segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Diferença Diferente





Realmente eu não sei por quê. Mas aos seis anos de idade minha mãe me fez essa tatuagem. Bem, fez não, mandou fazer. Me levou ao tatuador, me sedou e quando eu acordei tinha o braço direito todo tatuado. Lembro que doeu muito nos dias seguintes, e eu não podia passar a mão e nem sequer tomar banho direito. Ficou muito inchado, por muito tempo. E quer saber? Eu nunca tive muita certeza sobre quem era mais maluco, se minha mãe ou o tatuador. Porque fazer um tatoo num guri de seis anos é maluquice. Não é?

Na escola foi difícil demais, todos os moleques queriam ver, perguntar, entender. Como? Nem eu entendia. Me sentia excluído, porque eu era muito diferente. Qual outro guri de seis anos de idade que você conhece com o braço direito todo tatuado?

Tive que mudar de colégio várias vezes, porque os professores estranhavam, os funcionários estranhavam, os pais estranhavam e normalmente nesse momento eu estava causando muita movimentação, e logo minha transferência estava pronta.

Com o tempo eu aprendi a esconder minhas tatoos, e deixá-las à mostra só quando me interessava. Usava mangas compridas, máscaras de queimadura, usava o braço numa tipóia dentro da camisa. O mais doido foi que eu comecei a gostar de ser diferente, acho que eu percebi que não tinha escolha e aí foi fácil ficar inventando formas criativas de esconder meu braço pintado.

Eu passava dias bolando novas idéias de como não mostrar o braço, e isso me divertia montes. Quando eu queria ser respeitado, mostrava o braço e logo tinha um par de olhos esbugalhados em mim. Se eu queria impressionar de verdade, aí eu tirava a camisa.

Eu gostava muito de ir aos shows de rock que havia na minha cidade. Naquele tempo, minha cidade era conhecida por ser um centro mundial de rock, coisa de lugar grande, sem ser lugar grande. Legal isso, né? E nos shows, quando eu tirava a camisa, isso causava um auê danado. Claro que isso era mais chocante porque nessa época, eu só tinha dez anos. E um moleque de dez anos com o braço direito todo tatuado era algo que não se via muito mesmo.

Com o tempo e o meu crescimento, as tatuagens começaram a borrar, a ficar esticadas, como um fax que você puxa antes da hora. E eu pensei em fazer os contornos, ficar tipo uma obra de arte moderna, mas minha mãe não deixou. Isso foi bom, porque hoje eu tenho nojo desse troço que chamam de arte contemporânea. E eu fui vendo elas se esticarem lentamente.

Por causa das tatoos, eu acabei convivendo sempre com gente mais velha, e aí eu sempre era o caçula dos grupos que eu me metia. Gente da minha idade, normalmente tinha medo de mim.

O que eram? Tribais, todas. Como os maoris, sabe? Coisa de guerreiro mesmo. Cobrindo todo meu braço direito. É bem verdade que as originais, que foram feitas aos seis anos de idade, essas quase não são visíveis mais, porque esticaram tanto que perderam a cor, e depois dos dezoito anos, minha mãe me deixou fazer novas tatoos. Eu tenho fotos das originais, e quando eu mostro as fotos todo mundo arrepia: “Úia o braço do moleque!!! Carai!!”

Por que ela não me deixou fazer outras tatoo antes dos dezoito? Sei não. Mas eu não reclamava, porque minha mãe, mesmo sendo meio maluca, era uma grande mãe. Trabalhadora, esforçada e muito carinhosa. Não me lembro de momentos com ela que não foram legais e divertidos, e naquele tempo tudo que me fazia falta era carinho. Eu era sempre o diferente, então as pessoas não se permitem muita proximidade de um diferente, mas minha mãe me supria de carinho, ternura, calor, essas coisas que realmente te fazem sentir gente, sem ter que se explicar ou justificar nada. Só ser o que você é. Minha mãe me permitia isso, ser eu mesmo. Não era um monte de tatoos, era uma pessoa amada.

Não, meu pai eu nunca conheci, não sei quem é ou quem foi. Deixa pra lá!

Depois que eu cresci, talvez as tatuagens não fizessem muita diferença, numa cidade estranha, mas na nossa cidade todo mundo sabia que eu era o “guri tatuado”. Me tornei tal como um personagem típico da cidade.

As tatoos nunca me impediram de nada, eu estudei, namorei, dancei, fiz sexo, acho até que fiz muito mais sexo por causa das tatoos.

Eu era respeitado por elas.

É bem verdade que as tatuagens maori eram feitas principalmente no rosto, mas as que foram feitas no meu braço seguiam as mesmas linhas. E quando eu descobri que essas tatuagens eram feitas somente em grandes guerreiros ou membros da nobreza maori, aí eu realmente me senti um privilegiado. Isso fez um bem danado para minha auto-estima, porque eu simbolizava um guerreiro, e qual guria não queria andar com um poderoso guerreiro nobre?

Lembro que eu nem me metia em brigas na escola, porque as pessoas sabiam que eu tinha atravessado horas de tatuagem aos seis anos, o que eu não podia agüentar depois disso? Corajoso ou louco, eu não era alguém para ser provocado.

Meu acidente? Que acidente? Ah, não! Isso é de nascença, eu nasci sem o olho e a orelha direita. Nunca senti falta, acho que até meus cinco, seis anos de idade, antes das tatoos; alguns moleques pegavam no meu pé, mas depois de eu ter surgido coberto de tribais no braço direito, ninguém ligava de eu ter somente um olho e uma orelha.

É verdade.... agora me lembrando eu vejo que pararam de encher minha paciência pela questão do olho e da orelha depois que fiz minhas tatoos.

Mas, realmente, até hoje não sei por que minha mãe mandou me tatuar...

Vai entender.
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
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Um comentário:

Anônimo disse...

Eu ando de saco cheio de ser diferente... Tenho que aprender a usar a minha diferença a meu favor. Arrumar uma "tatuagem" para disfarçar algumas atitudes diferentes ou melhor dizendo, "tipicamentes da Simone".
As pessoas nos elogiam quando a nossa diferença, faz diferença (tremenda diferença) na vida delas. Quando a nossa diferença incomoda o quartinho tranqüilo de suas vidas, a gente é doente, chata, perfeccionista, atípica da maioria...rsrs Phoda. Mas, estou começando a não dar ouvidos para o que os outros dizem o andam pensando de mim.
Eu sou o que sou e.
Mas, que seria legal arrumar uma "tatuagem", para descansar a minha cabeça da minha diferença... isso seria...rsrs

Eduardo, você, fantástico como sempre!
Salve! Salve!