terça-feira, 12 de setembro de 2006

Do desbunde pra bundice, que trajetória!

Estava revendo “Quase famosos” dia desses. E me veio aquela velha sensação que sempre tenho quando vejo filmes que retratam os “flash and crash days” que foram o final dos anos sessenta até o meio dos anos setenta: a vontade de ter vivido aqueles tempos. Isso porque tendo nascido no início dos anos 70 (em 1970, pra ser exatíssimo) eu vivi uma situação chata, porque quando cheguei “na festa”, ou seja, quando comecei a descobrir todas as tentações que podem assaltar um adolescente cheio de hormônios e desejos, a festa estava começando a abaixar o som.

Digo isso porque quando eu achei que ia “espocar a cilibina”, como diria o Glauco, a maioria dos grandes artistas mundiais estavam mortos ou morrendo por causa dos excessos químicos, fosse álcool ou drogas ilícitas. Quando eu achava que ia “comer” o mundo inteiro, a AIDS estava surgindo ameaçadora e cruel, obrigando o mundo a se comportar ou usar preservativos desconfortáveis e brochantes, isso porque preservativos ainda soavam como algo anti-natural naqueles tempos. Então para quem é de uma geração ou duas depois da minha, é natural usar preservativos, porque praticamente nasceram usando; e as drogas já não assustam tanto assim mais, mas eu sou de uma geração que foi ameaçada, e ou se lançava de forma corajosa/amalucada nas experiências ou se recolhia à sua covardia pequeno-burguesa e seguia a vida sem extremos.

E aí quando eu vejo um filme como “Quase famosos” ou leio um livro como “Mate-me, por favor” eu fico pensando como devia ser louco não ter medo de nada, lançar-se na vida com desesperada sede, experimentar tudo, viver tudo, assumir tudo que se pensasse, envolver-se em grandes causas e movimentações, perseguir o sonho kerouakiano e poder explodir em chamas sem receio. Assim eu sempre imaginei que fosse o ambiente rocker, com seus exageros vivenciais e ideológicos, mas me decepcionei quando finalmente pude provar o que é estar no meio rock´n roll.

Não porque os exageros químicos não existam, até existem ainda em enorme quantidade. Claro que já não possuem tanto apelo para mim, pois já passei da hora de começar uma vida junkie, e me limito a ser um “bêbado trincado”, como me chama o Beto. As outras drogas não me chamam mais a atenção.

A decepção vem da escassez ideológica do meio rocker. Escassez não define, a aridez é um termo mais acurado. Ao que parece o rock passou do desbunde sessentista para uma bundice no novo século, uma apatia, uma ausência de posicionamento e provocação, uma ida de um extremo ao outro sem freio nem pausa. Ao que parece o rock tornou-se tão somente uma opção de se afastar das questões e viver num hedonismo autista, mais que mergulhar nessas questões e buscar a dialética e a contradição, que eram combustível para grandes movimentações, discursos, posicionamentos e atitudes.

“O rock errou”, Lobão disse uma vez. Talvez seja isso então, o erro foi tentar mostrar uma cara politizada e ativista, quando na verdade tudo era somente festa e exagero. O erro foi me fazer acreditar que o rock fosse um canal de expressão do que pensamos e queremos para o mundo e para o ser humano, quando na verdade então o rock é somente um canal de expressão individualizada e egoísta. E quem quiser buscar algo de melhor pro mundo que monte uma ONG antes de uma banda. Será isso?

Dia desses numa discussão orkutiana um famoso participante reclamava que sempre que termos como “anarquismo, comunismo” e outros assemelhados surgiam na discussão, o povo reclamava, como se algo proibido estivesse sendo abordado, e brotam argumentos como “política é uma coisa chata” e coisas do tipo. Então fica a impressão de que os roqueiros de hoje são realmente os cabeças de vento que meus avós acreditavam. Isso me apavora, será que a visão radical, tradicionalista e conservadora, que por muito tempo foi alimentada por aqueles que sentiram o rock como um ato de guerra, será a certa? Será que eles afinal estavam com a razão?
Isso seria muito decepcionante. Prefiro acreditar que estamos vivendo uma fase letárgica, em que a reação será violenta e destruidora; prefiro acreditar que essa é uma transição em que os ressentimentos e rancores se acumulam e se potencializam. Prefiro acreditar então que a qualquer momento algo vai ensurdecer a patuléia que quer circo, e o grito vai se tornar único, forte, coeso, íntegro, e aí então vergonha vai ser não escolher um lado, ser radical e ter atitude (e esse termo finalmente vai fazer sentido).

Prefiro acreditar que meus avós estavam realmente errados, e que o rock é um lugar para cabeças pensantes, com idéias e ideologias, com posturas e que aceitam correr o risco por isso. Melhor que o rock seja o lugar em que as pessoas vão para ser sacrificadas e não para ser incensadas e louvadas. Melhor que sejamos os demônios ameaçadores em tudo que dizemos e acreditamos e não santos ocos, patéticos e inofensivos, mergulhados apenas em viagens químicas e negação.

Melhor que sejamos quase famosos, e não unanimidades inquestionáveis. Ou então que alguém nos mate, por favor.
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Há braços!
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Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei

Um comentário:

Anônimo disse...

The Hammer of The Gods
(O martelo dos Deuses)

Parábens pelo blog!

Há tempos que vejo suas mensagens no orkut. E não há via (hehehehe) ainda lido qualquer tipo de texto como esse que você publicou. Interessante, muito interessante.

Tenho dois comentários a fazer, se me permite. Que vão trazer reflexão, eu espero.

O primeiro remete à um cenário imprevisível... Em que o rock é apenas instrumento de dominação das massas, utilizado pelos governos anglo-americanos pra espalhar a cultura jeans-coca-cola no mundo pós segunda grande guerra. Interessante, não? Uma reflexão.

O segundo comentário remete à possível solução, e tem o formato de pergunta. Porquê bandas como Mutantes-Tropicália e CS&NZ não obtiveram êxito internacional, mesmo tendo como admiradores estrelas do rock mundial?