, e logo várias pessoas se acumulavam na frente do palco, uma roda de hardcore surgia para garantir algumas escoriações, e eles se sentiram mais tranqüilos. Bem verdade que conseguiram errar muito em suas próprias músicas, mas quem não erra quando está nervoso, não é mesmo? Para completar a noite ainda foram elogiados por uma outra banda de muita qualidade da cidade, e isso os deixou satisfeitos por tudo ter começado bem.

A seqüência é uma rotina para qualquer banda, procurar mais shows, ensaiar bastante, buscar melhorar a composição, criar um estilo. Pelo menos rotina para bandas que querem fazer um trabalho que preste, claro, porque sempre vão existir os que fazem por fazer, e que preferem apostar no “quanto pior, melhor” para justificar preguiça ou incompetência. Vai entender...

Acontece que algum tempo depois, perto de um ano ou mais um pouco, eles foram convidados para tocar num grande festival fora da cidade, numa outra região onde o rock era muito forte e onde tinha uma equipe muito bem organizada e engajada que trabalhava esses eventos e outras iniciativas. Desnecessário dizer que ficaram empolgadíssimos, aquela seria a coroação dos esforços todos que fizeram ao longo daqueles muitos meses. Prepararam um set list fuderozzo, com as músicas mais destruidoras que tinham, mentalizando para fazer um show com raiva, nervozzo e empolgante.

Foram semanas de ansiedade e expectativa, antecipando tudo que poderia acontecer. Foram para o tal show, tocaram e se sentiram muuuito bem. Isso porque o show – apesar de todos os pequenos problemas surgidos – foi bom, mas bom mesmo. E eles sabiam que não haviam tocado tudo que podiam, porque estavam nervosos, porque não estavam acostumados a tocar em palcos daquele tamanho e daquela altura, porque estavam tristemente sóbrios, e mais um monte de motivos. Por tudo isso, sabiam que o show não tinha sido um dos melhores que já haviam feito, mas ainda assim conseguiram deixar uma boa impressão no público. Várias pessoas gostaram bastante, e tudo isso e mais o tanto de bons contatos feitos durante o festival, anunciavam um futuro de muito rock para aqueles quatro alucinados.

Na cidade em que moravam os comentários pipocavam e muitos apostavam que iam buscar realizar mais shows fora do estado de origem, quem sabe finalmente lançar um CD cheio ou até mesmo tentar uma turnê européia!! As especulações eram muitas, mas tudo caiu por terra quando chegaram de volta à cidade natal, em um tópico de discussão na inFernet. Eis que surgiu a notícia de que a banda tinha acabado, que não iriam mais tocar juntos, e que nem a amizade tinha sobrevivido. Não se conversariam nunca mais.

Incompreensível. Ninguém nunca ficou sabendo o motivo, ou melhor, ninguém é um pouco de exagero, porque os quatro obviamente sabiam, e eu tive a chance de descobrir também, apesar de que nunca antes eu havia contado a verdade.

Acontece que eu era – na época – muito amigo de um deles. Ele era o mais tranqüilo dos quatro, quase nunca discutia com ninguém, sempre apoiava o que a banda decidia, um sujeito pacato ao seu jeito. Digo “Era” porque ele morreu, mas antes de morrer me contou o motivo da separação. A conversa foi assim:


“- Cara, foi naquele show fora do estado, lembra? Pois então, a gente estava muito empolgado, felizes e satisfeitos pelo convite. Tudo estava muito lindo e organizado, com tratamento de primeiro mundo, hotel, comida, birita, fantástico. O show nem foi tão bom, porque estávamos muito nervosos, mas ainda assim o povo gostou. E aí veio o problema. Quando a gente desceu do palco, rindo feito criança em loja de brinquedo, uma das produtoras do show veio e nos entregou as fichas para pegar cerveja.
- Mas isso não era bom? Vocês tinham cerveja grátis!!
- Bom pra caramba, claro, mas ela entregou pro vocalista dezenove fichas.
- E daí?
- Cara, nós éramos quatro, ela deu dezenove fichas. Como divide dezenove por quatro?
- Peraí, você tá dizendo que isso foi o problema?
- Cara, porque ela deu dezenove fichas? Porque não deu vinte, ou então dezesseis?? Dezenove?? Que diabo de número é isso?
- Meu amigo, era cerveja grátis. Jogasse fora se fosse o caso, mas vocês brigaram por causa das malditas dezenove fichas??
- E você pelo visto não acha motivo suficiente, né? Tem gente que acha que tudo é fácil, que não entende o problema dos outros! Cara, ela deu dezenove fichas!!!”

Pois é, eles acabaram com a banda por causa das dezenove fichas. Por não saber como dividir entre os quatro. Imagina isso?

Mas também, quem é que entrega dezenove fichas? Ainda se fosse dezoito, ou vinte, mas dezenove??

Humpf!
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com
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4 comentários:

Anônimo disse...

otimo Eduardo !
voce eh um cara que me surpreende a cada dia.
Te amo muito

Anônimo disse...

Po cara , ótimo, me avisa qndo tiver show do sangue seco pra eu avisar pro cara entregar 20 fichas...
lol

Anônimo disse...

Uma coisa vou ter que dizer:


Foi injusta a distribuição de talento desse planeta. Cê ficou com pelo menos 16 das 19 fichas disponíveis!

^_____^

Lindo! (o texto! heaheaheaheahea)

Hígor Coutinho disse...

Malditas cervejas!