quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Jaraguá é LOKI!

Ontem fui fazer uma palestra sobre "Auto-Estima" na cidade de Jaraguá, distante uns 120 Km de GoiâniaTown. Eu adoro fazer palestras porque sempre podem ser mais leves e descontraídas, e já tinha feito uma no ano passado na mesma cidade, e já sabia que o pessoal de lá era muito organizado nos eventos e que o público comparecia de todos os cantos do município. Então a perspectiva era excelente.
Mas quando eu achei que não podia ser melhor, foi. Primeiro que ao chegar lá eu encontrei um auditório enfeitado como se fosse acontecer um mega-evento, e até onde eu sabia só ia ter a minha modesta palestrita. Balões de todas as cores, um jardim de balões (pira pra isso? Eu nunca tinha visto. É lindo!), equipe de recepção, equipe de som, equipe de equipamento, equipe pra tudo que você pensar, porque a galera que estava fazendo o seminário era muito entrosada.
Uma turma de Pedagogia, o 2º ano, da UEG.
Começamos com a apresentação do Hino Nacional com um guri nos teclados e cantando com voz de barítono (será que acertei?) que me deixou impressionado. O Hino Nacional normalmente me arrepia, pelas lembranças escolares e emocionantes de eventos esportivos, mas tocado e cantado com tanta competência... uau!
Aí a apresentadora (seguríssima no alto dos seus saltos gigantescos. Mulher faz cada coisa!) me convidou para começar a palestra, e aí foi o de sempre. Fiz a palestra, as pessoas riram, foi legal, eu pelo menos me diverti muitão. Mas aí as surpresas retomaram a cena, e elas me fizeram sentar ainda no palco para que o músico (aquele guri dos teclados com a voz forte) tocasse "Epitáfio" dos Titãs. Impressionante como casou com tudo que eu falei para eles sobre auto-estima.
Eu já ia descendo quando a elegante apresentadora me manda voltar pra cadeira mais uma vez, e vieram me trazer presentes! Cara, quando eu penso que eu ainda sou pago pra fazer isso, realmente eu fico sem entender às vezes. Presentes! Jaraguá é um dos maiores (se não for O maior) pólo confeccionista do estado, com várias marcas reconhecidas internacionalmente inclusive. E me presentearam com uma camisa fantástica e uma calça jeans toda arrojada.
Eu achei que tinha acabado por ali. Mas aí vieram as fotos, e eu tirei mais fotos ontem do que no dia do meu batizado. Ou quando fui preso. Muitas fotos, mas muitas mesmo. Impressionante, porque eu ficava pensando "Quem vai querer uma foto de um sujeito mal-acabado como eu?" e isso não impedia os flashes de estourarem.
Aí fomos para um coquetel (teve um coquetel ainda!!) em que comemos, bebemos, demos risada e local em que o inusitado tomou conta.
Isso porque a pessoa que tinha entrado em contato comigo para fazer a palestra, a Ivanilsa (não falo que minha memória não existe? Já não tenho certeza se é com "S" ou com "Z". Ela vai saber me perdoar se estiver errado) chegou com o bloco de recibo na mão (Iêba, grana!) e disse que só me pagaria se eu desse um autógrafo. Mas eu pensei que o autógrafo fosse no recibo, para pegar meus honorários pela palestra. NÃO! Ela queria um autógrafo mesmo, com dedicatória e tudo mais.
Fiquei até sem fala. Quando que eu ia imaginar um lance desses? Parei, pensei, caprichei e "sunguei" um autógrafo na caderneta (que a turma deu de brinde para todos os presentes) dela. Quando ia largando a caneta, mais trinta e tantas cadernetas apareceram na minha frente, e eu me senti o próprio Antônio Fagundes (para pegar um das antigas) ou o Fábio Assunção (para forçar bem o argumento) dando autógrafos para um monte de mulheres lindas ao meu redor.
Se eu não soubesse das minhas reais limitações eu teria ficado muito empolgado. Foi um momento muito maluco, e eu fiz questão de escrever mensagens individuais, nada de coisa repetida, porque a turma merecia.
Fizeram um grande trabalho e me trataram como um rei. Jaraguá é LOKI!

Há braços!

Loaded no ar! O Inimigo volta a gritar!

Mais uma semana, mais um Loaded. Assim que funciona, de forma inexorável e irrecorrível, amiguitos. E eu voltei a participar e cada vez gritando mais alto. Então se você ainda não ouviu o Loaded, trata de se movimentar porque o programa é muito legal, os fritíssimos Carlos, Valter e Alexandre estão cada vez melhores, e agora nós - Loaders - temos um diretor também. Sr. Serginho, o implacável, que já chegou me "enquadrando". hahahahahaha
Mas falando sério e honestamente, vai até o http://www.loaded-e-zine.com/ e escute a edição 42.
Quem eu recomendo? Os tocantineses do Boddah Diciro com seu nome enigmático despertando confusões, e os irados, insanos, carismáticos e competentíssimos do Madame Saatan, direto de Belém do Pará. Depois de ouvir "Vingança" do Madame Saatan, você vai se lembrar de alguns desafetos. rs

Vai lá e escuta, depois me diz o que achou!

Há braços!

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Quer saber mais do Calango?

Você leu minhas memórias sobre o Calango e ficou curioso, afinal de contas minhas memórias passam pelos meus filtros e crivos e seleções naturais, além de inúmeras barreiras químicas advindas juntas de tanta insanidade vivida. E com base nisso tudo você quer ler mais sobre o Calango. Normal...

Se quiser, pode começar pelo meu texto no FanROck, site/portal do Vinícius de Rondônia. É no www.fanrock.com.br e o texto ainda deve estar na capa do portal.

Mas você quer ler algo que não foi escrito por mim? Normal também. Vá até a Dynamite http://www.dynamite.com.br e confira dois textos quentes:

O primeiro é do Pablito Capilé, organizador, mentor e Gandalf do Espaço Cubo. Ele faz uma análise de dez pontos sobre tudo visto e vivido no Calango, muito legal. O endereço é http://www.dynamite.com.br/portal/view_coluna_action.cfm?id_colunista=32&id_show=836 que é a Coluna Fora do Eixo.
Outro texto incendiário é do Freakin Finas, o loki Humberto Finatti que também apresenta suas lembranças, memórias, histórias e análises. Bastante divertido e muito gonzo, como tudo que esse fritíssimo comete em sua coluna Zap´n Roll. O endereço é http://www.dynamite.com.br/portal/view_coluna_action.cfm?id_colunista=23&id_show=832 e você já cai direto nela.

Divirta-se!

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Festival Calango - coisas que vão voltando

Depois de colocar o texto pra fora, as lembranças vão voltando lentamente e nesse processo é bom contar com a ajuda de pessoas fora de série de tão generosas.
Enfim, o Juan mandou um comentário me lembrando o nome da esposa do Hélio: é Alzanira!
Alzanira que me detectou como um "muganguento" de primeira! Grande figura.
Também quero lembrar aqui de outras figuras que foram mal citadas no texto-relato-depoimento-testemunho feito ontem.
Primeiro agradecer a imensa força e companheirismo do Ricardo Sahaquiell. Foi nosso roadie, fotógrafo, carregador de malas e parceiraço em todo o festival. Percebemos o tanto que faz diferença ter alguém ajudando na hora do show, quando estamos tensos e ansiosos, para fazer os últimos ajustes e dar os últimos socorros. Sahaquiell foi importante para o que fizemos em Cuiabá.
Humberto Finatti é outro que eu tinha curiosidade de conhecer e tive o prazer de finalmente ver a fera de frente. Figuríssima louca, estressou com os seguranças (coisa que não vi porque já não via muita coisa, eu acredito) mas sempre muito tranquilo e gente boa com os amigos. Foi um prazer!

E finalmente (na base do last but not least mesmo) queria lembrar e agradecer à Talyta do Espaço Cubo, que foi sempre extremamente educada, mesmo quando as coisas pareciam que não iam funcionar. Com um sorriso no rosto e com um saco do tamanho do mundo, ela aguentou minhas ansiedades antes do festival e minhas mudanças de rumo durante o festival. Talyta, o detalhe da passagem foi impressionante, me ajudou muitão mesmo! Se ainda assim quiser fazer o depósito, eu não grilo contigo, tá? rs

A medida que forem voltando as imagens e fatos, eu vou falando. rs

terça-feira, 22 de agosto de 2006

Festival Calango - Uma viagem!

Hell City é uma farsa!!

Sim, é isso mesmo! Chegamos em Cuiabá na sexta feira, ao meio dia, e fomos recepcionados pelos termômetros marcando 20°! Tava frio em Cuiabá! Frozen Hell City, só se for. Mas o restante da expectativa foi altamente atendida, Cuiabá é rock até o talo e o povo de lá é ouro brilhando na noite.
Vamos por partes para não assustarmos quem chegou agora. O SANGUE SECO foi convidado para tocar no Festival Calango, o que muito nos empolgou e honrou, afinal de contas é um dos quatro maiores festivais de rock independente do país. Já tínhamos tocado no Bananada 2006 e agora íamos seguir a jornada pelos grandes festivais. Muita ansiedade e expectativa. A perspectiva de tocar para o público de Cuiabá, tido e havido como exigente e vibrante, além da situação real de encontrar bandas do país inteiro, pessoas que só conhecíamos pela internet, por MSn´s e orkuts da vida. Tudo prometia um fim de semana inesquecível. E foi.
Saímos de GoiâniaTown numa tropa unida, todos os SANGUES SECOS e os JOHNYS SUXXS, além de produtores, resenhistas e representantes de selos num só ônibus com destino a Cuiabá. Não era um ônibus fretado, como me fez crer minha empolgação, mas o ônibus comercial e normal da Expresso São Luiz. No volante o frito maluquete João Batista.
Noite alta nós pegamos a estrada e – como era de se esperar – a bagunça dentro do ônibus era enorme. Muita risada, alguns goles de whisky temperados com pedaços de rapadura (que eu levei, pois sou prevenido.Coisas de quem tem mais de trinta) e uma música assombrava nossos sonhos: “Kinky reggae” by Mr. Marley. Além de pedaços de estrada dignos de pesadelo, em que malas e sacolas voavam dos bagageiros sobre viajantes sonolentos, e eu – com minha paranóia ligada no último volume – dormia com um olho aberto e só conseguia pensar: “A qualquer momento, a qualquer momento”; esperando alguma mala ou baixo desabar na minha cara.
Ao nos aproximarmos de Cuiabá, depois de passarmos pela CEFET-Cuiabá, já começamos a nos surpreender, pois vimos até neblina nos arredores, e como poderia haver neblina numa terra que – segundo informes da Talyta – havia vivido a doce temperatura de 43° dias antes? Algo estava errado.
Chegamos em Cuiabá e a farsa se revelou: Hell City my balls! A cidade estava fria, e praticamente ninguém havia levado agasalho, blusa de frio nem nada que esquentasse mais que uma camiseta cavada escrita “Fósforo”. Sinal de problemas, mas que se dane, a idéia era chapar a cara do que houvesse e cair no rock. Sem C&A na cidade, a escolha seria enfrentar uma Riachuelo ou o frio que se iniciava. Resolvemos peitar o frio.
O tratamento foi profissional e primoroso desde o primeiro segundo fora do ônibus, com os educadíssimos Barney e Walessandra (Wally para os íntimos. Onde está ela?) nos conduzindo à van refrigerada (tava frio lá fora, desliga esse ar condicionado!) e ao nosso hotel. Barney surpreende a mim e ao Flávio Calango dizendo que havia “uma turma do metal” nos esperando no hotel, para bater papo. Eu fiquei com cara de idiota e o Flávio caiu na risada. Quem ia esperar o SANGUE SECO para bater papo, pelamordedeus? Depois descobrimos que o frito do Barney havia nos confundido com o Subtera, talvez pela idade dos integrantes. Normal.
Hotel legal, camas e chuveiro (mais do que o suficiente para quem nem queria dormir nem tomar banho) e fomos almoçar. Um restaurante de alta qualidade, com comida à vontade, e isso era um convite a um suicídio, pois eu comi três vezes, sendo que o terceiro prato foi um generoso monte de feijoada que estava deliciosaço. Depois de comer feito desesperados, dormir era a opção mais indicada, mas antes disso fomos conhecer o local dos shows, que iriam acontecer à noite.
Eu fiquei assustado, confesso. Pensei que o povo do Espaço Cubo tinha dado cogumelo pra vaca comer e fumado a merda seca, só podia. O lugar era gigantesco! Dois palcos enormes, barracas de tudo (um pastel de queijo deliciosíssimo, mas assassino que derretia céus da boca descuidados) e muito espaço no backstage para as bandas se conhecerem, baterem papo, socializarem e se embriagarem de rock e de cerveja Cristal.
Fomos ao hotel dormir e logo chegou a hora de irmos para o show. O SANGUE SECO seria a segunda banda da noite, o que foi ótimo porque ainda estávamos sóbrios. Alguns problemas de PAs acabaram por inviabilizar os shows das bandas que haviam participado das prévias, uma pena, mas isso acontece.
Fomos ao palco para a passagem de som com um trabalho muito profissional do conhecido Phu de Brasília, detalhista, educado e tranqüilo nas perguntas e orientações, sempre assessorado pelo fritíssimo Jeff Molina do Borderlinez e DBCF. Recebo então a triste notícia de que não poderia subir ao palco com nenhum líquido, e eu que sempre bebo nos shows fiquei com a boca grudando de tão seca, mas uma inspiração divina de última hora me lembrou que meu cantil estava comigo e que eu poderia então enchê-lo de... água! Isso mesmo, meu cantil que tantos destilados já comportou e me serviu foi comprometido com água. Água é um troço meio nojento porque peixes transam dentro daquilo, mas era o jeito e foi assim que aconteceu.
Rockassetes de Sergipe sobe ao palco e leva um rock cheio de detalhes e variações, com o que me pareceu um pé e meio na Inglaterra sessentista e uma música que eu estou cantando até agora “Sogra boa é aquela com a boca de aranha”. Nessa hora ainda havia pouca gente, o povo estava chegando, mas isso não os impediu de tocar com tesão. Engraçado lembrar que a apresentação das bandas era sempre feita por um casal do teatro que divertiam o público, anunciando as bandas e fazendo palhaçadas mil. Acredito eu que eles devem ter improvisado mais da metade do que falaram nas apresentações, o que tornou tudo bastante divertido.
Chegou a nossa hora. Eu estava pilhado e nervoso, claro. E para meu desespero alguma coisa aconteceu entre a passagem de som e o começo do show, porque o som do bumbo da bateria estava muito alto, e me tirava do rumo facilmente. Mas “forante” esse detalhe, o show foi massa. Na terceira música já tinha uns fritos fazendo roda de hardcore e pulando na frente do palco, gritando com a banda, e nós fomos empolgado e eu percebi que mais importante que um produtor ou um baixo novo, nós precisamos de um personal trainer. Ou pelo menos EU preciso, porque o pulmão já estava quase saindo da boca, um gosto de sangue nos dentes e se tivéssemos mais dez minutos de show eu ia sair de ambulância. Tô ficando velho mesmo.
Descemos satisfeitos do palco e já fomos entrevistados pelo doido do Kleber, e eu já não estava mais vendo nada, de tanta alegria pelo que estava acontecendo. Recebemos o aviso de que a banda tinha direito a 19 cervejas. Dezenove? Porque não vinte ou quinze, meusantodeus, mas logo dezenove? Isso ainda vai virar um conto, mas por agora basta saber que depois ainda ganhamos mais umas vinte e tantas cervejas. Não é de se estranhar que toda noite eu voltava completamente embriagado para o hotel.
Além disso, fiquei sabendo que eu sou “muganguento”. Isso mesmo, a esposa do Hélio, guitarrista dos Coveiros, que infelizmente eu não me lembro o nome dela, mas uma pessoa gentil demais, me chamou de “muganguento”, que quer dizer “gente que faz muita careta”. Pirei, porque eu nem sabia que alguém reparava nisso.
Depois da gente foi a vez do Sinestesia, do Tocantins. O baixo alto (eu escrevi isso mesmo? Putz!) e o som pesado desses três figuras esquentou mais ainda o povo que cada vez chegava em maior quantidade. Aí veio o Chilli Mostarda com uma mistureira de estilos que o povo de Cuiabá adora, porque dispararam a pular e cantar as músicas, fizeram um show altíssimo astral. E o vocalista é uma figura única, pulando sem parar e com uma das vozes mais límpidas do festival inteiro. Show legal!
Nessa hora encontrei o vocalista da banda Zagaia, de Cuiabá, que me parabenizou pelo show e me ofereceu um gole da sua long neck. Como eu estava com uma lata na mão, eu agradeci, mas ele sugeriu que eu deveria provar. E eu pensando que fosse uma cerveja diferente da patrocinadora do evento, virei a garrafa tranquilamente. Tomei três goles enormes até perceber que eu estava bebendo a mais nervozza pinga cuiabana. Adorei, claro, porque gosto muito de cachaça, mas percebi que algo não ia terminar bem.
Aí o mal chegou no Calango. Foi a vez dos Coveiros. Pausa para uma explicação. Eu já tinha trocado algumas idéias com o Giovani, vocalista dos Coveiros, no MSN quando fui pesquisar como fazer pra tocar no Beradeiros, que é o festival lá do norte, de Porto Velho, e o cara era de boa, tranqüilo. Quando nos encontramos no hotel eu fiquei surpreso, porque ele tem cara de menino mesmo (apesar de não ser menino losna nenhuma, o cara já é curtido) e o resto da banda também é um monte de cara novinho, ao menos na aparência. Mas no palco os caras são do mal. Totalmente do mal. Eu estava no backstage quando começou e eu fiquei assustado com o rugido que saía nos amps, pensei que havia acontecido alguma possessão demoníaca ou coisa parecida, e ao chegar lá na frente, eis que o cara educado e cara-de-menino tava arregaçando a garganta. Coveiros é muito pesado. O Bocão, batera do SANGUE SECO, ficou empolgado com o som dos caras, segundo ele uma “mistura de trash com crossover que ele não via há muito tempo”. Foi um puta show.
Nessa hora a pinga do Zagaia já estava enevoando meus olhos e eu vi o povo do Enne no palco, mas o Thomaz estava andando tranquilamente no público. Corri mais que depressa para avisar o sujeito que a banda dele estava começando o show, que ele não havia percebido, para só então descobrir que o Thomaz é produtor da banda e não toca nela. E eu sempre me perguntava se ter chapado o melão no último show do Enne em GoiâniaTown tinha me feito perder alguma coisa. Quase nada, só o fato de que o Thomaz não toca na banda. Putz!
Não me lembro de muita coisa do show do Enne, confesso. Estava embriagando. E logo em seguida veio Johnny Suxxx´n the fucking boys. Que show! Divertido, rockão (mesmo com uma guitarra a menos), sem parar para respirar, e uma galera ao meu lado gritando sem parar para o João Lucas: “Viado! Viado!” como se ele fosse se importar. E no final o golpe de mestre, eis que eles convidam ao palco para a cover de T-Rex, o adorado – ao menos em Cuiabá – Daniel Belleza. O povo enlouqueceu! As vozes se combinam muito e a banda foi junto na loucura. Final apoteótico. Eu cada vez mais torto.
Zagaia me pegou tentando acessar a internet no backstage, porque eu não conseguia digitar minha senha direito, e o que deveria ter levado alguns segundos me tomou minutos enormes. Sem nem saber o que eu tinha digitado num posto do Orkut, na comunidade Goiânia Rock City, corri para ver o fim do show do Zagaia, mas eles enfrentaram uma série de problemas técnicos também, e na hora que um guri pegou o microfone aí eu ri de rolar. O menino cantava com uma voz que não encaixava nele, ou pelo menos meus olhos e ouvidos já não estavam encaixando mais muita coisa. Zagaia é pesado também.
Logo em seguida viriam os doidos do Dead Rocks. Confesso que eu piro pra essa banda, para mim uma das melhores que tocaram no Bananada 2006 e no Festival Calango. Novamente quando eles tocaram, emendadas as músicas de Cartola e de Candeias, eu segurei para não chorar. É lindo demais. Showzaço, como sempre.
Madame Saatan também conta com muitos pontos a favor. A banda é muito entrosada, é muito violenta, tem a Sammliz no vocal e o povo adora. Difícil errar desse jeito, né? Outro show destruidor. Mas eu já não estava entendendo mais as letras das músicas. A situação tornava-se preocupante.
Eu não conhecia Borderlinez, mas gostei muito. Rápido, divertido, nervozzo. Show que pega pela jugular, muito rápido mesmo. Mas desligaram o som antes do fim do show, e isso pegou mal, porque todo mundo percebeu e a banda não fez questão de esconder a putice na hora. Acontece? Acontece, mas não precisa.
Fuzzly eu não vi. Estava completamente em órbita. E aí eu fui conversar com o Billie, baixista do Dead Rocks, que é um cara super de boa. Eu querendo saber como tinha sido a excursão pela Europa e o que tinha agendado pra banda, e ficamos numa prosa de alta qualidade até o momento que Subtera subiu ao palco. E aí fomos ver o show. Precisávamos ver o show. O troço é muito barulhento.
Dois vocalistas guturais que tem a voz parecidíssima, fazendo parecer que era só um cantando o tempo todo. Muita fumaça na introdução, com uma música instrumental super climática, parecendo que eles tinham contado com a parceria de alguém do teatro para dirigir aquele começo de show. Não é o som que eu gosto mais, é muito rápido e muito barulhento para mim, mas naquele momento nada menos que aquela destruição ia entrar na minha cabeça. Eu ouvi e vi o show. E aí eu não lembro de mais nada.
Dizem que demorei quarenta minutos para acertar minha cama no quarto. Um quarto com cinco camas, e que até chegar na minha eu deitei em tudo que havia horizontal no quarto, camas dos outros, mesas, tapete, bidê, tudo. Uma vergonha! Só não é vergonha maior porque eu não lembro de nada disso. Normal então.
Sábado prometia, porque ia ter o churrasco das bandas, jornalistas e produtores. Fomos para o outro hotel, onde estavam os produtores e algumas das bandas, e descobrimos que o nosso hotel era bem chinelão perto desse. Esse tinha piscina, palmeiras, churrasqueira, esquilos (pira?? Tinha esquilo!) e o nosso... o nosso não tinha piscina, churrasqueira e nem um periquito. Tudo bem, estávamos bem acomodados.
Chegamos e logo o churrasco começou a ser servido pelo Professor Mauro, figuríssima ímpar, produtor de inúmeras figuras do rock nacional e contador de piadas com PHD. Churrasco excelente, cabe comentar, com variedade das carnes servidas, cortes bem realizados e carnes de maciez e textura ideais. Além da cerveja geladíssima, não precisaríamos de mais nada, mas ainda tínhamos as outras bandas para socializar e conversar e trocar idéias. O povo do Madame Saatan é especial, o casal Sammliz-Ícaro realmente impressionam, Edinho também é figura, e fiquei sabendo do início da banda e um monte de histórias curiosas.
O momento melhor para mim foi quando o Beto Decibélica sugeriu para Sammliz – e ela aceitou, disso me lembro mui bien – que na próxima vez que as bandas se encontrassem, fizéssemos um SAATAN SECO, juntando as bandas em “Inimigo Íntimo” (nossa) e “Vingança” (deles). Eu adorei a idéia, porque para nós vai ser uma honra quando isso acontecer, certamente.
Muitas cervejas, muitas frases inesquecíveis, risadas aos montes, “pessoas não confiáveis” (Victor, eu tinha que falar isso!) e a tarde passou rápida. Voltamos ao hotel para um banho e correr para o festival, mas nessa correria acabamos perdendo as duas primeiras bandas de sábado, Regra Zero do Rio de Janeiro e Bonnie Situation de São Paulo. Quando chegamos na universidade o show do Asthenia de Cuiabá já corria pelo meio, e o Vinícius veio doido correndo: “Cara, eles ofereceram música para o SANGUE SECO!! Esses guris gostam mesmo de vocês!”.
Eu fui para a frente do palco e o Kleber ainda ofereceu outra música para mim, o que eu achei bastante legal e generoso da parte dele. Hardcore rápido, mas os meninos tem caras de serem tranqüilos, e isso fica interessante porque fica contraditório. Enfim, o som é legal e é porrada.
Não vi Mezatrio. Vi um pouco, mas nessa hora eu já estava começando a sentir as cervejas e as caipirinhas da tarde inteira chegando ao meu cerebelo, e tudo começa a ficar confuso. Eu preciso beber menos nesses lugares.
The Melt eu só vi quando o cara encharcou o palco inteiro com uma garrafa de água, o que deve ter enlouquecido o Phu, e quando o guitarrista destruiu a guitarra dele em muitos pedaços bem pequenos. Mas nessa hora eu estava dando risada com o Marcelo Demosul e o Rodrigo do Trilobita, então não entendi bem o que tinha acontecido naquele momento. Sapatos Bicolores eu não fui ver, mas vi que o povo pulou bastante, o que é normal no show deles. Rockão básico e divertido.
E aí eu tive um momento inesperado. Eu tinha visto o Porcas Borboletas em Goiânia e tinha detestado, teatral demais (logo eu que sou do teatro), MPBístico demais. E o João Lucas me aporrinhando falando que a banda era massa, que eu tinha que ouvir de novo, então fui lá ouvir, numa má vontade monstra.
Não é que eu achei o trem melhor do mundo? A música do moleque que queria um Nike é hilária, e os caras agitam mesmo o público. Revi meus conceitos e não comprei um Palio, mas de Minas agora tem também o Porcas Borboletas na minha coleção de coisas boas.
Los Porongas é uma banda que eu tenho prazer em gostar muito. Primeiro porque a banda é boa. Outra porque a banda é engajada. E outra porque os caras são muito legais, e isso facilita gostar de qualquer banda. Ou não? O show deles é bom, o povo de Cuiabá já gosta muito e ficava pedindo músicas, e o Diogo tem uma voz que impressiona. Já tinha gostado deles no Bananada, só confirmei a impressão. (Diogo, já leu o conto? Prometeu tem que cumprir!)
Não vi Revoltz. Nessa hora eu estava conversando com o Bruno Montalvão, que produziu a MTV Tour Independente, cara super legal, calvo como eu e simples. Isso que mais me impressionava, porque eu via essas pessoas nas notícias, nas manchetes, nos sites, e achava que eram todos estrelas, babacas e arrogantes. Pois são todos – os que tive contato – pessoas simples, gente boa e que adoram uma boa prosa. Eu que devo ser um completo jeca mesmo. Enfim...
Pelebroi Não Sei é outro que garante um show divertido, com as coreografias ridículas do Oneide e o som punk rock ramônico violento que eles fazem. Derrubaram o povo, que pulava sem parar. Oneide é figura, na noite de sábado, poucas horas antes de irmos para o festival eu tomei meu banho, me arrumei e desci para um bar ao lado do hotel. Estavam lá o Daniel Belezza, Oneide, Pablo Kossa, e fomos tomar cerveja. Oneide se vira pra mim e fala: “Esse deveria ser o cheiro que ia ficar se resolvesse tomar banho!”. Falar o que, né?
Macaco Bong é uma puta banda boa. Eu nem sei direito onde eu estava nessa hora, porque de novo estava embriagado (putz, vai ficar parecendo que eu sou um alcoólatra perdido. Mas perdido eu não sou!), mas acho que estava comendo pastel de queijo e pegando meus livros e CD´s que tinha direito, por isso não vi o Marcelo Demosul tocando baixo com eles. Todo mundo disse que o cara destruiu.
Como? Não entendeu sobre os “livros e CD´s” que eu tinha direito? As bandas recebiam créditos para trocar por livros e CD´s no festival. Legal isso, não? Eu peguei um monte de coisas que ainda não tinha e um outro monte maior de coisas que não conhecia. Finalmente tenho o CD do Ressonância Mórfica (Agregados onímodos malditos), além dos cd´s do Meu Xampu Fede do Tocantins, Frila, Switch Stance, Cash for Chaos (a banda clássica de GoiâniaTown), um cd da HC Scene de Londrina, Brinde da Bahia e o cd da Maldita. Hoje terça feira, eu ainda não ouvi nada que trouxe, porque foi tanta coisa, e ainda teve os livros legais que pude pegar. As coisas que o Espaço Cubo inventa são muito criativas e todo mundo fica felizão no fim da história. Eu fiquei.
Bão, aí era o show do Ludovic, que vai tocar no Vaca Amarela em Goiânia. Os caras são muito bons, todo mundo sabe. O show deles é destruidor, todo mundo sabe também. Mas fiquei sabendo que são também caras legais. Putz, eu realmente sou um jeca. Mas é que demos muita risada do batera deles, que o Finatti chama de “Tetinhas”, e o Jair, vocalista, não tem nada daquela violência toda que ele derrama no palco. Enfim, outro show marcante.
Vanguart em Cuiabá é moleza. Os caras são amados no país inteiro, que dirá na terra deles? E o show é bom, a folk que fazem é diferente do que eu ouço normalmente, mas é inegável que as músicas são grudentas em sua poesia, em sua leveza, e eu voltei para GoiâniaTown cantando “Semáforo” sem parar. Fazer o que? O troço é bom!
Astronautas eu já não vi. Melhor dizendo, vi por trás do palco, porque já estava indo embora. E também não me lembro de muita coisa, porque chapei o côco de novo.
No domingo almoçamos muitão de novo, e deu uma preguiça monstruosa, porque o calor de Cuiabá começava a aparecer. Eu fiquei sabendo que teria que vir embora no domingo mesmo, por causa do trabalho, uma pena porque havia me planejado para assistir o festival no Domingo e ver o show do Trilobita e do Lazy Moon, que estava muito curioso. Não ia dar.
Almoçamos e esperamos a van que ia nos levar ao debate do Circuito Fora do Eixo. Depois de umas quinze vans que enchiam e esvaziavam numa velocidade impressionante (depois explico isso, talvez) conseguimos ir para o local dos debates. E foi outro ponto alto do fim de semana, com aquele tanto de produtores de festivais, gente representando meios de divulgação e bandas, e uma discussão produtiva, prática, pragmática, focada no trabalho a ser realizado. É bom saber que tem muita gente no país inteiro trabalhando duro pelo rock independente, e é melhor ainda ser parte dessa onda toda.
Pegamos o ônibus aos quarenta do segundo tempo, chegamos lá em cima da hora, levados novamente pela Walessandra (Wally. Alguém achou-a?) que nos acompanhou até tuuuuuuuuuudo estar resolvido e podermos embarcar. Ao chegarmos no ônibus, quem era o motorista? O frito do João Batista!! “Ah, mas vocês gostaram de viajar no meu carro. Que coisa boa!” rimos de rolar da coincidência e afundamos nas poltronas do São Luiz. Direto pra casa.
Ainda teve tempo para um papo sério no ônibus entre o Flávio, eu e o Ricardo Sahaquiell, nosso roadie, fotógrafo, amarrador de crachá oficial. Inesquecível!
Um fim de semana inesquecível!
Eduardo Mesquita - O Inimigo do rei

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

SANGUE SECO no Festival Calango em Cuiabá!!

Tanta correria que eu estava até esquecendo de comentar. O SANGUE SECO vai tocar no Festival Calango em Cuiabá. O quarto maior festival de Rock Independente do país, vai contar com o barulho nervozzo do SANGUE SECO. Quem quiser dar uma olhada na comunidade orkutiana do Calango, vai até aqui: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=213314 e quem quiser ir no site do Festival, vai até aqui: http://www.festivalcalango.com.br/

E quem quiser dar uma olhada na programação do festival, taí abaixo. Divirtam-se, porque nós vamos nos divertir muito, com certeza! Hoje a noite pegamos o baú para o Mato Grosso, com muito punk rock na cabeça! Depois eu vou contando aqui o que acontece por lá, quem quiser ler, lerá.

Há braços!
Dia 18 - sexta feira
01:30 Subtera (PR)
22:00 Enne (MG)
18:30 BANDA PRÉVIAS
18:00 BANDA PRÉVIAS
Dia 19 - sábado
01:30 Astronautas (PE)
18:30 BANDA PRÉVIAS
18:00 BANDA PRÉVIAS
Dia 20 - Domingo
01:30 Graforréia Xilarmonica (RS)
19:00 BANDA PRÉVIAS
18:30 BANDA PRÉVIAS

terça-feira, 15 de agosto de 2006

Eis o que é um Grito do Inimigo - contos!



O nome "O Grito do Inimigo" foi inventado para dar vazão às minhas inquietações, que saíam em forma de textos desconexos, e depois foram virando contos. Para mostrar um pouco do que são esses contos, segue aí um dos "Gritos do Inimigo". Divirtam-se!


O Grito do Inimigo 176 – Fraternidade das janelas

“E desde quando grito é novidade nessa vizinhança? Se todo dia tem alguém dando um berro aqui no prédio, ali na quadra, na rua de trás, pra todo lado; eu ia assustar com um grito dado na praça aí da frente? Nem parei de ver minha novela. Quer dizer, claro que eu fico preocupada, não quero que você pense que eu sou tipo uma monstra assim, mas o que ia adiantar eu ir até a janela? Desgraça eu vejo na televisão toda noite. Fiquei quieta.”

“Gostosa miserável, com essa saiazinha me provocando. Pensa que eu não sei o que ela quer.”

Nem morava ali, estava hospedada na casa de uma tia. Tinha chegado na cidade há quatro dias, procurando melhorar de vida, porque na cidade onde tinha nascido não havia escolas, trabalho, oportunidades, e ela não queria ficar lá mofando esperando marido. Pediu autorização da mãe e do pai, ligou pra tia e pediu pouso. A tia ficou eufórica, adorava a menina (que já não era tão menina assim) e vivia sozinha mesmo, assim a solidão ia diminuir um pouco e ela ia ter alguém pra ajudar em casa, ler o jornal pra ela, ler as bulas dos remédios que eram muitas e de pequenitas letras.
Pediu benção da mãe e do pai. Deixou a mãe chorando copiosamente na rodoviária e seis horas depois já estava na cidade da tia, ansiosa, tensa e sem saber o que fazer com certeza. Mas tinha o endereço anotado e dinheiro para o táxi. Durante o trajeto o motorista do táxi comentou sobre a vizinhança onde a tia morava, bairro de classe média, mas que tinha um histórico de ser meio perigoso, principalmente depois que escurecia.

“Cara, tinha um monte de janela com luz acesa e o povo amontoado olhando. Sabe quando tem aqueles olhinhos em filme de terror? Pois então, era desse jeito, aquele tanto de pares de olhinhos vermelhos e espremidos, olhando para baixo, decorando cara movimento do que acontecia. Ninguém pode dizer que não viu, é mentira. Todo mundo viu, o tempo todo!”


“Meudeusdocéu, ninguém vai me ajudar? Que lugar é isso?”


Esforçada, isso ela era. Na noite que chegou na casa da tia, cumprimentou-a com carinho e alegria, estava ansiosa para começar a viver coisas da cidade, mas aquele apartamento da tia pedia uma faxina. Ela sabia, porque era muito cuidadosa com coisas de casa, e a pobre tia já não tinha mais idade para ficar agarrada a um cabo de rodo ou esfregando pano nas quinas do chão da sala. Mas não falou nada, não queria ser mal-educada com a tia que a recebera com tanto carinho, suco de manga e biscoito frito. Conversaram muito naquela noite, matando saudade uma da outra e das histórias de tanta gente sem se ver a tanto tempo. Riram muito das lembranças surgidas e ela pôde contar para a tia todos os planos que tinha para sua vida dali em diante, e de tudo que esperava que acontecesse. A tia via aqueles olhos brilhando e sabia que aquela menina ia conquistar muita coisa, era brigona, batalhadora. Ela ia dar certo.
No dia seguinte a menina acordou cedo e preparou o café, surpreendendo a tia. E quando a querida e velha tia lhe respondeu que – se quisesse – ela poderia ajudar na limpeza da casa, passou o resto do dia agarrada nas lides higiênicas e de assepsia. Lavou aquele apartamento como ele jamais havia sido lavado em eras, todo o chão foi varrido, lavado e encerado, as paredes tiveram seus quadros retirados, espanados, lustrados, lavaram-se todas as paredes retirando as marcas antigas de velhos pregos ou armários que ali descansaram por gerações. Dedicou-se às almofadas e sofás com tanto empenho que ao final pareciam novos, sem ácaros ou poeira ou cheiro de suor velho de gente que vê televisão deitada. Moedas, restos de pipoca, cabelo, sujeira, caca de nariz e um monte de outros tesouros foram encontrados em meio às almofadas velhas e mal tratadas dos sofás.
Na hora do almoço já se encontrava em pandarecos, suja e cansada; mas tanto ainda havia a fazer, e as cortinas ainda estavam de molho. E quem lavou cortina uma vez na vida sabe o transtorno e o esforço monstruoso que é, pois ela ainda tinha também seis ou sete toalhas esperando suas atenções, para logo depois das cortinas. Comeu com uma fome de pedreiro toda a comida de pouco tempero que a tia lhe preparara com carinho, cochilou por quinze minutos e levantou com garra dobrada, totalmente refeita e pronta para a batalha que ainda viria.
Foi extenuante, mas ao fim do dia era um outro apartamento. Caixas e caixas de coisas velhas e entulhadas foram jogadas fora. Velhas fotos e cartas foram encontradas e renderam mais horas de história e risadas até que, finalmente, ela caiu de sono na frente da tia.

“- Tenho muito medo de morar aqui, porque isso acontece todo dia.
- Todo dia é exagero dessaí! Acontece de vez em quando.
- Isso porque você não é mulher, fidumaégua!
- E eles respeitam mulher ou homem? Não teve o menino do 309? Tiveram pena dele?
- Nossasenhora, é verdade. Fizeram isso com o menino. É verdade... crendeuspai...”


“Essa é nova por aqui. Tesãozinho.”

Dois dias depois de sua chegada conseguiu finalizar tudo que precisava fazer para ajudar a tia, arrumar a casa, organizar seu cantinho e começar a se preparar para começar a viver a cidade. Nesse tempo já havia se informado sobre a escola que havia no bairro, e ia estudar como ouvinte por algum tempo até conseguir se matricular, mas isso já era uma maravilha para ela. Comprou jornal e começou a procurar emprego, porque ia ter que ajudar nas despesas da casa, e a mãe e o pai não iam conseguir ajudar em nada mesmo, inclusive num desses dias telefonou para eles e conversaram bastante, com a mãe chorando o tempo todo e o pai respondendo de forma monossilábica como sempre tinha sido. Desligou o telefone e foi para a cama chorar abraçada no seu travesseiro, que tinha vindo com ela na viagem. Imagina viajar sem o travesseiro!?
No primeiro dia de aula já chamou a atenção em sua turma, porque era uma novata no terceiro mês de aula e também porque era uma menina atraente realmente, mesmo com todo o recato de suas roupas e comportamentos. Fez algumas amigas e achou muito bom ver os meninos olhando para ela com interesse, alguns fazendo gracejos, outros a olhando com visível desejo, e ela se lembrando das suas pequenas aventuras na sua cidadezinha. Não havia deixado nenhum namorado, noivo ou compromisso para trás, mas certamente já tinha seu pequeno histórico de namoricos, sempre escondido do pai e com a típica cumplicidade da mãe.
Arrumar emprego estava se mostrando mais difícil do que ela imaginava, porque mesmo com todas as reportagens que ela via na televisão na casa dos pais, ainda assim pensava que na cidade grande as oportunidades brotavam a cada passo nas ruas, e não era bem assim.
Com algum tempo disponível, ou melhor, com todo o tempo do mundo disponível ela ia se aperfeiçoando em procurar emprego, e começou a perceber que uma roupa mais caprichada ajudava nas entrevistas, um batom discreto, mas presente, também era uma força considerável, e o perfume pouco, porém marcante sempre deixava essa boa impressão.
Mas algo acontecia nas entrevistas que ela não esperava: cantadas. Não havia feito assim tantas entrevistas, mas a quantidade de cantadas era muito alta, até porque não se achava bonita, atraente ou sexy. Afinal devia ser, porque as cantadas não paravam.


“Ajudar? EU? E fazer o que? Entrar no meio, meter o pé nas costas do cara, gritar com ele? Tá maluco? Era eu fazer isso e no dia seguinte ia acontecer comigo, não ia resolver nada, só ia lascar minha vida de vez.”


“Covarde é tua mãe! Vêm morar aqui e você vai aprender como é que funciona o sistema, seu otário!”


“Chamar quem? Polícia? Hahahahahahahahah você não vêm muito para estes lados da cidade, né? Polícia não vem aqui porque tem medo. Os que vem são mais bandidos que os bandidos. Polícia.... humpf!”


Na verdade bonita não era sua descrição mais apurada, até porque nos acostumamos a chamar bonita alguém que tenha o rosto bonito, e isso ela não tinha. Tinha bochechas meio exageradas, o nariz também não ajudava muito e o conjunto total era bom, mas nada que marcasse a lembrança ou despertasse o desejo. Seu segredo revelado era o corpo, muito bem feito e bonito, com pernas grossas e firmes, a bunda provocante, ombros um pouco largos e seios médios, e isso a fazia sempre um chamariz na rua, nas festas, na escola e em qualquer lugar que fosse. Mesmo usando roupas recatadas, sem decotes nem fendas, ainda assim seu corpo era provocante por demais para ser enevoado por tecido ou coisa parecida. Ela chamava a atenção, e não era exatamente consciente disso, já que era menina recém chegada da sua cidadezinha, onde era apenas mais uma guriazinha de origem idêntica a outras tantas. Não se via como a mulher desejável que na verdade era, e até poderia fazer bom uso de um pouco mais de auto-estima, mas aí entraríamos no terreno do imponderável, seja lá o que for isso.
Com essa baixa auto-estima demorava a perceber quando estava sendo assediada, mesmo quando enfrentando cantadas pouco educadas ou elegantes, e junte-se a isso o fato de ser realmente uma pessoa ingênua, e tínhamos então uma criatura desligada da maldade e malícia do mundo, quase sempre.
E sua ida para a cidade maior a deslumbrava de uma forma quase lúdica, e sempre lá estava ela olhando para os lados, para cima, bebendo tantas impressões sensoriais que surgiam, vitrines, prédios, pessoas, carros, movimento, poluição, embebedando-a de estimulação. Esse deslumbramento e tanta coisa pra se ver a deixavam muitas vezes extremamente vulnerável, quase sendo atropelada um dia por um carro, outro dia por uma bicicleta de entrega, e uma outra vez quase caindo dentro de um bueiro, sem mencionar as inúmeras topadas em pontos de ônibus e postes pelo caminho. Tudo a divertia e ela punha-se a rir em cada uma dessas situações, o que lhe reforçava aquele charme brejeiro e manhoso, impedindo que alguém se irritasse com ela.

“Eu vivia falando pra ela prestar atenção, mas ela estava tão empolgada, tadinha.”


“Ia trabalhar aqui, sim. Foi o primeiro dia dela, ia trabalhar na parte administrativa como auxiliar de escritório. Experiência? Nenhuma, mas não estávamos exigindo para essa vaga. Foi a primeira pessoa que entrevistamos e já gostamos do jeito dela, ela disse que tinha sido uma benção!”


“Aqui era um setor nobre, pode acreditar, mas esse projeto da prefeitura não deu certo, e essas praças foram ficando abandonadas, e logo os maloqueiros surgiram, e começaram a fumar droga aí na frente, roubar os carros da vizinhança; logo as casas estavam sendo assaltadas, e custou pouco para a polícia deixar de vir aqui. De vez. Aí virou isso que o senhor está vendo.”


Um pouco religiosa, nada demais, mas o suficiente para suas rezas e orações todas as noites antes de dormir, e mais que suficiente para o agradecer emocionado olhando para os céus, bendizendo a graça de ter conseguido o primeiro emprego. Seria auxiliar administrativa, com um salário de merda e já com dois ou três colegas de olho nela; mas nem sabia o que era uma auxiliar administrativa, o salário de merda era muito mais do que ela já tinha ganho em toda a vida e os colegas de olho... que mal há?
Naquele dia voltou para casa eufórica e emocionada, afinal de contas tinha sido seu primeiro dia e tinha visto um monte de coisas diferentes e novas, tecnologia, processos, rotinas de trabalho, coisas do mercado, e ela se sentiu grande, talvez pela primeira vez.
Foi para o ônibus fazendo planos e imaginando como iria gastar tanto dinheiro, as roupas que compraria, os lugares que ia conhecer, festas, tudo que nunca tinha vivido em sua cidadezinha. Nesses delírios não notava trânsito, barulhos e nada ao seu redor. Ao descer do ônibus no bairro onde morava a tia, saiu pulando pela calçada, ensaiando uma dança engraçada de quem se sente muito bem.
Por causa dessa empolgação toda não percebeu quando começou a ser seguida por dois sujeitos. Eles já haviam observado aquela menina dias antes, e agora viam uma oportunidade, a hora certa, o sol já posto, a menina descuidada.

“Estrupo. Ela foi estrupada por dois caras. Um troço feio, viu? Estouraram a menina toda, em tudo quanto é buraco, se é que me entende? O olho? Parece que um dos caras ficou puto dela tentar reagir e enfiou o dedão no olho dela. Não sabia? É desse jeito, estoura igual uma gema de ovo cozido, aí fica esse caldo escorrido na cara. Um trem nojento. Tempo? Sei lá, uma hora, talvez um pouco mais. A vizinhança diz que ela gritou feito uma doida, acordou criança, assustou velho, foi um berreiro só. Ajudar? Humpf!”


“Tava todo mundo na janela. Todo mundo viu. Quase uma hora berrando, sendo surrada e os caras se revezando nela. Todo mundo viu. Todo mundo sabe quem foi. Ninguém ajudou. Ninguém nunca vai ajudar. Aqui é assim...”

Falar o que?

O Inimigo do rei

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

SANGUE SECO no ar...

Para quem já foi até o site, no www.sangueseco.cjb.net e ouviu e baixou as músicas que estão lá, agora tem mais uma disponível. Só para clarear, no site tem "Inimigo Íntimo", "Ja ja nnerds", "Presente em papel de pão", "Não Religião", "Crush the clowns" e "Sexto Minuto".
Pois agora tem outra música no ar.
Vai até o www.buscamp3.com.br/sangueseco e baixe a canção sobre relacionamentos, sobre amizades, amores e saudades, a doce "EU QUERO QUE VOCÊ MORRA!".
Eleita pela Eline, do Hang The Superstars como uma das músicas favoritas dela. Isso para nós vale bastante.
É a gravação de um ensaio, então tem microfonia, tem barulhos estranhos, tem ruídos alienígenas, tem baixa qualidade de gravação, mas dá pra ter uma idéia do que vamos fazer em Cuiabá, no Calango dia 18 de agosto!!

Há braços!

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Reclamação Rock City

Reclamação Rock City

Imagina o diálogo:

- Vai ter segurança na porta do Martim? – pergunta um pagante cliente de festivais.
- Opa! Vai ter demais. – responde um organizador de festivais.
- Humpf! Aposto que vai ficar vigiando o público e dando flagra em maconheiro. – argumenta o citado cliente.
- Não. Eles não têm autoridade para flagrar ninguém. Não são polícia. – explica o legalista organizador.
- Pode ser. Porque vigiar carro que é bom, não faz. Sempre tem carro roubado lá na porta. – insiste o preocupado cliente proprietário de um veículo financiado em suadas prestações.
- Eles vão ser orientados para vigiar os carros. É para isso que eles vão estar lá. – presta esclarecimento o organizador marketeiro que quer agradar seu público pagante.
- Quero ver. Vai ter um cara na porta, e os carros que vão estar mais longe ficam nas mãos de Deus. – argumenta o frustrado e já roubado algumas vezes cliente.
- Vamos ter duas equipes táticas, três agrupamentos K9 com pitbulls assassinos, dois helicópteros e um Urutu em cada saída da praça. Todos os carros do Setor Sul estarão protegidos. – informa orgulhoso o exagerado produtor de eventos.
- Esse povo é preconceituoso. Vão vigiar só os carros de mulher, porque pra eles homem cabeludo é tudo maricas. – desafia o cliente que possui cabelos longos e já foi maltratado pelos oficiais da lei.
- De jeito nenhum, teremos policiais homens, mulheres e transexuais. De forma que todos os gêneros e orientações sexuais poderão ser abordados de forma polida, civilizada e digna. – acrescenta o já cansado produtor do festival.
- Mas vão priorizar os carros novos, bonitos e deixar de lado os carros populares e mal lavados. – se defende o cliente proprietário de um Uno financiado (como já foi dito) e sujo.
- De forma nenhuma. Todos os seguranças foram treinados com as mais refinadas técnicas de neurolinguística e princípios de cidadania e igualdade entre os homens, visando oferecer o mesmo tratamento aos Audis e aos Fuscas. – orienta o produtor de eventos, também proprietário de um Uno financiado e com a pintura arranhada na porta esquerda.
- Nhé. Esse tanto de seguranças vai acabar dando briga. Ainda bem que eu não vou mesmo nesse festival, porque eu vou viajar pra fazenda da minha vó em Doverlândia.

E nessa hora o organizador do festival volta a se perguntar porque diabos ele se meteu a produzir eventos, pagando impostos e buscando qualidade para seu público ao invés de ser bancário como seu primo que bebe durante o expediente, bate na mulher e sonega o imposto de renda; mas que não precisa agüentar metade disso porque quando termina o expediente bancário na sexta feira ele bate a gaveta, não atende mais ninguém e vai procurar a diferença do caixa. E tem FGTS, 13º salário, férias remuneradas e sindicato forte.


E tem outro diálogo:

- Quem vai vir tocar no festival? – indaga o cliente ávido por informações.
- Esse ano estamos realizando uma votação pela inFernet, com participação do público para escolher as atrações principais do festival. – informa o produtor de eventos atualizado com as novidades tecnológicas.
- Então tem banda que vai ficar o dia inteiro votando nela mesma para tocar no festival. – já se acautela o dileto cliente, preocupado com a lisura do pleito.
- De jeito nenhum. A votação virtual será monitora pelos sistemas cibernéticos da Cyberdine (nota do culpado pelo texto: Quem se lembra da Cyberdine?) com registro mecatrônico do IP do computador acessado. – esclarece o produtor de eventos com MBA Executivo em Gestão de redes e sistemas de telemetria para Fórmula 1.
- Então tá. Quem vai ganhar é a banda formada por vagabundos, que não estudam nem trabalham e que vão ficar rodando todas as Lans houses da cidade votando. – diz o prevenido e desconfiado cliente, antenado com as diversas situações de emprego e dedicação aos estudos da sociedade.
- De forma nenhuma, porque esse sistema telemilático cibernético possui um sistema de identificação de impressões digitais, bem como de rastreamento de formas de digitação, detectando pressão nas teclas, teclas mais utilizadas e posição das mãos. Tudo isso permite a segurança de que cada pessoa poderá votar somente uma vez em toda a história do evento. – adianta-se temporalmente o produtor de eventos.
- Essa história de digitais pode ser fraudada por esses maloqueiros que tem banda de rock. – o um-tanto-quanto-preconceituoso cliente contra-ataca.
- Com certeza não, porque a identificação das digitais é realizada com mapeamento de DNA e comparação de referências e contra-referências além das referências cruzadas com contagem viral e cromossômica. – diverte-se ao usar palavras tão grandes na sua resposta, o tecnológico produtor de eventos.
- Mas aí só bandas que tem acesso a computador que vão conseguir votos. – preocupa-se o cliente, lembrando das bandas em bairros periféricos e que ainda não contam com sistema de energia elétrica, bem como outras benfeitorias públicas.
- A curadoria do festival vai disponibilizar quiosques com computadores de última geração em diversos locais do estado, bem como unidades móveis com laptops conectados em sistema wireless por todas as zonas rurais (até mesmo em Doverlândia), e instrutores de informática treinados pelo Senac e pelo Sebrae e pela DataControl para orientar o público votante que não tiver familiaridade com informática. – orienta o já entediado produtor do maldito festival.
- Esses computadores serão viciados, direcionando o voto para quem a curadoria desejar. Pensa que eu não sei como funcionam as urnas eletrônicas?? A treta é a mesma. – desabafa o eleitor-cliente, já frustrado por anos de falcatruas eleitorais.
- Nunca! Todos os computadores utilizados serão auditados pela Price-whiterhouse-Coopers, bem como pela Fundação Jimmy Carter (que vai ajudar o Anthony “anti-cristo” Garotinho a fiscalizar as eleições no país), pelo Conselho de Segurança da ONU e por um emissário do Papa.
- Vai acabar sendo as mesmas bandas de sempre então. Já vi tudo. – expressa com um muxoxo o cliente enfastiado.
- Impossível! O festival vai prezar pela inovação e por apresentar atrações que nunca vieram no país, algumas delas nunca vieram nesse mundo, sendo compostas por almas-penadas e extra-terrestres. – urra o produtor da desgraça do festival de merda.
- Então não vai ter nada que já conheça. Ainda bem que eu não vou nesse festival, porque vou lá pra...
- PRA PÔRRA DA FAZENDA DA DESGRAÇADA DA SUA VÓ!!!! APROVEITA E MORRE POR LÁ!!!

Isso poderia ser um diálogo entre um interessado cliente, público pagante de festivais e um esforçado produtor de eventos, seja ele independente-mainstream, independente-independente ou independente-tosco.
Poderia? Tirando todos os caricatos exageros do texto, isso é o que vemos sempre que se aproxima algum festival, em qualquer comunidade de rockeiros independentes do país. O público é exigente, e isso é bom, mas sempre surgem aqueles que exigem, cobram, reclamam, pressionam, sem ter nenhuma base de coerência. Reclamam por querer reclamar.
Parece cínico da minha parte pintar o público-cliente-pagante dessa forma que apresentei acima, porque sempre reclamo de melhores condições e melhores qualidades nos eventos para o esse público-cliente-pagante, principalmente por ver os eventos pelo meu prisma profissional. Mas mesmo eu sendo o “marketeiro demoníaco neoliberal”, eu sempre vi a afirmativa “O Cliente tem sempre razão” com muitas ressalvas.
O cliente tem sempre AS SUAS razões, isso é uma verdade, mas nem todas essas razões existem para ser atendidas e saciadas. Eu costumo dizer para meus clientes de consultoria que se a empresa fizer TUDO o que o cliente deseja, pode se preparar para falir, porque o cliente quer preço baixo, prazo gigante, entrega à domicílio, atendimento 24 horas, massagem nos pés e beijo na boca. E não está errado em querer, porque o desejo não precisa ter limites, principalmente quando o seu dinheiro – prezado cliente-público-pagante que me lê agora – está envolvido.
Mas os organizadores, produtores de eventos precisam lidar com limitações práticas e pragmáticas que muitas vezes inviabilizam atender os desejos de quem paga, e isso é uma limitação que precisa ser explicitada na relação.

“Cliente-público-pagante, a organização do festival não tem condição de bancar groupies de topless se banhando em leite condensado, porque leite condensado é muito caro e iria sujar o teatro. Desculpe a nossa falha!” e a fila anda, como dizem os malditos Downers.

Sabe onde reside o milagre? Na relação que se constrói entre o produtor de eventos e o público. Porque o público está no seu direito quando cobra melhorias, e os organizadores também estão no seu direito quando não atendem a algumas dessas cobranças, mas se a relação é construída com base no melhor que cada um pode oferecer, aí essa relação se sustenta verdadeiramente.
E o que cada um pode oferecer de melhor? Os produtores podem realizar eventos com cuidado e profissionalismo sempre, bandas com shows fuderozzos, bem ensaiados e inovadores, realizados em locais com facilidades de atendimento ao público como bares com poucas filas, instalações em quantidade e qualidade suficiente como banheiros limpos, por exemplo, e divulgação adequada e bem feita.
O público em contrapartida oferece em retorno fidelidade aos eventos realizados, pois tem certeza da qualidade e da diversão oferecida, isso garante rentabilidade nos eventos e longevidade às produtoras e aos selos. O público pode oferecer ainda a tranqüilidade de eventos sem confusão e sem depredação dos locais de shows.
Uma relação construída nessas bases tem muito mais facilidade de prosperar e de fazer uma cena poderosa. Claro que sempre vão existir os que reclamam por reclamar, como os dos exemplos apresentados no texto, mas com o tempo até mesmo isso tende a diminuir, pelo receio de pagar mico, pela vergonha de falar besteira ou por coerência mesmo, porque até mesmo cliente pode ser treinado. E entenda-se que o cliente que precisa ser treinado é aquele que reclama por reclamar, posa de rebeldezinho, agride por agredir, vive no colo da mamma, exige o que não tem lógica e só tumultua a relação produtor-público. Guerrilheirozinhos virtuais.
Para esse cliente reclamão, esse cuervo inconveniente, cabe a sugestão do meu amigo Túlio: procure um tratamento.



P.S. - Antes que alguém reclame da forma como eu apresentei a profissão de bancário, eu esclareço que não acho que seja um mar de rosas e nem a melhor das profissões do mundo. Eu fui bancário por muito tempo e sei que é uma categoria que rala pra caralho, que trabalha como um burro de carga, ganha como um burro de carga (mal demais) e é tratado como um burro de carga. Não é fácil ser bancário. O exemplo só tem o caráter ilustrativo, ok? Melhor explicar logo, porque vai que o neto da velha de Doverlândia resolve falar alguma coisa!


Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Sobre inFernet, cuervos & janelas sujas


MySpaces, Tramas, Orkuts, MSNs e www’s são hoje algumas das mais poderosas ferramentas de divulgação para bandas de rock independente do mundo inteiro, que se valem desses recursos para agendar shows, mostrar suas músicas, estreitar contatos e mostrar a cara para um público sempre ávido por novidades e qualidades.

Mas como tudo na vida, existe um lado ruim disso, e até já abordei uma vez uma das facetas desse problema. Vivemos épocas em que a privacidade tornou-se um conceito melífluo, épocas em que as pessoas julgam-se próximas, amigas, conhecidas e outros relacionamentos falsamente criados e alimentados por bits, por anonimato e por distância. Uma vez que o sujeito entra na lista de “amigos” orkutianos, já se sente no direito de dar palpite, conselho, avisar de perigos gigantescos (“O orkut vai ser pago se você não mandar essa mensagem pra sete virgens” ou “Vai ficar verde e amarelo quando você pular num pé só gritando meu nome” e outras asnices) pedir dinheiro emprestado ou mandar piada sem graça (como aquela de que se conheceram no presídio e que o cara foi violentado... putz!). E aí aquele sujeito que você trocou algumas frases num tópico qualquer te encontra num show ou na rua e já te cumprimenta como se fosse um primo seu que foi separado da família pelo terremoto. Cheio de saudade e carinho! Loki, não?

Quem tem banda já deve ter passado por isso: você está assistindo um show, tranqüilo, bebericando sua cervejota, e aí surgido das trevas aparece alguém para conversar com você, com extrema intimidade, usando apelidos íntimos (“E aí, cabeção!”) e tapas nas costas; e tudo que você consegue pensar é “Quem é esse maluco, meudeusdocéu?”. O cara viu um show da tua banda, achou legal e por isso se sente próximo, amigo ou coisa parecida. Imagina então se você fosse o Flausino, o Camelo ou o Chorão? Ser famoso não deve ser assim tão divertido, porque você se torna público, de domínio público, de usufruto público, e se você se limita a não ser assim tão “consumível”, então você é metido, arrogante, estrela e outros palavrões generosos.

E isso é reforçado porque, como disse o grande Nobre (“grande” pode ter duplo sentido nesse caso. rs) nós “abrimos nossos corações” nas instâncias virtuais que participamos, quando nos posicionamos nas discussões, quando explicamos nossos pontos de vista, e nessa abertura criamos corvos.

“Cría cuervos y te sacarán los ojos”, diz o ditado espanhol, que se traduzirmos livremente seria algo perto de “crie corvos e eles te arrancarão os olhos”, para mostrar que muitas vezes nós mesmos criamos os nossos algozes e carrascos. Quando em uma discussão virtual, dirigimos a palavra a alguém, podemos estar abrindo a guarda a algum maluco qualquer, fake ou anônimo (o que é pior ainda) que se esconde por trás da tela para proferir seus vaticínios. Quando batalhamos para expor nossas bandas ou nossos selos ou nossos escritos ou nossos zines virtuais ou o que quer que seja, quando mostramos a cara enfim, estamos nos destacando na multidão silente, e isso tem seu preço.

Porque aí os “cuervos” mostram saber de nossas vidas muito mais que nós mesmos. Detectam nossas canalhices, nossos vícios, nossos hábitos, nossas estratégias de marketing (as boas e as – quase sempre – ruins), nossos preconceitos e com isso fazem o nosso diagnóstico e o divulgam. Sem ter nunca conversado diretamente com o “diagnosticado” ou sem sequer querer saber o que realmente aconteceu em fatos e eventos os mais diversos. Em tempos de jornalismo gonzo tínhamos mais dignidade nos comentários, pois a criatura comentadora tinha que viver, experimentar, saber realmente para poder falar. Mas vivemos épocas de jornalismo Google, em que juntando pedaços de informação já se tem a verdade absoluta. E Ai de quem quiser contestar essa verdade googólica.

Exemplos existem aos montes dessa sandice generalizada. Eu já levei pedrada de gente que nunca conversou comigo ou sequer mandou um e-mail para perguntar ou confirmar meus pontos de vista. Segundo (da TwoBeersOrNotToBeers, selo daqui de GoiâniaTown) encontrou uma nêmesis brasiliense que o acusa dos mais diversos pecados sem – até onde eu sei – nunca ter discutido nenhuma idéia com ele por cinco minutos que fosse. As bandas Rockefellers e Violins atravessaram suas crises recentemente – com desfechos distintos – e descobriram atônitos que muitos entendem mais de suas vidas que eles próprios. Los cuervos, irmanitos, los cuervos!

Nesse último exemplo – das duas bandas – foi interessante perceber o tanto de explicações que surgiram para os problemas INTERNOS (em maiúscula, negrito, sublinhado e itálico, para devido destaque desse detalhe) que as bandas atravessaram, desde o argumento batido e babaca de que eram óbvias táticas marqueteiras para chamar público aos futuros shows (como se essas bandas precisassem disso) até mesmo interpretações sobre ex-membros enciumados que poderiam ter feito voodoo para despencar urucubacas nas cabeças das bandas como se fossem a própria mão de Deus.

Lembro de uma historinha que ouvi uma vez. Um casal que um dia em sua cozinha tomando café da manhã, viu sua nova vizinha colocando os lençóis no varal para secar. A mulher olha para os lençóis sendo esticados e decreta:

- Essa nova vizinha é muito porcalhona. Olha lá que lençóis mais imundos! Estão sujos demais. Nem parece que foram lavados.

O sujeito ouve sua mulher, toma seu café, calado, e logo após segue para o trabalho.

Dias depois a cena se repete. A vizinha estende seus lençóis recém lavados em seu varal, e a mulher irritada com o desleixo da vizinha, urra a verdade absoluta espumando os cantos da boca:

- Essa mulher não sabe lavar roupa. Definitivamente. Olha a sujeira daqueles lençóis. Porca!!

O sujeito engole um último gole de café com adoçante e vai embora para sua rotina.

Dias depois, durante outro café da manhã, a mulher ao ver a vizinha colocar os lençóis no varal, se surpreende:

- Veja só. Os lençóis estão limpos hoje. E eu nem fui lá ensinar a lambona a lavar roupa. O que será que ela fez de diferente?

O sujeito-marido responde com calma e prazer:

- Ela não fez nada de diferente. Eu que acordei mais cedo e lavei as nossas janelas.

Por causa da aparente proximidade proporcionada pela inFernet existe muita gente de janela suja criticando roupa lavada do outro. Olhando, diagnosticando e criticando problemas de outros, sem realizar uma devida análise dos seus próprios problemas. Fácil falar do quintal do vizinho, não é verdade?

Como estou na inFernet, também vou me arvorar o direito abusado de dar conselho. “Cuervos” famintos, querem saber o que fazer? Olhem antes para os próprios umbigos inflamados, antes de apontar os problemas dos outros.

Ou melhor ainda: Arrumem uma vida!



Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com