quarta-feira, 29 de março de 2006

Então eu não posso dizer que isso é uma merda??

Quem quer ser crítico? Não digo ser uma pessoa que tenha senso crítico, mas minha pergunta se refere a comentar shows e discos, tecer esses comentários que geram tanta confusão ou incenso, dependendo do lado que se atira.

Quem quer ser? Eu até gostaria, mas não posso, não tenho informação suficiente, mas tenho menos discernimento ainda. Isso porque acho que gosto de tudo, de forma meio esquizóide. Prefiro rock pesado, mais especificamente ainda punk rock, do tradicional, que ouvíamos nos anos 80 enquanto dançávamos na rua com a cara cheia de vinho barato. Não sou o primeiro a dizer que as opções e vivências da adolescência são marcantes e definitivas para uma vida inteira, nem acho que sou o segundo a dizer isso, mas definitivamente sou uma prova viva. Mas eu estava falando de gostar de punk rock, e acrescento que isso não me impede de gostar muito do som MPBístico "da floresta" do Los Porongas, do instrumental hendrixiano do Macaco Bong, do som inglês do Violins e da brutalidade eficaz do Ressonância Mórfica. E posso até estar ofendendo alguém com esses rótulos que usei, porque realmente não tenho muita noção.Esse é um ponto forte do problema: a minha inépcia em avaliar um show, ou um disco ou uma banda de forma crítica. Porque para ser honesto, eu sou raso demais para dizer qualquer coisa além de "gostei" ou "não gostei". E isso realmente não me autoriza o papel de crítico. Seria muito fácil para qualquer um dinamitar um crítico desses.
Por exemplo, se eu digo que "não gosto de Picolé de Nervo", alguém pode me perguntar porquê, e eu não ia conseguir desatar esse nó.Isso porque o crítico, de onde eu vejo, tem que possuir algo além do conhecimento vasto em música e assuntos congêneres. Fazendo uma apropriação não literal do que diz o "personagem" Lester Bangs em "Quase Famosos" ("Almost Famous" de Cameron Crowe), o crítico precisa ser impiedoso, e isso não é algo distribuído em cestos de brindes no fim do ano. Muitos até são impiedosos o suficiente para dizer "gostei" ou "não gostei" numa conversa de bar, comentando o show, mas o crítico coloca a cara na janela e grita isso para todo mundo saber quem disse. Tem que ter cojones, tem que se responsabilizar.
Responsabilidade. Essa palavra é muito importante para todo aquele que ousa se tornar crítico, porque tudo que ele disser será documentado e registrado como a opinião dele, e isso vai balizar todos os leitores dali em diante. "Lembra o que ele disse do cd do Allface?", e para sempre isso será a base em que muitos leitores vão se apoiar para decidir ler ou não mais um artigo publicado.Responsabilidade. Porque na situação de um crítico que conta com credibilidade, uma opinião desfavorável irresponsavelmente proferida pode detonar o trabalho de uma banda. E vejam bem que isso nos leva a uma outra questão importante, que dá nome ao texto; então não pode dizer que o troço é uma merda? Não pode. E pode. Talvez..."Mas eu achei uma merda!!". Mas isso não se diz do trabalho dos outros, é feio, é mal educado, e quem faz isso deveria ir pro castigo. Pode-se dizer tudo, todos os pontos negativos, oportunidades de melhoria, falhas, use-se o nome que quiser, mas que se tenha cuidado ao dizer isso, e nessa pequena distinção reside uma diferença enorme.
O maior problema que surge quando alguma crítica negativa aparece é o velho argumento de que "precisa respeitar, é o trabalho do cara, deu suor para fazer isso". Mas se o suor do cara só conseguiu produzir um material de terceira qualidade, duro de ouvir, ruim de agüentar, como você vai dizer que está bom e que ele está de parabéns? Impossível. Até porque se lembrarmos dos ratos de Skinner, ao se elogiar um trabalho meia-boca de alguém, reforça-se esse comportamento; e aí o sujeito não vai ter motivos para procurar melhorar o trabalho dele se já está bom. Vai ficar fazendo porcaria o resto da vida.E também não é porque alguém se esforçou para fazer que isso já garante imunidade á pancadaria. Se fez, suou, batalhou, mas alguém não achou bom, tem todo o direito esse alguém de falar o que pensa. E se o músico se sente atingido pelo comentário de alguém que não gostou, e começa a exigir tratamento diferenciado porque está fazendo arte, aí reside um equívoco. O sujeito quer o tratamento e a avaliação como arte, mas quer o lucro como produto. Uai?
Mas no fim das contas não importa tanto O QUE se diz, mas COMO se diz. Existem milhões de formas de sermos construtivos na hora de se avaliar o trabalho de alguém, e isso faz muita diferença para quem ouve. Uma coisa é se escutar algo que você pode deglutir, digerir e usar para melhorar, outra é tomar uma bolada na testa que somente abala sua auto-estima.Por exemplo, depois que comecei a escrever esses textos e participar dos sites como colunista (ou articulista, ou seja lá o que for o rótulo) já ouvi muita coisa legal e generosa, mas tomei muita pedrada também. Algumas pedradas foram elegantes, inteligentes e me fizeram pensar, rever minhas certezas, mas outras pedradas foram só isso, pedradas.
Me lembro de uma em especial de um guri - que eu não conheço pessoalmente - que se auto-denomina carniceira (ou bagaceira, ou enceradeira, sei lá, algo parecido com isso) que gentilmente me mandou um scrap me chamando de "Velho Nojento" e me mandando fazer algo que prefiro não repetir. É íntimo demais.Velho nojento. O que eu faço com uma informação como essa? Não posso – infelizmente – voltar aos meus vinte anos, tenho trinta e cinco e isso é um fato de realidade. Sobre ser nojento, ele não me ajuda ao não definir, e eu não sei o que poderia melhorar na minha higiene, ou no meu jeito de falar, ou na forma como escovo os dentes... diabos! Eu não sei porque sou nojento. E o enceradeira (ou carniceira ou bobageira ou bagasseira, não lembro) então me condena a sofrer por ser isso tudo e sem possibilidade de mudança. Pense em tamanha crueldade, e eu seguindo minha vida tentando não ser nojento, sem saber se estava conseguindo atingir esse objetivo.
Outro exemplo recente aconteceu na comunidade no orkut da Revista Bizz quando um participante chamou um evento Fora do Eixo (o Grito Rock, de Cuiabá) de "lixo". Se ele dissesse que a organização era falha (coisa que não foi), ou que TODAS as bandas fossem um desastre (o que não eram), essas opiniões – frise-se isso, são opiniões – deveriam ser respeitadas e isso poderia até gerar um debate acalorado, com pancadaria verbal, réplicas, tréplicas e por aí vai. Mas seria um debate baseado numa opinião pessoal, que o opinador tinha todo o direito de emitir. Mas quando ele diz "lixo", ele simplesmente desdenha, agride, ofende, tenta humilhar (coisa que não conseguiu) e parecer superior. Na verdade o ato só o rebaixa. Mas isso foi numa comunidade de orkut que prima pelas agressões, o que parece ser a brincadeira favorita deles, então releve-se.
Agora quando o crítico vai analisar um CD, por exemplo, que realmente envolve muita gente trabalhando, muito tempo de esforço, muita grana, aí é necessário muito cuidado. Claro que um crítico de música recebe muito mais coisa para opinar do que ele gostaria, e muito disso tudo é coisa que ele não gosta de ouvir, e precisa ouvir por obrigação. Isso realmente não facilita a atividade e a análise, convenhamos. Além disso, nem sempre tem tempo suficiente para fazer uma avaliação cuidadosa e balizada, mas precisa atender exigências de pauta e pressões do mercado capitalista (condenado por muitos, mas vivido por todos) da empresa em que trabalha. Dureza!E todo mundo tem seus preconceitos, suas manias, suas idiossincrasias e isso afeta diretamente o texto apresentado. Se eu sou solicitado a ouvir um CD de axé, já vou ouvir com o ouvido torto, por tanta garrafa e dança disso-ou-daquilo que já ouvi e sofri para agüentar. Mas a boa crítica coloca a opinião particular de quem escreve em segundo plano, nas sombras, alimentando o leitor de informações suficientes que o deixem curioso para ouvir o CD ou ver o show, porque essas informações são o que o leitor procura no texto. O comentário do Humberto Finatti, da Dynamite, sobre o show do Rockefellers no Grito de Cuiabá é um bom exemplo (aqui). Ele começa o comentário falando que não gosta do som que os cabeludos fazem, mas reconhece que o show é detonante, que eles são bons demais no que fazem e que alcançam e superam o que se propõe. Ou seja, qualquer um ao ler aquilo vai saber duas coisas: a primeira é que o Finas não gosta de hard rock cafajeste, e a segunda é que o show dos caras é tudo que precisa ser um show de hard rock cafajeste. Se isso não informa o público, nada mais vai informar.
O crítico então tem o papel de ser aquela antena que capta as informações e novidades (cada segundo mais acessíveis em tempos de inFernet) e apresenta com dados técnicos e que orientam ao seu público. Não se trata de ser guru, não se trata de ser dono da verdade, mas se trata de ser parceiro do seu público apresentando e incentivando o que é bom e já tem qualidade, e apontando aquilo que ainda não possui qualidade. Infelizmente vaidade interfere, e de todos os lados envolvidos (resenhistas, músicos, produtores, etc e tals) surgem atitudes babacas que poderiam ser melhor resolvidas com um bate-papo numa mesa de bar.
Respondendo à pergunta do título, poder dizer que é uma merda até pode, mas não precisa. Fala para ajudar, e isso gera muito mais resultado.
Eduardo, O Inimigo do rei

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