sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

InFernet, tecnologia que facilita e complica

Outro texto que saiu no Baba de Calango, o link tá aí do lado.

Sou do tempo da televisão sem controle remoto. Pode parecer incrível para alguns, mas se eu me cansasse da programação que estava assistindo e quisesse ver outros canais eu precisava me levantar para trocar de canal, e desde essa época romântica eu sempre achei incrível a tecnologia. Achava fantástico como aquelas pessoas apareciam na tela da Tv, sendo transmitidas aos milhões de pedacinhos pelo ar, sendo recompostas no tubo de imagem da sala de casa e ficando perfeitinhas, com todos os pedaços bem encaixados e isso tudo feito com uma velocidade que eu nem notava a montagem dos pedaços. Tenho consciência que isso me faz parecer um Cro-magnon, mas é a realidade. Sou um ser do século passado, valvulado, vintage, old-school, velho, chame como quiser.
Se o tubo de imagem já era uma maravilha tecnológica para meus olhos infantis, a Internet se cobriu da mesma fascinação aos meus olhos já não tão infantes. E no início da Internet (quem viveu isso deve se lembrar) era muito comum as Cassandras dizendo que as Chat-rooms e e-mails iam afastar as pessoas, exterminar os contatos pessoais e dinamitar as relações humanas. Como todas as profetisas de desgraça, essas não viam o lado positivo da situação e só conseguiam perceber que as pessoas iam se enclausurar e esquecer de tocar na pele um do outro, principalmente depois que surgiu o sexo virtual. Então foi um pandemônio: “Se as pessoas conseguem transar pela Internet, não vai sobrar nada de contato dentro em pouco!”. Mensagens do caos.
Nem vou me ater aos problemas que a vida virtual pode gerar efetivamente, pois para isso já existem revistas e reportagens e pesquisas aos montes por aí, e eu não vou conseguir acrescentar nada de útil ao tema. Mas quero falar do tanto de proximidade que a inFernet gerou para toda uma geração, facilitando assim a troca de informações, o surgimento de amizades e também de desafetos.
E tenho tudo para falar disso porque O Inimigo do rei se originou por causa da inFernet. Claro que não me refiro ao clássico e imortal jornal anarquista baiano, mas falo sobre o meu alter-ego (devidamente autorizado pelos criadores do Inimigo do rei original) que só apareceu porque a inFernet facilitava o contato e o contágio dos meus escritos. No dia 06 de julho de 2001, quando soltei o primeiro Grito do Inimigo e me tornei um assumido spamer, foi o momento em que comecei a explorar com mais dedicação todas as possibilidades que meu tacanho intelecto poderia alcançar nessa teia virtualmente infinita. Desse início até o Orkut e os blogs, muita coisa aconteceu, mas definitivamente essa interconectividade virtual é um símbolo hoje muito forte para ser ignorado.
Por exemplo, quinta-feira, dia 19 de janeiro, fui assistir aos shows da Beatrice, Grieve e Sunroad. Eram três situações diferentes dessas relações que surgem pela rede mundial. A primeira banda conta com uma vocalista que eu já conhecia e que já nos sentíamos amigos mesmo sem nunca termos nos encontrado. Cuca entrou na rede Inimiga e trocamos mensagens, discutimos, alimentamos idéias e tudo isso sem nunca termos nos visto, mas por estranhas que sejam essas relações, quando ela estava no palco e me viu, acenou, sorriu e eu fiquei com cara de paisagem por não ter certeza que a saudação fosse pra mim. É um mico gigantesco você responder a um cumprimento e depois perceber que aquele alegre “Alô” foi dado para alguém que estava atrás de você, e eu quis me poupar desse vexame. Mas o “Alô” era para mim, ela havia me reconhecido e me saudou. Depois conversamos muito e agora ela deixou de ser totalmente virtual para mim.
Com a banda Grieve existia outra situação de contato virtual prévio. O vocalista da banda, Ulisses, era alguém que eu só conhecia de Orkut, lendo tópicos um do outro, vendo aquelas pequenitas fotinhas de identificação, participando de discussões e mandando recados em intervalos irregulares. Conversamos depois do show, discutimos a apresentação da banda e ele foi mais um que se tornou carne & osso para mim.
Mas o caso da Sunroad era mais sintomático dessa situação esquizóide que é o contato virtual. O baterista da Sunroad, Fred Mika, é um sujeito que mexe com rock em GoiâniaTown há muito tempo, somos ambos freqüentadores dos mesmos botecos dos anos 80, mas não nos conhecíamos pessoalmente. Nos conhecemos no Orkut trocando pedradas e ofensas em momentos – eu reconheço – lamentáveis da comunidade GoiâniaRockCity, que conta com grande parte dos envolvidos com rock da cidade. Um pomposo arrogante com ares professorais e o outro um boçal embananado em teorias e termos científicos, nesse mundo virtual dois erros de comportamento. Humpf!
E eu me vi num dilema porque queria ir ao show da banda da minha amiga virtual, mas que era no mesmo dia do show do meu desafeto orkutiano, sem falar que bateristas costumam ter braços muito fortes. A curiosidade venceu o medo e eu fui. Assisti aos shows e ao final deles finalmente encontrei ao vivo com o Mika e ainda pude trocar algumas frases amistosas e tirar uma foto com meu “adversário figadal” do orkut e alguns amigos. Rimos do que antes se assemelhava a uma guerra religiosa, com crenças e ideologias sendo atacadas pelo embalo do mau humor e ficou ainda mais nítido que a inFernet é realmente uma ferramenta poderosa, mas que precisa ser utilizada com bastante critério.
Digo isso tudo porque meu primeiro contato com computadores foi em um poderoso e imponente CP-500 quando o mundo era novo e o mar morto ainda agonizava, e eu não posso negar minha fascinação com as facilidades proporcionadas pela tecnologia para seus usuários. Posso divulgar meus escritos e minha banda e o que eu bem entender pelo mundo inteiro, quando a realidade de algum tempo atrás era bem outra em que bandas suavam muito mais para gravar uma fita demo que divulgasse os seus sons por aí. As distâncias eram maiores e muita gente sumia sem oportunidade de ser visto uma vez sequer. Além disso, com tantos recursos disponíveis ainda existe a facilidade do registro desses sons, e o CD do Réu & Condenado é um exemplo claro disso (foi praticamente todo gravado num PC dentro do quarto). Mas “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”, como diria o filósofo Ben Parker, e por isso a utilização dessa tecnologia precisa ser temperada pelo mesmo tanto de empolgação e cuidado. E antes que esse comentário possa transpirar uma diminuição no brilho gerado pelo encantamento com a inFernet, reforço que isso aumenta ainda mais meu envolvimento, por perceber que blogs, sites, orkuts, MSNs e assemelhados são formas poderosas de divulgação, comunicação, propaganda e discussão.
Falo do cuidado porque se no convívio social já existem oportunidades aos montes para discussões, atritos e confrontos, o que dizer de um “lugar” onde eu emito meus pensamentos na velocidade do pensamento e os deixo registrado para todo o sempre nos bits e bytes? Onde as pessoas expõem suas criações, conceitos e paixões de forma enfática, podendo gerar tanta empatia quanto repulsa por parte de quem lê do outro lado do ecrã.
Se na minha infância pensávamos muitas vezes antes de mudar de canal, porque isso implicava em vencer a preguiça, levantar do sofá e girar o seletor, atualmente precisamos da mesma prudência na inFernet porque palavras soltas não voltam.

Melhor pensar bastante antes de colocar algo no ar. Como esse texto por exemplo.

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