sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

O Inimigo do rei se apresenta ao Baba de Calango

Essa foi a apresentação que eu fiz para o blog do Gustavo, o Baba de Calango http://babadecalango-to.zip.net do Tocantins. Colocar aqui para registro...


Apresentação. É uma coisa tão normal e cotidiana que nem prestamos atenção, e aí quando alguém pede uma apresentação surge esse soluço criativo, de não saber dizer nada por medo de soar bobo. O lógico seria dizer então como começou essa história com o rock e que me traz até aqui.
Como começou?
Aí a memória não ajuda e fica complicado lembrar quando começou o contato com o rock, me lembro de ouvir Beatles sempre muito alto no velho toca-fitas do meu pai. Fuçando entre seus discos e fitas, entre Bienvenindo Grandas e Nelsons Gonçalves sempre era possível achar algum LP de trilha sonora de novela com uma música do Alice Cooper ou outra do Black Sabbath. Não era fácil, mas era possível ir saciando a fome de rock. Meus primeiros discos foram de heavy metal (Kiss – Creatures of the night), antecedendo uma época em que heavy seria moda, passaria na Tv e teria festival milionário. Comprava as velhas SOMTRÊS e entre explicações técnicas de como instalar um twetter no carro, eu encontrava matérias falando de shows na Europa ou discos lançados nos Estados Unidos.
Tudo isso é meio nebuloso, mas me lembro com clareza do dia em que pus as mãos em um disco com a capa amarela e rosa, com o título feito de recortes de jornal e com um palavrão bem destacado: “Never mind the bollocks”. Eu era um moleque que estudava inglês pensando em conhecer a Disney, mas vi muito mais utilidade nesses estudos quando comecei a escutar a voz rasgada e agressiva daquele disco. Guitarra suja, bateria direta, agressividade, raiva, fúria, e eu vi que tinha encontrado o que queria ouvir o resto da vida. Bom, talvez eu não tenha percebido naquele momento, mas eu havia encontrado.
Outro momento marcante e inesquecível foi quando numa tarde quente e despretensiosa, perdendo tempo numa loja de discos, eu vi um LP Branco! Fiquei surpreso quando vi aquele disco branco, imaculado, com um pôster violentíssimo e novamente minha vida deu outra guinada.
Por algum tempo enquanto adolescia, eu ainda vivi sendo punk, até perceber que o que me chamava atenção e gerava identidade não era ser punk, mas era ser libertário, anarquista e ouvir punk rock. Então eu podia ouvir punk rock sem ser punk. E pensando dessa forma eu participei da organização do Primeiro Encontro Anarquista do Centro Oeste e vi que organizar eventos era bastante mais complicado do que eu imaginava, afinal de contas tivemos três participantes no Encontro, e por coincidência eram os três organizadores. Demos risada e fomos embora. Hoje um é artista plástico, outro está morto e eu estou aqui. Nunca mais nos falamos.
Mas eu, talvez por caminhos tortos, tenha sido o que mais se manteve na trilha desenvolvida naqueles anos insanos. E por caminhos bem tortos realmente, porque me mantive ao largo das atividades do rock na cidade durante os anos 90, época da Liga Hardcore de Goiânia, época do Cantoria, época de muitos e muitos zines feitos e distribuídos por goianos visionários. Eu me dedicava à estudar, conseguir um diploma para ao menos ter cela especial em caso de alguma eventualidade (o que se provou bastante útil um dia, mas isso é outra história) e finalmente me tornei psicólogo. Fiz teatro, muito teatro e pensei que nunca mais ia me envolver com rock, me resignando covardemente a ser eternamente um ouvinte atento e curioso. Me apaixonei, casei, arrumei trabalhos, perdi trabalhos, arrumei trabalhos, estava quase virando um “homem sério” quando nova guinada surge na minha vida. Pareço ter um gosto especial por guinadas.
Estava novamente estudando, tentando aumentar as páginas no meu currículo e o meu valor no mercado de trabalho, quando senti que em meio a tantos profissionais gabaritados eu precisava fazer algo diferente, e nesse momento me tornei O Inimigo do rei. Passei a escrever, cooptar comunas que tinham pensamento libertário semelhante ao meu, disseminar informações e incentivar discussões. O Inimigo do rei que havia surgido como um spammer, tornou-se o criador de um grupo de discussão incandescente na inFernet, com gente de todos os lados do país, com gente de todas as cores, todas as ideologias, todas as opções sexuais, todas as matizes e características. Um grupo que chamamos carinhosamente de Vila Inimiga, em que todos são aceitos, todos têm voz, não existe censura, limite, barreira, nada. Existe apenas muita sinceridade e muita responsabilidade, pois todos têm o direito absoluto e inalienável de falar o que bem entende, e de pagar o preço por isso. Esse princípio anarquista nunca me abandonou, e nosso bando de alucinados inimigos e inimigas preserva isso como condição básica de argumentação e convivência.
Essa Vila Inimiga cresceu, nosso grupo de discussão passou da primeira centena de pessoas, e montamos um grupo de teatro, e depois fizemos um zine, e depois fizemos um roteiro de curta metragem, e depois fizemos encontros nacionais, e depois começamos a montar a nossa ONG. E a tudo isso O Inimigo do rei participando do rock na cidade como um ouvinte. Apenas. Mas para não fugir dos hábitos de uma vida de tombos e trambolhões, novamente uma guinada nos rumos se apresentou e numa conversa entre inimigos surgiu a idéia de montarmos uma banda.
Parecia até um delírio, porque aos 34 anos de idade eu já não imaginava que fosse fazer rock. Mas junto de outros três delinqüentes eu entrei num estúdio no dia 31 de janeiro de 2005, para pela primeira vez cantar punk rock num microfone. Nosso baterista, o mitológico Luciano Bocão, também inaugurava sua vida de rocker naquele instante, por estar tocando bateria pela primeira vez. Nosso baixista Flávio Calango e o guitarrista Guga Valente já eram figuras antigas e experientes do rock, e essa mistura de ingredientes inesperados gerou o SANGUE SECO. O primeiro nome da banda era Vulva Dentada, um pesadelo psicanalítico junguiano terrível, mas que infelizmente era um nome muito pesado. Somos homens de família, não ia pegar bem. Dias de discussão e nomes jogados pra cima, até uma conversa no MSN entre eu e Guga que gerou o nome atual. O nome que defendemos e temos muito orgulho. Como disse o Hélio, “ter essa energia aos 35 anos” era algo que eu não imaginava nunca. Energia para carregar esse nome, honrar esse nome, defender esse nome.
O nome que me traz para o rock, agora como frontman e sex-symbol (huahuahuahuahua) de uma banda de punk rock old school. Punk rock como eu ouvia nos antigos anos 80, quando adolescia. Punk rock que tocamos hoje o mais alto possível e em qualquer lugar que nos chamarem, quando ainda adolesço.

E o resto foi muito rápido. O SANGUE SECO lançou um EP, fez shows, eu conheci um monte de gente legal, resolvi que em 2006 eu ia participar ativamente do rock, tentei escrever um texto, daí surgiu outro, outro, e o Gustavo me chamou para participar do Baba de Calango. Por isso estou aqui.

Meu nome é Eduardo, eu sou O Inimigo do rei.

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