quarta-feira, 29 de março de 2006

"Eu sabia que eu ia brilhar!"

Uma vez eu vi uma pichação num muro daqui de GoiâniaTown que dizia mais ou menos o seguinte:
"Eu sabia que eu ia brilhar! disse o fogo de artifício, e se apagou"
Lembrança essa que me remete à Dédalo e seu filho com complexo de mariposa – foi atrás da luz e se deu mal. Tudo isso para apontar o rumo da conversa para o lado dessa coisa sedutora, mas perigosa, o brilho. E conseqüentemente alguns corpos que emitem brilho, as estrelas.

A idéia original desse texto é do Nettü Regert, diretor da Associação Pró Rock de Vilhena – RO e baixista da banda Enmou, e surgiu numa prosa eme-esse-ênica dia desses, em que ele comentava sobre o tanto de gente que quer ser estrela na cena rock independente. E nem discutíamos a exclusividade dessa cena para criar figuras desse tipo, porque sabemos mui bien que gente assim existe em todos os ambientes e grupos possíveis. Mas é que escolhemos fazer alguma coisa no meio desse povo nosso aqui, e gente que sobe em gilette pra fazer discurso realmente enche o saco.Porque estrela é um corpo celeste que possui luz graças aos fenômenos e reações termonucleares que ocorrem dentro dela, ou seja, o corpo celeste produz a própria luz, às custas do próprio esforço, consumindo-se para realizar esse intento. Não é como uma Lua qualquer que simplesmente reflete a luz dos outros, e já adianto que não vou mergulhar profundamente em questões astronômicas porque posso levar bronca de gente mui próxima na eventualidade de cometer alguma barbaridade aqui. Teremos, portanto, somente o suficiente para alimentar a fogueira.
Porque, se nos basearmos no parágrafo anterior e fizermos uma avaliação das pessoas que compõem os eventos e ambientes do rock independente, veremos que muitos ainda se envolvem com o rock na busca de reconhecimento, destaque e as coisas que usualmente (utopicamente, convenhamos) acompanham, ou seja, sexo, dinheiro, sucesso e afins.Bão... começando de trás para frente, sabemos muito bem que o rock independente não se presta tão rapidamente a oferecer-nos sexo, sucesso, fama, dinheiro e fortuna (sim, dinheiro é uma coisa, fortuna é muita coisa). O rock independente nos oferece antes a possibilidade de muita ralação, muito esforço e conquistas gradativas e muitas vezes, pequenas, e isso tudo quando contamos com o apoio de muitos pelo país inteiro (leia-se Fora do Eixo e Abrafin, por exemplo). Então quem entra nessa para "se dar bem" pode se frustrar rapidamente, e perder o ritmo.
Agora quem entra querendo ser destaque, ou se falarmos de forma direta, quem entra nessa "querendo aparecer", esses já possuem melhores condições de satisfação, porque nos shows, festivais e bares onde o povo rock se encontra, muitas são as oportunidades de ser reconhecido pela galera do rock, de ouvir comentários da galera do rock, de ser elogiado pela galera do rock, e por aí vai. Ou seja, existe a possibilidade de "aparecer", mas para um público restrito e seleto, e esse aparecer também é bastante relativo.
Digo isso porque nas vezes em que dirigi peças de teatro, sempre deixava claro para o elenco que quem faz teatro, mais que querer se expressar, viver a arte, exercer a sensibilidade, a pessoa que faz teatro quer aparecer. E como pendurar melancia no pescoço pode dar problema de coluna, muitos escolhem subir num palco e se destacar da multidão. E não há mal nenhum em querer se destacar da multidão, querer aparecer ou coisa semelhante, porque é um desejo legítimo e digno como qualquer outro, e que bom que existe o palco para oferecer esse destaque. Lamento mais pelos que se contentam em ficar eternamente na platéia, em meio à multidão, sem correr risco, sem ousar e sem criar.
Mas o problema é que muitas vezes os ansiosos por brilho querem muito e muito rápido, e ignoram o risco de se extinguir na metade do tempo, como aquela expressão que diz que a lâmpada que brilha duas vezes mais forte se extingue duas vezes mais rápido, ou seja, na metade do tempo. Me lembro de um show que fui no Martim "Serelepe" (esse termo é criação do Fernando Pudim. Gostei, CTRL-C, CTRL-V) de umas bandas iniciantes num fim de semana sem rumo na cidade. Eram bandas que estavam fazendo o primeiro show, a maioria com uma garotada ainda sem idade para tirar carteira de motorista, e um dos shows de uma das bandas (que eu realmente não lembro o nome) tornou-se inesquecível. O vocalista da banda era um cara cheio de pose, com óculos escuros, cabelo loiro desgrenhado, camisa aberta no peito magro, olhar blasé, empunhando sua guitarra de forma relaxada, bem rockstar mesmo; e no meio do show ele comete essa: "Minha cerveja acabou, providenciem outra", como se fosse o próprio Bono. A platéia, quase toda composta de amigos e parentes, ficou num estado de "Ãn?" que seria engraçado se não fosse tão constrangedor.
E o loirinho ficou lá, com a lata vazia na mão, olhando em volta e esperando os roadies (que não existiam) ou as groupies (que também não existiam) ou o produtor da banda (que... bom, já sabe, né?) trazer a cerveja pra ele. Tá loki?
Sim, subir num palco, fazer um programa de rádio virtual, montar um selo, escrever para sites, tudo isso dá destaque sim, porque você tá mostrando sua cara e suas idéias e arcando com o preço disso, mas daí a ter brilho, reconhecimento, aí já vão outros quinhentos kilômetros. E essa distância se compõe de coisas como qualidade, oportunidade, coerência, adequação, dedicação, esforço, suor e um monte de outros detalhes que fazem toda a diferença, principalmente quando falamos de bandas numa cidade como GoiâniaTown que tem mais roqueiro que gente. Alguns dias, em finais de semana, temos dois eventos acontecendo, com quatro ou até mais bandas em cada um, então para se destacar nessa multidão de bandas, tem que ser muito boa. Do mesmo jeito para ser destaque como produtor de shows, como dono de selo num cenário nacional como o atual, em que tem tanta gente boa ralando bastante, tem que ter serviço prestado, tem que ter suor na engrenagem, não basta querer ser bom, tem que mostrar o resultado.
Mas infelizmente tá cheio de gente que acha que antes da responsabilidade de assumir o que se fez, vai surgir o reconhecimento pelo esforço empreendido (que nem sempre é tanto esforço assim, sejamos sinceros) e os louros (ou as louras) da vitória lhe serão gentilmente oferecidos. Tá viajando! Primeiro porque até ser reconhecido como uma estrela, com brilho próprio, consumindo o próprio hélio ou hidrogênio, tem muito pasto pra ser digerido, tem muito suor e esforço. Vai tomar pedrada, vai ouvir o que não quer, vai ser mal interpretado, vai ser cobrado em atitudes que não quer ter, vai ter que assumir compromissos chatos e muitas vezes burocráticos, enfim, não é só alegria.
Quantas vezes a vontade é dizer "Mermão, baixa a bola!" para gente que tá inchado sem necessidade, mas eu ainda acredito que não posso dizer tudo que penso. Nem sempre convém, e se eu fosse lá dizer para o loirinho da cerveja acabada que ele tinha que baixar a bola, ele ia me olhar com cara de "Te conheço?" e meu comentário não ia adiantar nada. Aí o metido, posudo, seria eu, achando que minha opinião tem importância pra alguém.
Acredito muito mais em constante questionamento e reflexão, mas isso pode ser coisa de quem tem mais de trinta e que já quebrou a cara uma porrada de vezes suficientes para duvidar quando as coisas parecem ir bem demais. Por isso sou chamado e acusado de ser marketeiro, mas realmente eu vejo minhas atividades de forma marketeira (pronto, assumi! rs) e com base nisso sempre querendo melhorar, de acordo com o que quero expressar e de acordo com o meu público alvo. Assim não fico acomodado achando que não existem mais maneiras de melhorar (e sei que existem milhões delas), sentado num trono fictício, me deliciando com uma vitória que ainda não conquistei. Quer prova disso? A ausência nesse texto de um tema que sempre abordo, mas que alguns leitores estavam sentindo que era incômodo, desnecessário e forçado. Ouvi, digeri (não é fácil, mas eu tento), refleti e vi que realmente não tinha necessidade de ficar sempre batendo na mesma tecla. Sei que preciso melhorar demaaaaaaaaaais em um monte de coisas, e não posso negar fontes preciosas de informação na hora de avaliar meu desempenho.
"Sucesso" só vem antes de "Trabalho" no dicionário, e mesmo sendo uma expressão velhusca, é verdadeira ao extremo. Então quem quer destacar, bota a cara na janela e grita, já consegue.
Agora quem quer brilhar, começa a ralar bastante, porque aí o caminho é mais difícil, e porque estrela cadente brilha, mas não possui luz própria, é só um pedaço sólido de algo pegando fogo por causa do atrito com a atmosfera; e para pegar fogo no espaço não é necessário muito esforço, basta cair bem rápido.
Nettü, valeu pelo argumento!
Eduardo, O Inimigo do rei - eduardoinimigo@gmail.com

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