sexta-feira, 21 de abril de 2006

O canto aconchegante que existe no inferno

Esse texto foi feito para a NewsLetter do Circuito Fora do Eixo. A pedido da Marielle eu vou comentar sobre a cena de GoiâniaTown e os locais de show que existem por aqui, bem como o que vem acontecendo. Esse foi o primeiro.

E.


Lembra quando você é guri e tem que dividir o quarto com algum irmão? Quem teve que passar por isso nunca se esquece, porque tudo que a criatura consegue desejar é um quarto só para ele, onde possa ter privacidade e poder falar "Meu Quarto" de boca cheia. E um dia finalmente essa criatura consegue um quarto, porque a irmã mais velha casou ou coisa parecida, e começa a montar o quarto DELE, com as coisas DELE, e logo ele descobre um canto no quarto onde é bom de sentar para ler. Descobre ainda um canto no quarto onde ele gosta de ficar para ouvir música, tem o lugar para sentar e bater papo com os amigos, e cada um daqueles cantos vai ficando com uma característica inesquecível e marcante que se define com uma palavra: aconchego.
Aqueles cantos são aconchegantes, porque possuem o tanto de pequenez para você ter a sensação de proteção, mas possuem o tanto de espaço para sua sensação de conforto. E seguimos pela vida procurando cantos aconchegantes, na sala de aula, no escritório, em todas as próximas casas que talvez tenhamos, no colo de todas as mulheres (ou homens, cada um sabe de si) das nossas vidas porque o tal canto aconchegante é uma necessidade, uma volta ao útero talvez, em que tínhamos o mundo inteiro ao alcance de nossos dedos em formação.

E quando esse canto aconchegante é num local gostoso do inferno? Eu explico; e quando esse canto confortável é um lugar barulhento, quente, apertado e inesquecível. Essa mistura de sensações, de conforto com desconforto, de aconchego com aperto, de paz com insanidade, tudo isso é o Capim Pub do eterno Afonsim, um local em que o rock de GoiâniaTown se desenvolve às margens do córrego CapimPuba, de título indígena que oferece seu nome à criatividade do proprietário.

Mas antes de falar da casa, vamos falar do insano proprietário. Conheci Afonsim numa época em que havia poucas bandas na cidade, eu fazia o segundo grau (hoje é ensino médio, né?) e procurava o que fazer nas madrugadas da cidade. Afonsim era vocalista do Restos da Cultura Proibida, uma banda das mais criativas que já existiu nesses lados, misturando um rock inglês, com um baixista maldoso com as quatro cordas, muita atitude visual, quase cênica, e músicas inesquecíveis. Afonsim era a figura que estava à frente daqueles caras, e movimentava a cena da cidade numa época em que não existiam certezas, nem rótulos, nem segregação; e todo mundo que gostava de rock andava junto.

Afonsim sumiu com o fim da banda, e eu fui encontrá-lo novamente muitos anos depois na Broadway, em Arraial D'Ajuda, ambos estávamos zêbados e dando risada, ele vendendo artesanato, e eu tentando descobrir o caminho do albergue, ou qualquer caminho que me levasse.

E a próxima vez que eu o encontrei foi capitaneando essa casa exótica e única, o Capim Pub, o canto aconchegante que ele abriu para que o underground goiano possa sobreviver. Pequeno, estiloso, tosco, confortável (tem um puta sofazão lá) e barulhento, porque sempre tem alguma banda tocando lá. O palco é pequeno, a banda fica junto da platéia, tem uma porta no meio do local de show, o banheiro é único e quem vai lá uma vez fica marcado para sempre. Tanto pelo jeitão de "nossa casa" que Afonsim conseguiu imprimir, recebendo as pessoas cumprimentando uma a uma com ares de dona de casa, quanto pelos shows memoráveis que por lá acontecem, com participações especiais e muita energia; e sempre fica um gosto de "preciso voltar" que acaba levando as caras conhecidas novamente para lá. E pode parecer paradoxal ser confortável sendo pequeno, ou ser aconchegante sendo barulhento, mas o Capim Pub é realmente paradoxal, uma resposta para perguntas que ninguém tinha pensado em fazer.

O Capim Pub vem fazendo o CapimRock, agitando a cidade aos domingos sonolentos, sempre com três (no máximo quatro) bandas por evento, começando sempre por volta das dezoito (no máximo dezenove) horas, preço suave no ingresso, sem limite de tempo para as bandas tocarem e sem limite de liberdade para quem vai, porque é uma nossa casa longe de casa (como diria a propaganda de algum hotel nos anos 80). O lugar é improvável, o tamanho é inédito, a televisão passa programas exóticos, as bandas são viscerais e o programa é obrigatório. Para quem quiser achar, o Capim Pub fica na Rua 05, número 65, no Setor Aeroporto, aqui em Goiânia Rock City.
E se nós aqui usamos esse apelido para nossa cidade, e nos orgulhamos de poder usar, muito disso atualmente se deve aos guerrilheiros incansáveis do Capim Pub, Afonsim e Segundo, que criaram esse evento e mantém na garra e no suor. O CapimRock conta sempre com o apoio da TwoBeersOrNotToBeers, selo que defende e divulga o underground, dando oportunidades para bandas que sem ele não teriam lugar para tocar, e isso é importante, muito importante.

Pequeno, barulhento, quente, mas com um sofá confortável, boa cerveja, bons amigos e muito rock todos os domingos, o Capim Pub é o nosso canto aconchegante que existe no inferno. Quando chegar lá, abraça o capeta e aproveita.

Eduardo, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com

quarta-feira, 19 de abril de 2006

LOADED - O Inimigo está no ar!!


Já ouviu o Loaded? No site www.loaded-e-zine.com ? Dos malucos de Sampalândia, Alexandre, Valter e Carlos? Putz, parece que não mesmo. É um zine virtual que apresenta as novidades da cena rock independente, com bom humor e criatividade, com três malucos apresentando e com muita banda de altíssima qualidade rolando na alta. O Programa já existe há seis meses, e nesse meio tempo vem se consolidando como uma referência em divulgação de bandas novas e cenas no Brasil inteiro.
Há três semanas eu comecei a participar do Programa, com interferências inimigas, apresentando o festival Bananada. O Grito Inimigo vem ecoando pelo mundo inteiro, e sempre levando informação, curiosidade e apresentando bandas que vão tocar no festival.

Para apresentar a idéia, eis aí os textos que eu urrei nos Programas. Na ordem, são dos Loadeds 22, 23 e 24. Só lembrando, se quiser ouvir os programas vá até o www.loaded-e-zine.com e clique em escutar os programas ou em escutar programas passados. Divirta-se ou desvista-se!

LOADED 22

Começa com Grito!

Sim, é isso mesmo! Conforme anunciado no Loaded número 21, agora existe mais um Loader. Meu nome é Eduardo Mesquita, eu sou O Inimigo do rei, e fui convidado pelo Valter, Carlos e Alexandre os três Loaders originais, para participar do Loaded. Como eles dizem, um dia tudo isso vai fazer sentido. Então de hoje em diante eu também estou aqui, gritando diretamente de GoiâniaTown, mandando notícias diretamente do olho do furacão, preparando as turbinas para o Bananada desse ano. Caras, muito agradecido pelo espaço!
E aqui eu vou falar do festival, da cidade, do local onde se realiza atualmente o Bananada, contar histórias, fatos, lendas, mas o principal propósito é provocar a curiosidade e a expectativa de quem vem para o Bananada. E também de quem não vem, pra passar vontade nesse povo. Já acertei com Fabrício Nobre, da Monstro, que vamos buscar anunciar em primeira mão as bandas que forem definidas para o Bananada desse ano, e apresentar para vocês algumas dessas bandas.
A gente vive hoje em dia uma ebulição enorme no rock independente, todo mundo está acompanhando, e junto à Abrafin (o Bananada é um Festival filiado a ABRAFIN – Associação Brasileira de Festivais Independentes), junto ao Circuito Fora do Eixo, junto aos festivais, selos, blogs, sites e milhares de bandas de todos os cantos agora também vamos colaborar de dentro da fera, do útero desse que é o zine virtual, programa de rádio virtual, mais sintonizado com tudo que acontece.

Aqui é Goiânia, e nessa cidade repleta de mulheres lindíssimas, bandas de tudo quanto é estilo e muito calor vai acontecer a Oitava edição do Bananada. Dessa vez tudo vai acontecer entre os dias 19 e 21 de maio, no eterno e simbólico Martin Cererê. Ainda vamos falar aqui sobre esse centro cultural, aguardem próximos programas. O Bananada desse ano vai contar com 44 bandas, em três dias de shows, com a bembolada estrutura de 02 palcos soltando som direto, praça de alimentação (e tomara que tenha aquele acarajé matador da tia de novo), bancas de cds, livros, quadrinhos, camisetas, tudo quanto é buginganga do rock para alegria do monte de gente que aparece do país inteiro pressa festa.

O bananada surgiu em 1999, de uma iniciativa do Fabrício. Ele tinha um selo na época chamado Me & My Monkey (e não me pergunte hoje porque esse nome frito) e queria fazer um festival, mas não estava achando um nome legal. Ele pediu sugestões para os participantes de uma lista de discussão na época e o Guedes, do Grenade, do sul veio com a idéia de Bananada. Muito a ver com o Me & My Monkey.
Quem vem para o Bananada, já fique sabendo, são muitas horas de rock direto, em que seus tímpanos e suas pernas são colocados à prova, porque quando domingo chegar, ao final de tudo você vai estar com os ouvidos zoando e vai descobrir músculos nas suas pernas que você nem sabia que tinha. É muito rock, é muito tempo em pé, andando, batendo papo, enchendo a caveira e chapando com tudo que acontece.
Hoje eu vou apresentar para vocês uma das bandas que já está definida para o Bananada 2006, o Automata.
O Automata é uma banda da Bahia. Os integrantes vieram de outras bandas, com a Pimps, Fantoche e depois, nos Estados Unidos, formaram a Dive. Mas as coisas engrenaram de vez quando eles voltaram para o Brasil e formaram o Automata. Músicas pesadas, criativas, mas o ponto forte inegável são as letras. Os caras mostram trabalho e cuidado para escrever, usando referências e trechos de coisas tão díspares quanto um discurso político e um artigo dum economista. O CD chama “Indivíduo-Ação” e a produção é do baterista da banda, Jera. Quem quiser ouvir as músicas, visita o site da banda no http://www.automata.art.br. Hoje nós vamos tocar “Sob os céus de Ba(h)ia”, aflando de torturas e reis que merecem morrer. Muito de acordo.

Aqui é o Inimigo do rei, direto de GOiâniaTown. Agora, a gente só está esperando a hora!
Há braços!

Loaded 23

GRITO

Sim, é isso mesmo, aqui é Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei, direto do Manicomial em Goiânia. Toda primeira vez é complicada, você se lembra do primeiro beijo ou da primeira aula na faculdade ou a primeira vez que subiu num palco para tocar, bate ansiedade, bate nervosismo, a pulsação dispara, a pressão aumenta e você sai disparado feito uma locomotiva sem freio, ou melhor ainda, como uma bicicleta sem freio. E na semana passada, na minha primeira participação aqui no Loaded, eu estava nervosão, e ainda tinha tomado duas canecas de café aqui no Manicomial, e o Gustavo faz um café thunder, e lá fui eu enfrentar a gravação com todos os sintomas de uma pré-síncope cardíaca. Mas entre mortos e feridos, todo mundo se salvou, e eu voltei para mais uma interferência no programa.
Semana passada começamos a falar da história do Bananada, pois vamos dar seqüência à saga. A explicação do nome do festival tem também suas versões paralelas, alguns dizem que o nome Bananada é uma resposta à tradição “rurar” da região e muito a ver também com o evento que acontece na mesma época em Goiânia, a exposição agropecuária. Cabe comentar que essa exposição agropecuária é uma das maiores do país, super tradicional aqui na região e no meio agropecuário de forma geral. Além disso, Goiânia tem a fama das duplas sertanejas, e inclusive tivemos um prefeito louco que queria criar o rótulo de Goiânia Country para a cidade. Veja, nada contra quem gosta de música sertaneja, mas o povo do rock sempre se sentiu incomodado com essa associação imediata, e esse pode ser outro motivo do nome do festival, uma Banana para a exposição agropecuária seria muito pouco, então vai uma Bananada.
Como falei semana passada, em 2006 serão 44 bandas no festival, mas no primeiro Bananada foram somente sete bandas, o que mostra a consolidação desse que é um dos festivais independentes mais influentes do país, e nesses anos já tivemos atrações de todos os cantos, do Rio Grande do Sul ao Pernambuco, do Mato Grosso à São Paulo, e até de outros países. Nesse tempo todo já tivemos Wonkavision, PinUps, Bois de Gerião, Carbona, Frank Jorge, All Systems Go, Man or Astroman, Lemonheads, Wander Wildner, a lista é enorme. Isso sem mencionar a quantidade gigante de bandas de Goiânia que já participaram do Bananada também, porque sendo parte da ABRAFIN, o Bananada precisa ter uma quantidade mínima de suas atrações formado por artistas e bandas do estado. Essa é uma das regras da Associação.
Bananada... essa não se faz com um quilo de banana nanica, 700 gramas de açúcar cristal e água. Essa se faz com muito trabalho, gente dedicada, um público fiel, tradição e bandas porrada. Nessa semana vamos apresentar uma banda que volta para destruir tudo, porque eles já estiveram aqui no Bananada de 2004, e puseram o Jóquei abaixo, deixando saudades. Estou falando do Pelebroi não sei?, banda de Curitiba, com seu punk rock alegre, rápido e falando de amores, mulheres, desilusões alcoólicas e um show louco, com um vocalista mais louco ainda. Esses caras já tem tempo de estrada, e agora vêm para Goiânia integrando o time da Monstro e preparando o terreno para o lançamento do terceiro CD, chamado “Aos Farsantes com Carinho”. O site da banda é o www.pelebroi.com.br e hoje vamos ouvir “Desculpe Baby” do disco “Lágrimas Alcoólicas”.

Aqui é o Inimigo do rei, direto de GOiâniaTown. Agora, a gente só está esperando a hora!
Há braços!

Loaded 24

Sim, é isso mesmo. Aqui é Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei, falando direto do Manicomial, contando uma semana a menos para o Bananada 2006. E hoje vamos conhecer um pouco mais o local do evento, o Centro Cultural Martim Cererê. Para quem é de fora, ouvir falar no Martim Cererê já virou motivo de muita curiosidade, e a verdade é que realmente o Martim é hoje um espaço perfeito para um evento do tipo do Bananada. Antes de explicar porque, vamos aos dados e fatos do local. O Centro Cultural Martim Cererê é um espaço da Agepel, que é a Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico, o órgão do governo estadual responsável pela gerência da cultura em Goiás. Foi inaugurado em 20 de outubro de 1988, numa festa inesquecível com a presença de artistas de todas as expressões, gente inusitada como Geraldo Vandré e muitos, mas muitos políticos. O Cererê foi feito em um local que abrigava três caixas d'água da Saneago, a companhia de água e esgoto do estado. O arquiteto Gustavo Veiga criou o projeto de um centro cultural que transformava essas antigas caixas d’água em teatros. Assim, os três grandes reservatórios de concreto (com capacidade para armazenar 500 mil litros de água cada um), foram adaptados e se transformaram nos teatros Yguá, Pyguá e Ytakuá, sendo esse último um teatro de arena. Fica na rua 94-A, no Setor Sul. Um dado curioso sobre o Martim Cererê é que as caixas d’água usadas para fazer os teatros foram também usadas pelos militares e pelo DOI-CODI na época da ditadura para prática de torturas. Supõe-se que muita gente morreu nessas caixas d’água, por defender aquilo que acreditava, mas hoje a arte ocupa esse espaço. Onde antes tombaram ideais, hoje sobrevivem sonhos, gritos, alegria e muita beleza. É um local bonito, com mangueiras enormes compondo o cenário, o bar Karuhá e toda a estrutura necessária para fomentar a arte no estado. E para um evento como o Bananada é o espaço perfeito, porque os shows são feitos alternadamente nos teatros Yguá e Pyguá, que ficam lado a lado, o que proporciona shows ininterruptos, rock direto e sem intervalo.
Ainda pode sobreviver uma curiosidade, e diz respeito ao nome do centro cultural. Martim Cererê é o nome do mais conhecido dos livros do escritor modernista Cassiano Ricardo. É um poema indianista e nacionalista longo, uma saga em que o índio, o branco e o negro tomam posse e inventam um novo país, o nosso país. Cassiano Ricardo, que morreu em 1974, foi membro da academia brasileira de letras, com mais de 50 livros publicados e se valeu do parnasianismo, do simbolismo, do modernismo, do neo-romantismo e do concretismo para fabricação dos seus poemas.
E vai ser nesse local, com tanta história, poesia e simbolismo que vamos receber nesse ano o Dead Rocks, a banda de hoje. Desde 2002 em atividade, o Dead Rocks é uma das boas bandas de surf-music nacional, vindos do estado de São Paulo e já tendo tocado por inúmeros países do mundo inteiro. Surf-music foi um dos estilos poderosos nos anos 60, e voltou recentemente a ser foco das atenções graças às trilhas sonoras de Quentin Tarantino. E não dá para não lembrar de Pulp Fiction ao se ouvir as guitarras harmônicas da surf music. O CD dos Dead Rocks, chamado “International Brazilian Surfs” é uma peça preciosa, confesso que eu fiquei surpreso. Não sabia que surf music podia ser tão boa. Quer saber? Os caras são indecentes! Além das muitas músicas próprias, cheias de criatividade e riqueza, eles fazem uma versão corajosa de “As rosas não falam” do Cartola que arrepia. E, na minha opinião a pérola do disco, uma versão surf-music para “Preciso me encontrar” de Candeia, a música belíssima que já foi gravada pela Marisa Monte e que embala a cena onde o personagem Cabeleira é executado pelos policiais no filme “Cidade de Deus”, com direito a inserção do início do áudio da cena do filme. Não é por acaso que esses malucos são super respeitados na Europa. Dead Rocks é loki!! O site dos caras é o www.rockisdead.org, e essa é a música bela que eles fazem. Vou até me calar, para vocês poderem ouvir os gritos desesperados da amada do Cabeleira. Compensa.

Aqui é o Inimigo do rei, direto de GOiâniaTown. Agora, a gente só está esperando a hora!
Há braços!


E para os xiitas do rock eu ergo meu dedo médio. – Segunda parte, a ciência.

Semanas atrás me servi de uma preciosidade para expressar algo de revolta e indignação com a cobrança xiita de posturas e atitudes, e Álvaro me foi muito generoso ao servir-se perfeitamente aos meus propósitos, mas tenho a firme convicção de que estamos vivendo novamente um fenômeno "Surfista Calhorda" nessa discussão do rock independente.

O fenômeno "Surfista Calhorda" é o seguinte: nos anos 80 a banda gaúcha Replicantes lançou a música com esse nome, e fez sucesso nacional, tocando em rádios, vendendo discos ("O futuro é vórtex" da banda e "Rock Grande do Sul" um pau de sebo da região) e mostrando a cara para o país todo. E disseram que a música gerou um fenômeno interessante entre os surfistas, isso porque a música falava do Surfista calhorda, que é aquele sujeito que tem carrão invocado (hoje diríamos "tunado"), é estudante careta de direito, sustentado por mesada de família, mas com pose de durão, surfista e com atitude. Todos os surfistas "de verdade" sentiram-se vingados com a música, pois ela falava diretamente daquele monte de bocoió que fingia ser surfista e só atrapalhava nas praias e nas ondas. E aqueles que eram surfistas calhordas "de verdade" não admitiam isso, e também adoraram a música, por achar que ela se referia a outros, que não eles. Ou seja, todo mundo adorou a música!!
Com o último texto aconteceu esse fenômeno, ninguém admitiu-se xiita nas discussões levantadas e todos acharam que o texto apontava bem o dedo na cara de quem "caga regra" na cena rock independente. Que beleza, não? Não existem xiitas, radicais, fanáticos, ditadores, são todos legais, gente fina, libertários e outros adjetivos que preguem espaço total para atitude particular e própria. Pois então para apimentar o texto eu assumo: eu já tive atitude xiita! Sim, é isso mesmo, (como eu digo no Loaded – www.loaded-e-zine.com) eu tive comportamentos xiitas, autoritários e babacas. Uma dessas vezes aconteceu numa discussão na comunidade da Anti-Records, selo do frito Richard daqui de GoiâniaTown, quando um sujeito da terrinha, conhecido por nome Renato (ex-Obesos, puta banda!) expressou sua indignação com uma comunidade muito freqüentada da cena, e eu respondi com toda a pompa e circunstância que o momento NÃO pedia, tá aqui pra quem quiser ver - http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=10440997&tid=2454973044070615179 – e mesmo com a discussão tomando rumos saudáveis, eu assumo que fui um palerma ao responder a crítica do Renato com pedrada, bancando o dono da verdade, exatamente o que condeno no texto anterior. Renato foi generoso comigo e trocamos alguns scraps e discutimos algumas coisas e agora só falta ele me pagar uma cerveja ao vivo para nos considerarmos amigos verdadeiramente. rs
Acontece o seguinte, pensar diferente é natural e saudável, criticar os outros é super natural também (ou alguém aqui vai em festa de casamento e não fica criticando os outros?), mas o problema reside quando passamos a ignorar que por trás dos comportamentos do outro existe um mundo, uma história, uma vida. Coisas dignas de respeito e consideração. Me lembra a teoria dos Modelos Mentais, que é um termo criado nos anos 40 por um psicólogo escocês chamado Kenneth Craik. Segundo ele Modelos mentais são as crenças, imagens e conceitos profundamente arraigados que temos sobre nós mesmos, nosso mundo, nossas organizações e como nos encaixamos neles. Ou seja, nossa forma própria e particular de ver o mundo.
Só para exemplificar, em "A República" o filósofo grego Platão conta o Mito da Caverna, no qual um grupo de habitantes do subterrâneo confundem as sombras que eles vêem na caverna com a realidade. Quando uma das pessoas descobre a verdade sobre a origem das sombras e tenta compartilhar sua descoberta com os demais, eles se voltam contra ele e o massacram. Isso apresentado de forma reduzidíssima serve para mostrar que o Mito da Caverna já anunciava a teoria dos Modelos Mentais, que hoje serve de divergência entre gente de todos os cantos. Por exemplo? Minha crítica à forma "miguxa" de escrever do Renato foi respaldada pelo meu Modelo Mental, que condena a pouca leitura, que critica a falta de informação e que associa "nauns" e "sohs" com tudo isso condenável apresentado anteriormente. Mas se eu parasse para pensar um pouco apenas, chegaria à conclusão de que pessoas que usam abreviações e termos internéticos em mensagens de orkut não necessariamente são pessoas sub-literatas, como o Renato me mostrou nos scraps posteriores, expressando-se de forma clara e inteligente. E ainda mais, eu chegaria também à conclusão de que pessoas que realmente são sub-literatas não são necessariamente piores que alguém com leitura. Olha que babaquice a minha!
No texto anterior eu me vali da poesia e anunciei que esse texto seria baseado na ciência, pois então mergulhemos de vez nos conceitos científicos dos Modelos Mentais, e antes que alguém reclame; sim pode ser pesada a leitura. Segundo os estudiosos do assunto todos possuem modelos mentais, o que pode se reduzido ao comentário clássico de que "todos possuem cultura", o que é a mesma coisa. Segundo o teórico cognitivo Edward DeBono "modelos mentais são o resultado de um processo psicológico no qual redes neurais de seu cérebro trabalham para categorizar e organizar o infinito fluxo de complexas informações que você absorve todos os dias" , ou seja, os modelos mentais são gerados pelo processo de organização das informações cotidianas.
Modelos mentais nos levam a tratar nossas inferências e opiniões como fatos concretos e inquestionáveis, costumamos ver nossos modelos mentais como o fato, e por isso ficamos surpresos (e algumas vezes indignados) quando vemos alguém que não pensa como pensamos. O problema começa quando sabemos também que modelos mentais sempre são incompletos, porque é impossível absorvermos todo o mundo, e isso influencia nosso modo de ver o mundo. Com base em nossos pedaços de informação interpretamos o mundo inteiro e as pessoas ao nosso redor, e aí entramos em uma roda viva sem fim, porque os modelos mentais influenciam os resultados que colhemos, e com isso reforçam a si mesmos. Uma vez que escolhemos uma crença sobre o mundo, ela tende a se tornar muito mais arraigada, porque passamos a selecionar estímulos referentes a ela.
Por exemplo, eu como busco utilizar conceitos e paradigmas da minha atividade profissional, poderia ser tentado a ver os "toscos por opção" (copyleft by Type) como preguiçosos ou desleixados, e da mesma forma os "toscos por opção" poderiam ser tentados a ver meus esforços como vendidos, neoliberais ou marketeiros. Mas aí reside um problema de gênese, porque os modelos mentais freqüentemente ultrapassam sua utilidade, ou seja, determinados modelos mentais tiveram alguma utilidade em algum momento, mas ficam ultrapassados eventualmente. Não preciso acreditar a vida inteira em algo que acreditei a quinze anos ou a quinze minutos, porque sou uma criatura em constante transformação, crescimento, evolução e (r)evolução. Isso me faz passível de aprendizado, e esse é o exato momento em que passo a ver que a "tosqueira por opção" é apenas isso, uma opção. Não se trata necessariamente de falha ou erro, mas uma preferência diferente da minha. Tenho todo direito de criticar, mas não posso basear a crítica numa verdade que é somente minha, não posso então ignorar que para muitos aquela é a verdade.
Quer um outro exemplo? Uma vez cientistas descobriram que a menor partícula subatômica, chamada neutrino, possuía massa e peso mensuráveis. Pode parecer um exemplo besta, mas isso significa muito, porque aceitava-se que os neutrinos não possuíam peso nem massa. Essa descoberta levou os cientistas a rever seus estudos para considerar esse fato, e toda uma gama de conhecimentos precisou se adaptar à nova realidade.
De forma objetiva o que quero dizer é que fazemos nossas opções ideológicas, estéticas, políticas, musicais, ou qualquer outra opção baseados em nossos modelos mentais, e por um tempo (variável de acordo com a situação e/ou a pessoa, claro) esses modelos são válidos. Mas não posso me arvorar a petulância de condenar alguém ao calvário simplesmente por pensar diferente de mim, já que o mundo visto pelos olhos do outro pode ser – e certamente é – bem diferente. E antes que me condenem o rótulo de autoritário ou censor de liberdades individuais, não quero deixar implícito que não se possa criticar as posições ou opiniões do outro, mas antes quero deixar claro que a verdade absoluta não existe, ao menos não existe para nós criaturas que vivemos na caverna.
Saber entender o ponto de vista do outro pode ser pedir muito para mentes tacanhas, mas ter o mínimo de educação para apontar as falhas encontradas não é exatamente grande esforço.
Aos príncipes meus irmãos, xiitas detentores da luz e do saber, possuidores da verdade absoluta do universo, apenas peço-lhes esse cuidado, pois a cena rock independente já possui obstáculos inúmeros para enfrentar, não precisa de dissidência burra e mal-feita para dinamitar as poucas pontes que forem construídas. Existem pessoas para todas as vertentes musicais, estéticas, ideológicas e estilísticas existentes, em todas as cidades que vemos a cena se desenvolvendo, o que se faz necessário é buscar dirigir-se ao seu público, gerar esse público e esse círculo virtuoso de crescimento e melhoria, a cada um do tamanho da sua fome, no limite de seu esforço.
E isso, antes de ser marketing, é anarquia.


Na terceira parte, o popular.



Eduardo, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com

E para os xiitas do rock eu ergo meu dedo médio. – primeira parte, a poesia

Nunca conheci quem tivesse feito merda!

No meio rock independente todos os conhecidos tem sido campeões em tudo. Sabem exatamente como se comportar, o que fazer, o que falar, aonde ir, que roupa usar, o jeito certo, a forma exata de se comportar. Todos possuem receitas certas e definitivas do que é ser rockeiro, punk, independente, alternativo, regueiro, hippie, boy, com atitude ou vendido. E rotular e apontar o dedo e mostrar as falhas é um esporte tão praticado e venerado, que por momentos parece que vivemos novamente tempos de inquisição.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, tantas vezes velho, tantas vezes ingênuo, tantas vezes diferente, tantas vezes querendo ser profissional. Mas que ao crivo da inteligentsia dos rockeiros me torno apenas indesculpavelmente sujo. Eu que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar cerveja quente.. Eu que muitas vezes não tenho tido o cuidado de ficar calado e não me manifestar. Tantas vezes que sou ridículo, absurdo. Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes do código de comportamento rocker, que tenho sido arrogante ao tentar propor algo diferente. Que tenho sofrido enxovalhos, mas não me calo. Parece que não aprendo.

E que quando não me calo, tenho sido mais atacado ainda. Eu que quando a possibilidade da briga surgiu, me afasto para longe dela, por não acreditar que bater boca seja produtivo, por não querer agredir nem ser agredido, por querer participar.

Não eu, mas nós (porque somos muitos), que temos sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, começamos a pensar que não temos pares nisto tudo neste mundo. Toda gente que conhecemos e que fala conosco, ou tecla conosco, nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe, todos eles príncipes na vida.

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana que me confessasse que não concorda com o pregado pelo baluarte da cena, que não precisa atacar para se defender, que acredita que colaborar não é fraqueza. Que me contassem não uma violência, uma crítica, uma chacota, mas uma covardia, uma fuga, um medo. Não. São todos o Ideal, se os ouço e me falam. Sabem exatamente o que é bom, o que é o jeito certo de pensar, o que confere credibilidade, o que agrada, o que está no manual "Como ser rockeiro – for dummies" ou "Tenha atitude em 10 lições".

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez cometeu algo fora do padrão, que foi a uma rave, que ouviu funk pancadão, que dançou reggae com sua amada, que seguiu alguma moda boba quando adolescia. Que uma vez – de acordo com as regras – foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos!

Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente na cena rock independente? Então só eu que sou covarde, fraco, medroso, tenho emprego, quero dinheiro e conforto, gosto de cerveja gelada e detesto filas? Só eu sou vil nesta cena? Só eu que quero alguma melhoria?

Poderão as mulheres não os terem amado, podem ter sido traídos – mas ridículos nunca! Emo nunca! Regueiro nunca! Funcionário nunca! Sério nunca!

E eu que tenho tentado trazer o que sei da minha profissão para o rock, como posso falar com tantos superiores sem titubear?

Eu que tenho sido vil, literalmente vil.

Vil no sentido mesquinho, infame e neoliberal da vileza.

Meus agradecimentos à Álvaro de Campos, e meus parabéns a quem sabe o porque desse agradecimento.

Na segunda parte, a ciência.

Eduardo, O Inimigo do rei

eduardoinimigo@gmail.com