segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

Minha homenagem a um Colibri muito especial

Como um Colibri que vai embora...

Tem umas coisas...
Eu sempre estou falando de melhorar as condições dos eventos do rock independente, de preocuparmos mais com o público, colocando alguns conceitos de administração ou mesmo de mercado empresarial quando me refiro à cena e isso nem sempre cai bem com todo mundo. Mas eu vi de perto o motivo de tanta preocupação, que talvez eu nem entendesse tão bem até aquele momento.
Mário Quintana disse uma vez que quando você ama alguém, esse alguém passa a viver dentro de você. E falar de amor pode soar estraño, especialmente em época de patrulhamento ideológico que proíbe falar de amor, porque isso é coisa de “emo”; mas é impossível pra mim, pensar em outro sentimento depois do que eu vivi. Depois do Colibri.
Isso porque no show do SANGUE SECO, no dia 10 de fevereiro, um guri se aproximou, se apresentou, elogiou o nosso show e começou a conversar. Achei o guri gente boa e com a prosa legal, e eu conversava com ele (que tinha sei lá, uns quinze anos) que me falava da banda dele, ou melhor, da ex-banda dele porque ele estava saindo dela por motivos particulares. Impressionante, mas ele estava aos pedaços, não chorava (porque chorar é coisa de “emo”), mas depois de ter trabalhado algum tempo com psicoterapia, fica meio na cara quando alguém está engasgando e engolindo um nó do tamanho de uma garrafa.
Eu fiquei impressionado, principalmente porque me identifiquei. Eu sou um cara casado, psicólogo, quase quarenta anos de idade, e já tinha me acostumado à idéia de que nunca ia ter uma banda de rock (ter uma banda = participar de uma banda), porque durante minha adolescência as minhas iniciativas com o rock nunca deram muito certo. As únicas coisas que sobraram dessas tentativas foi o fim definitivo de uma grande amizade e a sensação de que eu era um completo fracasso, ou a mais sincera tentativa de um fracasso. Mas ano passado montamos o SANGUE SECO, e eu venho tendo muita alegria com esses três alucinados (como digo na letra de “Sexto Minuto”). E nisso que eu me identifiquei, no amor, na paixão que aquele guri tinha pela banda dele, uma banda que não tinha feito nenhum show ainda, que ensaiava lá de vez em quando, porque todos estudantes quebrados não tinham grana toda semana para pagar estúdio. Mas ali ele estava me mostrando o tamanho do envolvimento que a banda tinha gerado na vida dele, o tudo que ela significava pra ele. E eu me emocionei. Confesso. Porque sinto a mesma coisa, essa vontade doida de ensaiar, de fazer música, de fazer show, de ouvir o povo comentando e poder aprender com cada toque generoso que a gente recebe, como as dicas que o Túlio deu no dia 10 (Valeu, Túlio!).
E aí é onde eu digo: Tem umas coisas...
Deixa eu contar uma outra coisa, pra poder voltar pra essa coisa.
Quem estava no GoiâniaNoise e viu o show do Trissônicos presenciou uma cena inesquecível. Durante todo o show deles havia duas criaturas se seduzindo no canto do palco, atrás das caixas de som. Um sujeito e uma menina. Ele feio, ela gata. A última música do show falava de amor, e repetia muito a palavra amor, e quando o Trissônicos tocou essa música, os dois atrás da caixa de som se atracaram num beijo devorador. Sabe aqueles beijos de deixar a boca doendo? Que parece que o encaixe dos lábios foi tão perfeito que tinha sido desenhado pra combinar com a sua boca? E como é bom encontrar uma boca que encaixe com a sua, putaquipariu!! E que você cola o corpo inteiro, para não perder aquela sensação gostosa da presença.
Nem estou falando do tesão danado que é um beijo desses, mas o prazer da conquista, a entrega finalmente ao outro, o carinho das bocas se apertando, aquela briga de submarinos que as línguas fazem e tudo que isso pode deixar na gente depois. É disso, essa sensação única e inesquecível que eu estou falando.
E a cena dos dois se agarrando foi mágica porque pareceu combinada com a música trissônica. O Júnior falando de amor e o casal se devorando. Uau!
Agora volta para o show do dia 10, na minha conversa com o guri que estava saindo da banda. Ele está me contando que vai sair da banda, pronto pra chorar e aí ele abaixa a cabeça pra fazer força pra não chorar, mas aparentemente viu que não ia conseguir segurar e saiu de lado, foi embora. Fingiu que enfiava a camiseta pra dentro da calça, e saiu de cabeça baixa para os lados dos portões. Na hora que ele abaixou a cabeça e saiu, por trás da cabeça dele, numa planta do canteiro, eu vi um Colibri. Um beija-flor, para quem preferir. Eu prefiro Colibri.
Com toda aquela leveza, aquela ansiedade, a velocidade das asas, eu imaginei o coração batendo rapidíssimo para manter aquela energia, aquela beleza agressiva de verde brilhante; e eu confesso que esqueci completamente naquela hora do cara que estava saindo da banda. Fiquei ali olhando aquele Colibri em toda sua majestade, apesar do tamanho pequenito. Em toda sua agressividade, apesar de ser tão gentil com a flor. Alguém pode até estranhar eu ficar tão extasiado com um Colibri, mas eu tinha meio litro de tequila reposada nas veias (o show foi regado à tequila) e um Colibri não é uma imagem tão comum, é algo raro, inesquecível, marcante.
E uma cena fechou com outra. O Colibri foi embora, eu fiquei ali com cara de bobo e aí me lembrei do garoto que vai deixar a banda. E como estava emocionado com a situação, de uma forma geral, eu fiquei preocupado. Aquele guri ainda poderia ter duzentas bandas até chegar à minha idade (o Guga, guitarrista do SANGUE SECO, teve até hoje umas cento e quarenta e sete bandas. E ainda não chegou na minha idade). Aquele guri ainda poderia participar de qualquer cena rock do país, porque ele era novo e já estava participando, indo aos shows, fazendo amizades, discutindo coisas; é articulado, conversa bem. E ainda assim ele estava devastado pelo afastamento e pela distância que viria. Talvez para sempre. Afastamento e distância que iriam deixar suas marcas e cicatrizes, certamente.
E o casal beijando no show do Trissônicos, o Colibri belíssimo indo embora e o guri querendo chorar... de repente tudo ficou junto na minha cabeça, fez sentido.
Esse é o público que lidamos nos nossos eventos. Apaixonados, intensos, entregues, querendo viver uma experiência única, por mais fugaz que seja.
Por mais que o contato com o Colibri tenha sido breve, foi inesquecível, olha eu comentando dele aqui e me emocionando de novo. O Colibri passou a viver dentro de mim porque gerou um momento inesquecível. O casal que se beija e suas bocas em encaixe perfeito. Cada ensaio de banda que fazemos. Cada show que vamos. São marcantes e passam a viver dentro. Como disse o replicante “esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva” porque vivem dentro de cada um, preservadas.
E nosso público? Falo sem medo de errar que todo mundo que participa dos eventos do rock independente já teve um show de rock que marcou sua vida pra sempre. Quantos participam e assistem os shows das nossas bandas e saem dali com a vida transformada, alterada, com um desejo grande para guiar aqueles passos desastrados que ainda virão? Nem digo que nossas bandas sejam a suprema definição de qualidade (nós, pelo menos, não somos mesmo), mas sempre atinge alguém com força, sempre passa uma mensagem. Ninguém passa em vão.
Numa discussão que surgiu por causa de um desses textos publicados, um organizador de shows daqui de GoiâniaTown, o Segundo, me disse uma coisa que me fez refletir: “Inimigo, tem guri que quer ir para um show tosco, beber pingorante e vomitar na calçada!” E ele estava certo. Tem guri que quer ir a um show sem muita frescura, sem muito detalhe, com o perdigoto do vocalista caindo na cara dele, para ele poder mostrar os hematomas para os colegas na escola – “Isso aqui foi numa roda de hardcore no show do WCMasculino!” – e deixar os colegas babando de inveja.
Então que seja para o cara que quer ir ao show e ter um som de qualidade, quer entender as letras, quer pular e pogar sem se machucar, quer beber cerveja gelada, quer comer algo gostoso como o acarajé da Tia, para esse cara nós temos que procurar elevar o nível sempre, e naquilo que está saltando aos olhos porque os exemplos existem aos montes em eventos de todos os tipos.
Mas isso não quer dizer que para o guri que quer beber o pingorante e passar mal não existam coisas para melhorar. Mesmo num “BiritaRockAtitude” que tem por ideal e descrição ser tosco (por tosco não estou dizendo que seja ruim, muito pelo contrário), ainda assim precisamos pensar em segurança para esses guris, em banheiros, coisas que ninguém desse público talvez exija, mas com certeza aprecia se tiver. Porque eles estão tendo uma experiência única, que pode ser uma marca definitiva para eles, e isso é uma responsabilidade muito séria.
O primeiro emprego na minha vida foi como professor de inglês, coisa que jurei nunca mais fazer na minha vida, nem para amigos. Isso porque um dia numa sala de aula fiquei aterrorizado pela idéia de que algum daqueles alunos, das mais variadas idades, pudesse não gostar da minha camiseta do Sex Pistols ou do meu tênis imundo e por isso passasse a não gostar de inglês. Por não gostar de mim, passar a detestar o idioma. Sei que sou paranóico, mas a responsabilidade era muito grande, e eu não queria lidar com isso.
Quando repito as pancadas nas teclas de melhoria dos shows, mesmo em shows simples estou me preocupando com a lembrança que vamos deixar nesses que freqüentam os eventos.
Isso porque às vezes o Colibri vai embora, e deixa um vazio. Por mais rápido que seja o contato, ainda assim a profundidade reside na intenção, e quando temos a intenção de fazer aquele relacionamento durar, por mais improvável que isso seja, isso só depende do tanto que nos dedicamos aos detalhes, aos momentos, a cada pequeno bater de asa e de um coração assustado. Cuidado nos detalhes como um cego tateando um rosto para memorizar as feições de alguém, com gentileza, com suavidade, com atenção.
Por mais que possa parecer piegas, tenho certeza da importância única de DC (depois do Colibri). Por mais que doa, por mais que machuque, sei que o guri que saiu pelo portão e provavelmente desabou em lágrimas vai aprender a viver com suas cicatrizes, como um Colibri que vai embora...


Sabe, eu nem sei se vou voltar a te encontrar, mas que fique aqui meu respeito e minha homenagem ao que vi e vivi. Mesmo eu não as tendo visto, sei que suas lágrimas são importantes e vão marcar sua vida. Mas nunca abaixe a cabeça, viu? Nunca! Colibris são pequenos, mas são brigões, parrudos, e nunca abaixam a cabeça.



Eduardo, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

SANGUE SECO - é muito bom tocar nessa banda!

Como dito no texto "Benchmarking sertanejo" (tá aí abaixo), o SANGUE SECO abriu o show dos Garotos Podres, na sexta feira dia 10 de fevereiro. Foi loki!
A começar quando eu fiquei sabendo que íamos abrir o show. Eu estava indo para o trabalho, dirigindo no tranquilo e pacato trânsito de GoiâniaTown, quando Guga me ligou e perguntou se estava tudo bem. Respondi-lhe que estava tudo muito bem, e ele perguntou se queria que melhorasse ainda mais o dia, e me contou que nós íamos abrir o show para Resistentes, Albert Fish e Garotos Podres. Quase bati o carro.
Uma Festa Punk de alta qualidade, e nós estávamos no meio. Fiquei super feliz. Os dias que se seguiram foram de muitos ensaios e trabalho duro. Não sabia que ter banda desse tanto trabalho, mas realmente o ANTES é muito suado. Preparamos uma surpresa para o dia do show, e o tempo passou rápido. Estávamos nos divertindo!
Na sexta feira chegamos lá no MartinCererê para passar o som. Já vimos que ia ser um show massa, porque o som era de primeira e nós arrumamos do nosso jeito. Tocamos três músicas para passar o som, e já aquecemos o suficiente para ficar empolgados.
Muita gente chegando, e na hora que fomos começar o teatro encheu. Muito legal. O som estava afiado, a banda se divertindo, um litro de tequila reposada nos acompanhando e muita gente curtindo o show. Uma galera pedindo "Sexto Minuto" e nós ansiosos pela surpresa. A surpresa é que tínhamos feito uma música nova - "Gado" - e no meio dela colocamos "Holiday in Cambodia" do Dead Kennedys. O legal é que tocávamos o DK e voltávamos para a nossa música. Ficou muito bom.
Na hora que tocamos "Sexto Minuto" o povo enlouqueceu. Roda de hardcore, gente pulando, cantando junto, e eu fiquei sem entender e pensando "Gente, essa é nossa música mais pop. Essa é a bossa nova!", mas o povo continuava voando pelo teatro. Que coisa boa!
E na hora de "Gado" quando entramos na música do DK, esperávamos que o teatro viesse abaixo, mas o povo não reagiu. Muita gente antiga, dinossauros como nosotros, esses reagiram com entusiasmo, dava pra ver nas caras. Mas a galera nova pulava normalzinho, sem a empolgação que esperávamos. Vai entender...
Os outros shows foram muito bons, e ao final de tudo enquanto batíamos um papo com os caras do Garotos Podres, o guitarrista comentou "Cara, sua banda é muito boa! Vocês estão de parabéns!".
Foi a coroação de uma noite inesquecível.
É muito bom tocar nessa banda!!

A lenda do Elefante Fora do Eixo

Não tá vendo o elefante??


Conta uma antiga lenda que um homem entra em uma cidade montado em um elefante. As pessoas que o viam se assustavam com aquela cena insólita, afastavam-se correndo e perguntavam ao homem o motivo daquela sandice, passear montado em um elefante. O homem estava tão bem acomodado nas costas do paquiderme, tão satisfeito por sua posição inatacável e nas alturas, que não percebia mais que estava sobre um elefante. E a todos que o perguntavam, aos gritos, o porque daquela maluquice ele simplesmente dava de ombros e perguntava: “Qual maluquice?”

Ele não percebia que estava sobre um elefante.
Talvez essa pequena lenda soe fantasiosa, mas muitos são aqueles que estão próximos do “elefante” e não o vêem. Muitos são os que estão tão imersos na situação que não conseguem perceber os contornos da mesma, e perpetuam comportamentos antigos de outras épocas, em que as necessidades e as exigências eram outras, bem outras. Não se pode perguntar como é a água para um peixe, pois ele está tão incluído, inserido e é tão tacanho seu raciocínio, que ele não consegue comentar sobre o líquido. Temos peixes assim aos montes em nosso meio, no meio do rock independente.

“Foi-se o tempo em que ter banda não significava estar ligada nesses processos políticos. É a integração se consolidando cada vez mais. E quem tá por fora, tá ficando pra trás.”
Pablo Capilé – Espaço Cubo

Vejam isso, no último Goiânia Noise, dando seqüência a articulações que já vinham acontecendo há algum tempo, os produtores da cena rock se uniram para discutir problemas comuns, propostas eficazes e assim fortalecer ainda mais os resultados de tanta gente que se esforça para fazer brilhar um poquito más o rock independente. Nesse dado encontro foi fundada a ABRAFIN – Associação Brasileira de Festivais Independentes, visando dar um caráter definitivamente organizado e sério para o circuito dos Festivais e com isso favorecer o relacionamento dos produtores com as fontes de renda e patrocínio, bem como apoios estatais possíveis. Tratam-se de 16 festivais independentes, atingindo um público total estimado em 300 mil pessoas, que consomem, influenciam, participam e definem os rumos de vários sub-grupos dentro das comunidades atingidas, ou seja, é fonte de trabalho, renda e cidadania para muitas pessoas.
Ainda nesse festival foi fundado o Circuito Fora do Eixo, que busca interligar os festivais, sites, blogs, mailings, programas de rádio e TV, bandas e produtores por todo o país. O Fora do Eixo definiu três eixos estratégicos para iniciar esse processo nacional, que são: a produção de conteúdo, a distribuição entre os selos e a circulação de produtores e bandas. Vem sendo atualmente o canal de comunicação por todo o país entre pessoas envolvidas na cena rock independente, favorecendo o contato, as trocas de informações, as dicas e orientações de quem já deu a cara à tapa e agora pode economizar as dores de quem está começando.
Com essas duas forças soltas pelo país o que podemos ver são sites conquistando espaço e credibilidade (como o FanROck – www.fanrock.com.br – o LondrinaRock – www.londrinarock.com.br – e o Dynamite – www.dynamite.com.br), blogs que aumentam seu número de leitores cotidianamente (como o Baba de Calango – http://babadecalango-to.zip.net e o Espaço Cubo Digital – www.espacocubo.blogger.com.br), programas e zines virtuais de rádio (como o Loaded – www.loaded-e-zine.com), comunidades orkutianas aos montes (GoiâniaRockCity, ForadoEixo e 99% das bandas, dentre outras) e eventos & festivais cada vez mais profissionais, como os bem próximos Porto Musical em Pernambuco, de 19 a 22/02, e o Grito Rock em Cuiabá, de 24 a 27/03 (calendário completo dos festivais no final do texto). Claro que um parágrafo não é suficiente para encaixar todas as iniciativas que vem surgindo por todo o país, movidos pela força de um movimento que se organiza como forma de sobrevivência e longevidade, talvez nem tanto por uma real necessidade, mas principalmente pelo grande senso de responsabilidade e oportunidade de quem se envolve em uma iniciativa bandeirante.
Coloque-se nesse balaio ainda as milhares (se não forem milhões. Estarei exagerando?) de bandas que surgem, que gravam, que querem tocar, que ensaiam, compõem, criam e fazem do rock uma lembrança inesquecível em suas vidas, e aí temos um breve rascunho do cenário que temos hoje em dia no país. Reforço a todo instante a expressão “no país” porque essa é a característica mais marcante dessa movimentação toda: a integração nacional. Integração essa que nenhum presidente de mini-série ou barbado tenha conseguido fazer. Integração essa que nenhuma operação tapa-buraco fracassada ou interdição de locais de rock consiga impedir. Integração essa que põe mais sabor na aventura de fazer rock brasilis independentis.
E aí então podemos vê-lo; esse é o elefante. Gigantesco, poderoso, manso ainda que determinado. Crescendo a olhos vistos, soltando seu balido rebelde recusando-se a se render, mostrando garras, urros e cicatrizes para quem quiser ver e para quem quiser acompanhar. Pois ainda existem muitos que insistem em não ver esse animal enorme, insistem em ignorar uma onda que percorre toda a extensão nacional e que vem gerando cada vez mais frutos.
Estes, tolos estes, que ainda insistem na acomodação rançosa, esperando colo ou proteção, sem se arriscarem a sair na chuva e dançar na beira do penhasco. Estes muitos, que ainda acreditam em duas situações esquizóides: a primeira dessas situações é um oásis de água fresca e sombra farta, onde ninguém precisa se esforçar e as 600 virgens nos esperam; e a outra situação em que não existe forma digna de crescer, e qualquer forma de organização e profissionalismo é simplesmente entreguista e canalha; situação em que os envolvidos se vendem ao sistema e perdem suas almas imortais. E dentro dessas possibilidades ou esperamos o maná cair dos céus ou continuamos a realizar eventos mal feitos, sem qualidade e sem preocupação com o público. Ambas situações bem longe da realidade.
Vemos freqüentemente situações de pessoas envolvidas com música e arte em geral, que não acreditam em um movimento independente como esse que acontece no país. Pessoas que só acreditam no rock brasilis de Loser Manos e Charlie Brau Jr, porque tocam no rádio ou coisa parecida. Essa semana vi um jornalista da área de música falando que “esses festivais são um amontoado de lixo”. Isso assusta quem não está preparado pra ouvir. Ou eu sou completamente sem noção ou então eu já vi muita banda de alta qualidade nos festivais que freqüento. Mas para quem está esperando a “next big thing” da Europa, fica difícil entender que em GoiâniaTown tem uma banda excelente como o Señores, por exemplo (e eu poderia dar um monte de exemplos).
Ninguém falou que esse elefante era fácil de montar, e mesmo tendo gente Fora do Eixo pra todos os cantos, mesmo encontrando montes de pessoas que vislumbram essa organização pelos MSNs da vida (a propósito o meu é eduardoamesquita@hotmail.com) ainda assim existe muita ralação para colocar em prática todos os planos e sonhos de dominação mundial gestados em reuniões sérias ou em mesas de boteco (e esses planos sempre parecem melhores). Os obstáculos são enormes e esses tolos que insistem em não vislumbrar o elefante não cooperam muito para diminuir as dores, muito pelo contrário reforçam as frases derrotistas e negativistas.
Não pensem que acredito também em um ambiente onde todos pensem igual e acreditem nas mesmas coisas e sorriam das mesmas piadas, até porque isso não seria normal. Seríamos então todos vítimas de lobotomia assistindo programas dominicais, ou seja, acéfalos, inertes e derrotados. Sempre teremos pensamentos dissonantes e isso é o que pode gerar novas alternativas e saídas criativas, mas quando conduzidas de forma positiva e propositiva. Simplesmente usar do poder de argumentar para soar irônico, debochado ou cool não acrescenta nada a essa seara tão cruenta que é fazer rock. E o que é pior, ignorar o que vem acontecendo, isso sim é uma rematada palhaçada.
Pra qualquer um que escolha olhar e ver as opções são poucas, ou melhor ainda, não há opção: vai ter que ver que existe espaço, possibilidade e caminho, basta trabalhar e trabalhar bem. Participando, se envolvendo, tomando iniciativa e (mais uma vez) parando de simplesmente reclamar ou criticar o que outros fazem, a conseqüência inevitável é subir nesse elefante porque ainda existe muito espaço, o bicho é grande e quem já subiu estica o braço e dá uma força.
Experimenta visitar algum dos endereços eletrônicos que aparecem nesse texto, deixe seus comentários, participe ativamente e você vai ver que credibilidade e respeito são o resultado dessa equação. Experimenta deixar de lado aquelas visitas sem deixar marca pelos sites e blogs, e você vai ter respostas. Experimenta participar das discussões orkutianas com propostas, sugestões ou no mínimo suas idéias de forma franca e tranqüila e no próximo festival vai ter gente chegando pra conversar contigo. Experimenta pesquisar no Google sobre essa lenda do elefante que eu contei lá no início, e você vai ver que ela não existe, mas serviu bem para o que dela era necessário, foi uma ferramenta eficaz. Existem trilhões de outras ferramentas eficazes por aí, basta usar, mesmo que às vezes tenhamos que forçar a história.
Use o elefante, ele está passando na sua porta.


Eduardo, O Inimigo do rei


FEVEREIRO
Porto Musical-PE: 19 A 22
MARÇO
Grito Rock-MT: 24, 25, 26, 27 E 04 DE MARÇO
ABRIL
Abril Pro Rock-PE: 21 a 23
MAIO
Bananada-GO: Segunda Quinzena
Eletronika-MG: 11, 12 e 13!
JUNHO
Porão do Rock-DF: 2, 3 e 4
Festival Calango-MT: 16, 17 e 18
AGOSTO
Do Sol-RN: Primeira semana!
SETEMBRO
Jambolada-MG: Primeira quinzena
Varadouro-AC: Segunda Quinzena
OUTUBRO
Demo Sul-PR: 6, 7 e 8
NOVEMBRO
Goiânia Noise Festival e Senhor F Festival: Ambos na Segunda Quinzena!
DEZEMBRO
Algumas pessoas tentam te fuder-RJ: Primeira quinzena de Dezembro

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Benchmarking sertanejo e Festa Punk - tudo pelo público!

Pra começar esse é o comentário que o Victor postou na comunidade Fora do Eixo, comentando sobre o texto mais abaixo:
Agora fiquei orgulhoso. Sério, finalmente alguem com cabeça aberta suficiente para tirar coisa boa de um show de sertanejo. A cada vez os textos do Eduardo ficam melhores. Vejo aí um cara foda. E posso dizer que tive orgulho de ler isso.
valeu Victor!!
Vamos ao texto...

Benchmarking sertanejo e Festa Punk – tudo pelo público.


“Doente de amor
Procurei remédio na vida noturna”

Não exatamente “doente” de amor, mas certamente por causa do amor, no dia 04 de fevereiro, sábado, fui ao show “Viola de Ouro – Encontro Sertanejo” aqui em GoiâniaTown assistir Rick & Renner, Edson & Hudson e Matogrosso e Mathias. Para quem não conhece, as duas primeiras são duplas sertanejas da moda, com muito sucesso atualmente, e a última é uma dupla clássica com quase quarenta anos de tradição e serviços prestados. Falei que fui por causa do amor, porque minha mulher gosta de música sertaneja, e para acompanhá-la lá fui eu. E mesmo conhecendo poucas músicas, existem algumas clássicas canções sertanejas que são imbatíveis quando se está numa fazenda, enchendo a cara de pinga de engenho e fartos pedaços de porco. Se somado a isso ainda existir uma mesa de truco, então pode acabar o mundo, porque é diversão na certa, e não se pode jogar truco tomando pinga e comendo porco numa fazenda escutando Dead Kennedys. Quer dizer, até pode, mas eu acho que fica estraño.
E lá fui eu querendo me divertir, sem preconceito e preocupado em beijar na boca. Mas ao chegar ao local do show, observei algumas coisas que me fizeram questionar vários comportamentos e atitudes que vemos no cenário rock independente cotidianamente. Comecei a fazer um benchmarking não autorizado.
Para quem não é da área da administração, benchmarking pode soar como um estrangeirismo sem sentido, mas tem todo o sentido. O benchmarking é uma atividade empresarial comum, e se trata simplesmente de observar uma empresa e aprender com o que ela tem de melhor. Se, por exemplo, eu quiser ver como realizar um atendimento rápido eu vou ao McDonald´s. Posso dizer que os sanduíches de lá são sem graça e insossos (porque eu realmente acho isso. Blargh!), posso dizer que é uma megacorporação americana demonizada por anos e anos de estratégia imperialista, posso criticar o que quiser, mas não posso negar que o atendimento dos caras é muito rápido. E isso é o benchmarking, coisa que fazemos (nós que temos banda) quando vamos ao show de outra banda, observando a presença de palco, os comentários, a ordem do set list, para aprender e incorporar as “melhores práticas”.

“Em uma boate aqui na zona sul”

Pois bem, lá estava eu chegando ao local do “Viola de Ouro”, um clube da cidade e percebi uma coisa interessante: a quantidade de flanelinhas. Todos os flanelinhas desse lado do planeta estavam por lá, e fiquei pensando como sempre temos problemas com carros arrebentados, arranhados, equipamentos roubados e quetais nos eventos de rock. Claro que aprender é também adaptar, porque nos shows de rock independente não temos ainda tanto público quanto um “Viola de Ouro” (aproximadamente 10.000 pessoas) e os flanelinhas não tem tanto interesse, mas os que usualmente freqüentam os nossos shows não poderiam ser cadastrados e treinados para prestarem um serviço melhor ao nosso público? Trata-se de uma situação que sempre gera conflitos, e são sempre os mesmos caras que estão perto dos shows de rock, porque não transformá-los em profissionais melhores e mais incorporados à cadeia produtiva? Se sabemos que a segurança dos carros do público é um problema recorrente, porque não atuar para resolver isso de forma eficaz?

“Vim curar a dor desse mal de amor na boate azul”

Pensem num show para dez mil pessoas com open bar. Isso mesmo, cerveja “di grátis”! Eu tinha certeza que não ia conseguir chegar perto de um balcão para pegar meu copo de cerveja morna entregue com muita má vontade por algum brucutu descontrolado, e eis que ao entrar no clube me surpreendi novamente. Aproximadamente uns dois kilômetros (sem nenhum exagero típico meu) de balcão, com centenas, muitas centenas de freezers e pessoas servindo cerveja geladíssima. Impressionante não? Não havia fila em lugar nenhum e nunca demorava mais que alguns segundos para reabastecer os nossos copos e voltar ao ponto de onde assistíamos o show. Organização.
Quanta falta isso faz para o nosso sofrido público do rock em eventos que não se lembram que tudo que está sendo feito ali é para o público pagante. Olha que palavra forte: pagante. Quantas vezes somos espremidos em tumultos descontrolados, empurrados por seguranças trogloditas, esperamos em filas kilométricas para comprar um ficha de cerveja, cerveja essa acima do preço justo, acima da temperatura ideal e tudo isso porque pagamos para entrar naquele recinto.

“E quando a noite vai se agonizando no clarão da aurora
Os integrantes da vida noturna se foram dormir
E a dama da noite, que estava comigo, também foi embora
Fecharam-se as portas, sozinho de novo, tive que sair”

Outra coisa usual são os seguranças expulsando o público ao final dos festivais e shows, como se não pudessem mais ficar no ambiente em que foi feito o show curtindo a madruga com os amigos, as bebidas, as lembranças, os beijos e abraços, putz, tanta coisa. Isso porque se formos nos lembrar, as pessoas que acabaram de assistir suas bandas preferidas tocando e semeando adrenalina querem ficar mais um pouco naquele lugar, porque do outro lado da grade ou do portão está o mundo real, com as lembranças de contas, provas, simulados, pais & mães, além de ladrões, punguistas, estupradores, toda uma comunidade unida para rapinar a molecada que vai aos shows. E que normalmente gastou todo o pouco dinheiro da mesada com a catuaba e o acarajé, mas que ainda assim tem o tênis legal para ser roubado. Dureza.
Nem quero me colocar no papel dos organizadores agora, porque estou pensando como público que fui no “Viola de Ouro”, e como público eu muitas vezes quis ficar no lugar um pouco mais, ou um muito mais, e os seguranças não deixaram, me jogando de volta ao mundo real sem câmara de descompressão que me preparasse de novo.

“Você mentiu quando jurava pra mim fidelidade
Fui apenas um escravo da maldade
Você quis, lutou e conseguiu”

Outro detalhe que muito me chamou a atenção no “Viola de Ouro” foi a pontualidade, artigo raro e valioso. Divulgaram que às 22 horas o show começaria com uma banda que nem me preocupei em decorar o nome, alguma espécie de “boi de piranha” pra aquecer a molecada. Pois exatamente às 22 horas os famosos desconhecidos abriram o espetáculo, mesmo com ninguém prestando atenção neles.
É muito comum ouvir gente organizando shows falando “Marca pras duas, pra começar as quatro porque o povo não chega mesmo”, e quando chega muitas vezes fica parado na porta e não entra para o show. Quantas reclamações já ouvi de organizadores de eventos sobre esse comportamento esquizóide do público, sem se aperceberem que atrasando seus eventos reforçam esse tipo de atitude, porque o público também pensa “Se marcaram para as duas, é porque vai começar às quatro”. Ou seja, finge que me ama e eu finjo que acredito, é mão dupla.
O que deveria ser observado e entendido é porque é tão mais divertido ficar do lado de fora nos começos de shows, e muitas vezes durante os shows inteiros. No caso do “Viola de Ouro”, mesmo com alguns milhares de pessoas ainda do lado de fora, driblando cambistas e vendedores ambulantes de whisky com energético (na bandeja! Pira! É um mundo diferente.), o show começou. A famosa banda desconhecida da abertura não ficou com chiliques de estrela de “Não vamos começar, tá vazio” que já vi acontecendo em show de rock. Porque se a banda foi colocada para abrir o evento, isso significa que ela não é o centro das atenções naquela noite. É banda de abertura, então abre. Mas existem aqueles que nesse momento, de abrir um show, são picados por alguma mosca azul e se sentem as estrelas em um espetáculo onde são convidados. Coisa estraña, né?
No “Viola de Ouro” havia um atrativo poderoso do lado de dentro: cerveja grátis! Além do mais não havia quase nada do lado de fora para se fazer, todas as mulheres com seus tops minúsculos e decotados e suas calças justas no limite da gangrena já estavam do lado de dentro, então quem quer ficar do lado de fora? Outra coisa para pensarmos.

”Você brincou com a minha sensibilidade
É o fim do nosso caso na verdade
Só nos restam recordações
Não toque em mim
Hoje descobri que você não é nada
Não podemos seguir juntos nessa estrada
É o fim do amor sincero que eu senti”

E quantas vezes esse público pagante, sendo desrespeitado, descobre finalmente que se dedicou a alguém que não merece essa dedicação. Pessoas que brincam de organizar eventos, mas que ainda confundem simplicidade com tosqueira, talvez por crer que investir em qualidade seja “se vender ao sistema” ou qualquer outra utopia bolivariana semelhante.
Reclamar de preço alto em festival está no contrato, todo mundo faz isso, mas reconhecem quando esse preço alto é justo. E aí surge outro toque do “Viola de Ouro”, porque quando vi a divulgação achei que Rick & Rildo e Edson & Hondson seriam as atrações da noite, e que a dupla clássica e tradicional ia abrir os shows. Fiquei indignado; mas me precipitei na indignação porque na hora do show Rick e Rélges e Edson e Ildes (ou coisa parecida, quem se importa?) abriram o espetáculo para Matogrosso e Mathias, com clássicos sertanejos aos montes para embriagar uma platéia que a essas alturas já tinha litros de cerveja entre as orelhas.
Então o público rock quando vê o preço de festivais – principalmente – reclama porque a maioria são estudantes, grana curta e que não juntam dinheiro ao longo do ano para poder ir aos festivais (duro, mas é verdade), mas quando vêem atrações de alta qualidade, bandas com shows bem feitos, poderosos, que mostram o suor do trabalho cotidiano de se preparar para subir num palco, aí o público reconhece o valor investido. Se, além disso, ainda existirem grandes medalhões do rock na lista, aí então o valor se torna algo mais aceitável ainda.
Ontem, dia 10 de fevereiro, o SANGUE SECO (para quem não sabe é a banda em que sou vocalista/letrista) abriu o show para Resistentes, Albert Fish (de Portugal) e Garotos Podres. Muita gente tinha reclamado do preço, pedido para entrar “na faixa” (isso é muito comum, não é verdade?), dar um jeito e coisa e tal, mas os que efetivamente foram viram que o preço foi justíssimo. Nem vou falar do nosso show ou do Resistentes (do meu amigo homônimo Eduardo Mesquita), mas quando Albert Fish tocou e destruiu tudo, com direito a cover de Sham 69, ali a platéia percebeu – se ainda havia alguém em dúvida – que a Festa Punk era pra tocar fogo em tudo. Qualquer coisa depois disso seriam cinzas.
E então entra o Garotos Podres. Pausa.
Pausa porque para mim foi o primeiro show dos caras que eu vi, e o “Mais podres que nunca” foi o primeiro LP punk que comprei com o meu primeiro salário de professor (saudosos tempos de cátedra), então não era um show, era uma viagem no tempo. Eu e muitos outros dinossauros que estávamos ali tivemos aquele momento de epifania que só acontece quando se encontra um pedaço seu que havia ficado pra trás, em alguma prateleira poeirenta da memória. Ouvir “Vou fazer cocô” urrando com ódio de todos os mensalões do mundo fez valer a grana de quem estava ali; emocionar-se arrepiado ouvindo “Subúrbio operário” mostrou que a Festa Punk estava sendo concluída em altíssima qualidade.
Essa mesma sensação que tive ontem eu havia visto no “Viola de Ouro” quando Matogrosso e Mathias desfiaram seu rosário de romance e saudade, com músicas lendárias (como as duas que enfeitam o texto) e aquele tanto de experiência, tarimba e malandragem de palco, tantas vezes pisado. Boas escolhas é mais da metade do sucesso de um festival, de satisfazer o público pagante e de tornar o evento uma lembrança duradoura pra todo mundo, presentes, pagantes, tocantes, cantantes e organizantes.

“Mas aprendi
Fazer amor pra te ferir sem sentir nada
Enquanto eu amava, você me enganava
De igual pra igual
Quem sabe a gente pode ser feliz “

Resumindo a ópera, mesmo com as diferenças abissais entre o “Viola de Ouro” e a Festa Punk, ainda assim vemos que o trabalho bem planejado e bem realizado consegue atingir aquilo que deve ser o principal objetivo dos organizadores: agradar e satisfazer o público pagante. Agradado e satisfeito, esse público volta, se fideliza e garante a longevidade dos eventos.
Sem preconceitos, de cabeça aberta, podemos aprender com qualquer situação, se vamos colocar na prática é uma outra opção.
Tomara que cada vez mais, optem por isso.


Para quem quiser saber, as músicas que enfeitam o texto são “Boate Azul” e “De igual pra igual”. Serve uma cachacinha dourada, põe uns torresmos na mesa e deixa a madrugada virar.




Eduardo, O Inimigo do rei

Panela de tú é túúúúú!

Panela de tú é túúú!!

Aconteceu num processo eleitoral aqui do estado de Goiás uma vez. Um dos candidatos, que até então não tinha muitas chances de se eleger governador, apelou para um recurso cômico e criativo; a panela. Isso porque o candidato que tinha totais chances de vencer a eleição, um caudilho babão tradicional e histórico do estado havia se candidatado a governador, colocado a esposa candidata a senadora e uma curriola de apaniguados em candidaturas correlatas. Pois eis que surge em horário eleitoral um comediante falando da “panela” e os males que a “panela” iria causar, e junto a isso criou o termo “denosauro” para se referir ao caudilho salivante pré-histórico, e eis que ao final da campanha o candidato que tinha poucas chances massacrou a “panela” apresentada no horário gratuito que nós pagamos (ué, então não é gratuito?).
Panela então é um termo associado a grupelhos rasteiros, que se valem de atitudes nem sempre dignas para conseguir alcançar os seus objetivos, nem sempre dignos. Infelizmente o que deveria ser uma distinção para grupos com comportamentos pouco éticos, aparentemente virou uma denominação usual para qualquer grupo que se une e se protege, se favorece e se defende.

Digo isso porque tornou-se muito comum em GoiâniaTown esse argumento de que a panela não favorece a cena, porque não abre espaços para outras bandas. E então essas bandas que não fazem parte da panela, não tem apoio e por isso não tocam, não aparecem e por isso não sobrevivem.
Honestamente? Isso me cheira a comodismo e covardia, além de uma boa dose de burrice. Porque senão vejamos; qual seria o motivo de se montar um selo, contratar algumas bandas, fazer um festival e não se valer desse festival para divulgar as bandas que você contratou quando montou aquele selo? Não é extremamente óbvio para qualquer um que os donos de selo organizam festivais para mostrar o trabalho de seus contratados? Isso é panela? Não penso que seja, isso é grupo de trabalho, isso é cadeia produtiva, isso é ordem natural de mercado, isso é qualquer coisa orientada para resultados, mas não é panela.
Conversando com outros produtores de outros estados eu percebi que isso existe exatamente igual em todos os lugares. Os produtores de eventos sempre são tachados de protecionistas ou sectaristas por elencarem suas bandas nos festivais que organizam, gerando então uma situação onde sempre são as mesmas bandas a se apresentar, negando espaço para as novas bandas que surgem. E isso mesmo quando elencam suas bandas e também bandas de outros selos ou mesmo bandas do MSS (Movimento dos Sem Selo).
Antes que possa parecer que eu nego o fato da repetição ad nauseum das mesmas bandas nos festivais, eu confirmo; isso realmente existe. Quando o Violins ou o Rollin Chamas aparece em algum festival da Monstro, isso se deve muito ao compromisso assumido do selo com as bandas contratadas, mas alguém pode negar a qualidade dessas bandas? Alguém consegue dizer que essas bandas não merecem estar aonde estão, muito por causa do seu trabalho, ralação e dedicação ao que fazem? Acho difícil. Vejam esse detalhe bem atentamente: são bandas que ralaram e ralam muito pela sua música. Negue quem puder.
O problema é um pouco maior e mais complexo do que simplesmente rotular quem defende os seus; e lembrando que esses “seus” não são parentes, mas contratados de quem se espera resultado, rentabilidade, retorno ou no mínimo credibilidade. Ou seja, os selos precisam garantir visibilidade para as bandas contratadas, porque isso é o que vai gerar o retorno para o selo, na maioria das vezes em credibilidade e reputação, porque grana é artigo raro no cenário independente. Ainda.
Vejamos o problema em pedaços distintos. Um selo surge e contrata uma banda, contrata outra e dentro de pouco tempo tem 20 bandas em seu cast (qualquer semelhança com a realidade é uma grande cagada mesmo, porque eu não sou dono de selo e estou falando de atrevido). Esse selo precisa divulgar essas tantas bandas o máximo possível para garantir algum retorno delas, e isso vai levar algum tempo, o que quer dizer que por algum tempo esse selo não vai contratar bandas novas. Repito que isso é minha visão do negócio, totalmente aberta a correções e eventuais broncas. Pois bem, nesse tempo em que se trabalha a divulgação dessas bandas fica difícil colocar mais bandas no cast, pois enquanto não existir retorno das primeiras não existe justificativa para se colocar outras na lista, até porque existem custos envolvidos.
Nesse meio tempo centenas de bandas vão surgir (ao menos em GoiâniaTown, em que bandas brotam aos montes from dusk till dawn) e pelo exposto anteriormente, vão ficar sem selo, sem apoio, sem exposição. Temos uma parte do problema, e a ele voltaremos mais adiante.
A outra situação são os festivais, que são organizados pelos donos de selo. Obviamente esses donos de selo começaram a fazer festivais porque não deveriam haver outros lugares para expor suas bandas contratadas, e ao tomarem essa iniciativa criaram essa situação esquizóide. Pois se tivéssemos organizadores de festivais e donos de selos em duas instâncias distintas, teríamos maior participação de maior quantidade de bandas, já que os donos de selo iriam oferecer seus contratados e os organizadores selecionariam baseados em retorno estimado, ou seja, público que a banda levaria ao festival. Eis uma situação e sua provável solução, mas que não se adequa a realidade. Isso porque os selos que hoje fazem festivais pelo país (Monstro, Beacid, FanROck, Espaço Cubo, Baba de Calango e muitos outros) não vão abandonar seus festivais já consolidados ou consolidantes, apenas para se livrarem do rótulo de sectaristas, paneleiros (versão brasileira, não portuguesa) ou coisa parecida.
Quanto ao problema exposto acima, das bandas que ainda não tem selo e que por isso não aparecem, a solução é mais palpável e real: façam seus festivais! Há algumas semanas aqui em Goiânia algumas bandas se uniram e fizeram um festival. Alugaram espaço, som, fizeram divulgação, decoraram o local e fizeram um festival que recebeu muitos elogios de quem foi, e muitos foram, faça-se saber. Ao invés de esperar algum festival grande, as bandas Lola Caolha, Lake, Pelúcias, Duup, Dogma Zero, Lascívia, Grasshoppers e Ceodois se uniram, se organizaram, trabalharam (porque dá um trabalhaço fazer um negócio desses) e fizeram o seu festival. E antes que alguém comente que não precisava colocar os nomes de todas as bandas, eu coloquei porque a atitude dessas bandas foi corajosa e é muito importante que se destaque isso. Na comunidade GoiâniaPunk está surgindo algo semelhante, bandas que querem tocar e que viram que podem organizar um evento para trabalhar e se divertir, e além de tudo levar diversão à outros.
Se mais pessoas se lançassem a organizar eventos, mesmo que simples (e por simples não estou dizendo tosco) em pequenos espaços, aí a cena teria uma quantidade muito maior de bandas se destacando, desenvolvendo experiência, ficando mais maduras nos palcos e mostrando um trabalho melhor. Isso ia gerar mais visibilidade ao rock independente, gerar mais público, mais empresas teriam interesse em patrocinar os eventos e atividades, e todo mundo ia ganhar com isso.
Resumo da ópera? Se mais gente trabalhasse ao invés de reclamar, tudo seria melhor.
Panela? Se desculpa de aleijado é muleta, desculpa de preguiçoso é panela.


Eduardo, O Inimigo do rei